Serviço público ruim é culpa do servidor!

Carlos Henrique Carlos Henrique -

Eu provavelmente serei crucificado e perseguido pelo que irei dizer hoje por aqui. Porém, preciso por para fora algo que me incomoda faz tempo. E antes de xingar muito nos comentários, apenas pelo título, peço que leia o texto inteiro, prometo que tudo fará sentido. O serviço público brasileiro, em geral, é alvo de muitas críticas. Muitas, mesmo. E a grande maioria, tem fundamento. Claro que existem críticas injustas, mas vou abordar aqui um certo viés pelo qual muitos não olham, ou evitam olhar.

O funcionalismo está em alta, principalmente porque recentemente o congresso aprovou a criação de 14 mil novos cargos, a serem preenchidos por concurso. E mesmo afirmando que o Brasil está na maior crise de sua história, ninguém reclamou da criação destes cargos, pois para muitos concurseiros profissionais é a chance de conseguir o emprego dos sonhos.  

A grande questão é que vejo todos os dias pessoas reclamando de serviços públicos. E como servidor público eu até tento defender a categoria e mostrar que nem todos os servidores são iguais. Sou concursado e trabalho na secretaria de saúde de uma prefeitura. Desde a faculdade eu tenho tido contato com o serviço público, seja por estágios, por processos seletivos ou concursos nos quais fui aprovado, tendo testemunhado muita coisa ruim. E, às vezes, fica difícil argumentar ou mesmo defender a classe. A maioria não ajuda!

Mas o problema começa muito antes! No momento em que entramos na escola somos “treinados” a estudar para entrar numa faculdade e passar em um concurso público. A escola, em muitos casos, nada mais é do que um gigantesco cursinho preparatório. Muito do que você “aprende” lá, não servirá para mais nada na vida, depois de aprovado em um vestibular ou concurso.

A meta de vida de muitos brasileiros passa a ser, justamente, a aprovação em um “bom concurso público”, para ter estabilidade e “uma vida boa”! A coisa ficou tão séria que, hoje, existem milhares de cursinhos especializados em concursos, e dezenas de milhares de concurseiros, os profissionais em concurso (eu sei que está repetitivo, mas o que posso fazer?). Esse mercado, diga-se de passagem, é bastante lucrativo, e atrai todo tipo de parasitas. Inclusive muitos palestrantes que ensinam truques e dão dicas para passar em concursos sem nunca terem passado em nenhum.

A maioria dos concurseiros, aliás, são pessoas que não querem trabalhar de verdade. Alguém lhes disse que funcionário público não trabalha, e é justamente isso que eles querem, receber para ficar à toa. Essa, na verdade, é a imagem que a maioria dos brasileiros têm dos servidores públicos no país: ser concursado é o mesmo que não ter que trabalhar mais na vida. E, apesar de criticarem todos, uma grande parte gostaria de estar no lugar deles.

O problema maior do concurseiro profissional é que ele passa a vida pulando de concurso em concurso. Não que isso seja errado. Temos que lutar sempre por uma oportunidade melhor de trabalho. O problema é que a aprovação passa a ser vista como objetivo maior, apenas levando-se em conta o salário, e a maioria nem se interessa em aprender o ofício para o qual foi aprovado, ou mesmo prestar um serviço de qualidade ao usuário daquele serviço. Afinal, a passagem deles por ali será curta, e logo, logo, ele passará em outro concurso deixando o órgão atual desfalcado.

Essa situação gera um custo enorme para a máquina pública. Ao serem convocados, grande parte dos concursados não tem ideia do que fazer, pois passam anos estudando, e muitas vezes nem chegam a trabalhar, na prática, em sua área de formação. Então é preciso treinar o sujeito. O processo, às vezes, é lento. E muitas vezes depois de treinado o sujeito pede remoção ou exoneração, por não ter gostado do serviço ou ter passado em outro concurso. E, lá vai o Estado convocar outro servidor, esperar quase um mês para que ele tome posse, levar outros meses para treiná-lo, e assim, o serviço ao público fica prejudicado e o povo é quem paga o pato.

A grande ironia neste caso, é que muitos dos concurseiros são justamente os primeiros a bater o pé contra as “bolsas” do governo. São eles quem gritam que os impostos deles não devem ser gastos para sustentar ninguém etc. e tal. Porém, receber para não trabalhar às custas do governo, tá liberado, afinal ele passou anos estudando e fez por merecer tal cargo, não é verdade?

É claro que existem muitos problemas no serviço público. A começar pela destinação correta de recursos, que depende da arrecadação e dos políticos, eleitos por nós, que são responsáveis por decidir para onde cada centavo arrecado vai e como deve ser gasto. Ao pararmos para analisar a situação do serviço público brasileiro vamos perceber que praticamente todos os problemas passam pelo mesmo catalizador: O Servidor Público.

O Servidor público é o principal responsável pela situação lastimável dos nossos serviços públicos. A começar pelos políticos eleitos. Sim, prefeitos, vereadores, senadores, deputados, governadores e presidentes são servidores públicos, eleitos para trabalhar em prol da população. Infelizmente, a grande maioria trabalha apenas pensando em si mesmo, ou no máximo de forma a beneficiar amigos e familiares. Verbas e recursos são desviados ou mal gastos, e muitos projetos são desenvolvidos pensando em favorecer poucos. Nós somos culpados. Eles foram selecionados e aprovados, por nós, no maior processo seletivo do país: as eleições!

