Coronavírus: especialistas explicam porque o pior ainda está por vir em Anápolis

É possível adiantar que os dois concordam que a situação não está controlada, diferentemente do que sustentam autoridades municipais

Caio Henrique Caio Henrique -

O pico de casos do novo coronavírus em Anápolis estava previsto para ocorrer nesta quinta-feira (02), como projetado no dia 13 de março pela Prefeitura de Anápolis.

A estimativa não se cumpriu e a Secretaria Municipal de Saúde (Semusa), após confirmar apenas quatro casos da doença e divulgar uma morte suspeita, passou a avaliar o avanço da pandemia na cidade somente por dia e não mais por período.

Nesse meio tempo, decretos governamentais a nível estadual e municipal foram editados restringindo a circulação de pessoas e aumentando o isolamento social.

Para entender os possíveis equívocos e acertos nas ações implementadas recentemente, o Portal 6 conversou com especialistas da área da saúde para que eles analisem o atual cenário e opinem sobre a crise no município.

É possível adiantar que os dois concordam que a situação não está controlada, diferentemente do que sustentam autoridades municipais. Ambos também acreditam que o pior ainda está por vir.

Atenderam a reportagem o médico infectologista Marcelo Daher e o professor doutor Jadson Belém de Moura, especialista em microbiologia e coordenador de pesquisa e inovação da Faculdade Evangélica de Goianésia (FACEG), mantida pela Associação Educativa Evangélica (AEE).

Marcelo Daher, médico infectologista, e Jadson Belém de Moura, pesquisador e professor universitário. (Fotos: Reprodução)

A prefeitura errou na estimativa realizada no dia 13 de março?

Marcelo: Eu acho que o pico de Anápolis está longe do que foi estimado. Em São Paulo, estima-se que o pico seja por volta do dia 20 de abril, e lá começou primeiro. Em Anápolis, imagino que a coisa aconteça lá para o fim de maio. Essas estimativas são feitas com base no número de casos e esse é outro problema. Como a gente testa muito pouco, estamos vendo um retrato de muito tempo atrás, provavelmente 20 dias atrás. Além de testar pouco, o resultado do exame demora muito.

Jadson: Como mencionado, foi uma estimativa. Estes números poderiam e variaram por conta do comportamento da sociedade e das políticas públicas neste período. Pessoas infectadas demoram em média cinco dias para transmitir a doença e até dez dias para começar a manifestar sintomas. Logo, os números oficiais que temos hoje são reflexo de uma contaminação que ocorreu há pelo menos dez dias atrás. Como há 20 dias as medidas de contenção e isolamento foram tomadas, o baixo número de contaminados relatado no boletim oficial da prefeitura são reflexo disso. Não acredito em erro de estimativa quando o cenário foi de controle. Os números seriam maiores se a contenção não tivesse sido realizada.

A situação está controlada?

Marcelo: A situação não está controlada porque não estamos testando, então, não sabemos se está controlado ou não. Sem testes, estamos no escuro. Da mesma forma que começamos, estamos continuando: no escuro. E isso não é uma crítica específica para a Prefeitura ou para ninguém, é uma crítica geral. Sem testes, jogamos no escuro. Então, precisamos testar.

Jadson: Longe disso. Por se tratar de um vírus com alto poder de transmissão, novos casos podem voltar a ocorrer e a crescer caso a quarentena seja desrespeitada. Ao meu ver, a situação estará parcialmente controlada com a chegada dos testes rápidos, a exemplo da Coreia do Sul, que realizou testes em uma grande parcela da população, mantendo isolados somente as pessoas contaminadas. Como não temos condições de testar toda a população, o isolamento ainda é a melhor maneira de conter a contaminação.

O pior ainda está por vir?

Marcelo: Sim. E quando digo que o pior está por vir é porque não começou nada ainda, não tem casos. Quando a gente vê o que está acontecendo em São Paulo, no Rio, na Itália e na Espanha, esse é o pior dos mundos. A coisa está para acontecer ainda.

Jadson: Acredito que sim, este vírus possui um poder muito grande de contaminação. Goiás e seus municípios saíram na frente isolando as pessoas antes da fase de transmissão comunitária. Mas esta fase tem grandes chances de ainda acontecer. Nesta situação, o sistema de saúde, principalmente das cidades menores, não possue capacidade de suportar um número grande de internações.

E o que seria esse “pior”?

Marcelo: O que chamamos de pior é quando se realiza uma estimativa de mais ou menos 62% da população se infectar e, jogando por alto, resulta em 30 mil leitos de internação, dois mil leitos de internação em terapia intensiva. Isso é o pior. A situação é complicada demais e vai piorar. Se nós, médicos, já estamos em uma situação complexa, eu imagino a situação do prefeito tendo que decidir coisas, é horrível. Mas é necessário e essas decisões precisam ser tomadas. Como pode haver a minimização de erros? Estando bem assessorado. O ideal seria ter um epidemiologista (especialista que estuda a distribuição e fatores determinantes de doenças na população humana) do lado dele, realizando cálculos e trabalhando com as estimativas do Ministério da Saúde, que tem feito recomendações pertinentes a todo momento.

Jadson: Uma situação como se vê na Itália, Espanha e Estados Unidos. Lá a transmissão atingiu níveis acima do suportado pelo sistema de saúde. Os Estados Unidos têm uma situação mais delicada por não possuir sistema de saúde pública. O Brasil não possui infraestrutura comparada a estes países e boa parte dos leitos de UTI estão concentrados nos grandes centros. Pequenas cidades podem ter grandes problemas caso o vírus se espalhe nestas áreas. Um estudo liderado por pesquisadores do Imperial College, assinado por mais de 40 cientistas, que guiou as decisões sanitárias do Reino Unido e Estados Unidos, previu para o Brasil, na pior das situações, 1 milhão de mortes até setembro, e na melhor das situações, 40 mil mortes por conta do Covid-19. Ainda temos tempo de agir. A situação dos outros países deve servir de exemplo para tomada de decisões. Ao meu ver, Goiás e seus municípios têm agido de forma correta em relação às medidas de segurança e saúde pública para o Covid-19.

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