Depois disso, entramos no segundo nível de servidores. Os comissionados e de confiança. São servidores escolhidos por politicagem ou favorecimento descarado. Muitos assumem cargos sem estarem preparados para tal. Aí começa outro grande problema do serviço público: A má gestão. É comum ver secretários e gestores sem o mínimo de conhecimento necessário para estar no cargo. Muitos não sabem nada sobre gestão ou estrutura governamental, e não buscam, sequer, aprender algo. Afinal, sempre haverá um assessor ou auxiliar para fazer o serviço pesado. O bom mesmo é usar dinheiro público para fazer cursos e congressos em cidades turísticas, e nem assinar a lista de frequência destes eventos.

Por fim, temos os concursados! Aqueles que ralaram muito estudando para poderem trabalhar sem fazer nada. Essa cultura é tão forte no Brasil que muitos acham que funcionário público não precisa trabalhar e não pode ser demitido. Isso dá a muitos um sentimento de liberdade terrível. Acham que podem trabalhar quando querem, ondem querem e da forma que querem. E nada do que fizerem será suficiente para que sejam demitidos.

É triste constatar que “Proatividade” é uma palavra quase extinta no serviço público. A grande maioria dos servidores não querem fazer absolutamente nada. Ao pedir para alguém te ajudar com algo, ou fazermos algo para que o serviço ficasse melhor ou mais eficaz, é muito comum ouvir xingamentos ou risadas. Eles se limitam a fazer suas funções, e se negam a fazer qualquer função não prevista no edital. Isso mesmo, alguns servidores andam com o edital à tira colo, para não terem que fazer absolutamente nada que não esteja previsto nas atribuições do seu cargo, quando prestaram o concurso.

Ao questionar profissionais, por exemplo sobre infrações cometidas no trabalho, muitos dizem: funcionário público não pode ser mandado embora! É muito comum profissionais de saúde, por exemplo, reclamar de pacientes que vão aos hospitais e postos de saúde, apenas para pegar atestado, tumultuando o atendimento e lotando as unidades. Não que isso não aconteça. O brasileiro é malandro por natureza.

Por outro lado, já vi inúmeros servidores faltando com a desculpa de que estavam doentes, chegando a apresentar atestados falsos ou “arranjados” com um médico colega de trabalho, e postando fotos em passeios, viagens e até mesmo em outros trabalhos por fora. O pobre não pode pegar atestado. O servidor público sempre tem um amigo que “ajeita” as coisas pra ele. A hipocrisia do brasileiro está em todos os lugares!

Eu entendo, que há, sim, a necessidade de se valorizar o servidor, em muitos órgãos ou prefeituras. Já vi concursos, na minha área, oferecendo salários bem abaixo do piso nacional da categoria, o que não diminui o número de inscritos, diga-se de passagem. Depois os mesmos que aceitaram esses valores ao realizar as provas, passam o tempo todo reclamando e querendo obter algum lucro ilícito no local de trabalho.

Além disso, existe uma outra cultura nociva no Brasil: A de que bens públicos não são de ninguém. Não entra na cabeça do povo de que todo bem público é nosso. Tanto usuários quanto profissionais não têm o menor zelo por bens públicos. É comum entrar em repartições, escolas ou hospitais e encontrar cadeiras quebradas, paredes riscadas, objetos destruídos, bens sucateados. Ninguém liga. Ninguém se toca que o que é público é de todo mundo.

Já vi funcionários levando materiais básicos pra casa, como canetas e lápis, afinal não é de ninguém. Será que o sujeito estava passando por um problema financeiro tão terrível em casa para precisar furtar materiais que custam menos de um real? Não existe preocupação em zelar pelo bem público. Se vai usar o banheiro, urinam no chão. Se vão beber água 20 vezes no dia, vão usar 20 copos diferentes. A situação é tão absurda que já vi funcionários quebrarem, de propósito, máquinas e equipamentos apenas para não terem que trabalhar. E ainda riam pelos corredores, dizendo que naquela semana estariam de folga.

Muitos não respeitam, inclusive, os próprios colegas. Já trabalhei em locais em que servidores furtavam celulares e dinheiro de colegas distraídos. Já vi servidores furtando, inclusive, lanches na geladeira do refeitório, que pertenciam a outros colegas. Esses devem ser “o orgulho da mamãe!” Claro que esses casos não são regra! Existem muitas pessoas comprometidas no serviço público, que dão seu sangue no trabalho. Pena que os bons servidores são ofuscados pelo brilho negativo dos maus servidores. Ao reclamar de um serviço, sempre reclamamos do local, no geral, nunca do servidor específico.

Confesso que já vi tanta coisa no serviço público que cheguei a achar que terceirizar todos os serviços seria a maneira mais eficaz de melhorar a máquina pública. Afinal, a grande maioria parece estar disposta apenas a ganhar dinheiro, sem oferecer nada em troca. Por isso, talvez os serviços públicos brasileiros sejam tão ruins, são apenas reflexo de quem está por trás deles.

Claro que existe esperança, a começar pelos servidores públicos que são eleitos por nós. Temos a chance de selecionar novos “funcionários” para trabalharem de verdade por nós, e deixar que saiam todos os que estão lá, sem fazer nada importante. Quem sabe, eles não criem leis que possam otimizar todos os serviços, e nos dar ferramentas para ter um atendimento de excelência. Isso só vai acontecer, porém, quando todos entendermos que serviço público ruim é culpa de servidor público ruim, e que políticos, gerentes, diretores, cargos de confiança, nomeados e concursados são todos servidores públicos, cada um com sua parcela de culpa. Inclusive o povo. Sim, a culpa também é minha e sua!

 

Bruno Rodrigues Ferreira é  Jornalista, Psicólogo, Especialista em Tecnologia e Educação e Gestão em Saúde. Twitter: @ferreirabrod

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