Case de Anápolis se tornou um inferno após chegada de militar, sustentam agentes

Queixas de assédio moral são do conhecimento da Seds, que as tratou como "genéricas". Ouvido pelo Portal 6, oficial diz que servidores não querem trabalhar

Carlos Henrique Carlos Henrique -
CASE de Anápolis. (Foto: Reprodução)

A rotina dos agentes socioeducativos já não é nada tranquila dentro do Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) de Anápolis, onde adolescentes cumprem medidas por atos infracionais.

Tudo piorou, conforme relato de servidores ao Portal 6, com a chegada do novo coordenador da unidade, o coronel da reserva remunerada Altamiro Jose Firmino, que estaria praticando assédio moral contra eles.

Pelo menos seis dos agentes contaram histórias de desrespeito por parte do policial aposentado que está frente do Case atualmente. Temendo represálias, nenhum deles quis se identificar. “Tenho medo de ser perseguido ainda mais”, justificou um dos profissionais.

As denúncias começaram a chegar à reportagem depois que um dos agentes gravou um áudio de 22 minutos, que pode ser ouvido na íntegra a seguir, durante uma reunião na quinta-feira (24) convocada pelo coordenador.

Em determinado momento, o policial aposentado, que transita pela unidade com arma na cintura, pede em tom de ameaça para o agente não o irritar e depois o chama de moleque. Em seguida, o coordenador manda o subordinado para o “quinto dos infernos”.

O agente foi chamado à sala do coordenador para uma reunião inicialmente para dar explicações sobre o preenchimento de uma ata de plantão.

No caso, quem deveria redigir o relatório seria uma pessoa designada para tal atividade. Segundo o servidor confirmou ao Portal 6, ele decidiu relatar sobre seu plantão porque informações seriam censuradas pelo coordenador. “Tem coisa que o coordenador não quer que seja levada para Goiânia”, complementou outro servidor.

Na reunião, a religião do servidor foi questionada pelo coronel. Depois de discussões sobre críticas ao coordenador nas redes sociais, ele saiu da sala sob gritos do superior.

Desvio de função

Um dos pontos mais graves levantados pelos servidores é que, todo dia, pelo menos um dos agentes é obrigado a abandonar o posto dentro do Case, pegar o carro da unidade e levar uma cozinheira para a casa dela.

“Isso é desvio de função. A gente não pode fazer isso senão podemos responder a um PAD [Procedimento Administrativo Disciplinar]. Mas se não obedecemos ao coordenador sofremos outros tipos de consequências”, desabafou um deles.

‘Pega com a mão’

Entre as várias situações de desmandos que estariam atingindo diretamente os adolescentes da unidade estão as que ocorrem durante o banho de Sol. Durante uma hora, o coordenador estaria obrigando os adolescentes a praticar atividade física.

Relatos ouvidos pelo Portal 6 dão conta de que alguns menores preferem ficar lendo, mas se não obedecem ao coronel são obrigados a fazer faxina. Um agente também já teria sido designado a castigar aqueles que não quisessem jogar futebol.

“E se nenhuma vassoura é encontrada, o coronel diz ‘pega com a mão'”, contou um dos servidores à reportagem.

‘Eu sou a lei’

Frases autoritárias também são ditas pelo policial militar, segundo agentes. Alguns deles disseram, por exemplo, que ouvem a seguinte frase quando questionam alguma ordem que não teria respaldo jurídico: ‘eu sou a lei’.

Denúncias contra o coronel não são novidades para Lucia Vânia Abrão, titular da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Seds). No dia 23 de junho, a pasta recebeu ofício relatando casos de assédio moral cometido pelo coordenador. No ofício, uma novidade: há denúncia de adolescentes sendo obrigados a lavar carros particulares dentro da unidade.

Sete dias depois, o sindicato recebeu de volta um documento do mesmo tipo assinado pela secretária, cujo teor afirma que as queixas são “genéricas”.

Outra denúncia encaminhada à Seds, no dia 17 de julho, relata que servidores eram tratados aos gritos na frente dos adolescentes internados e que um deles foi ameaçado de “tomar um tapa na cara”.

A expressão o “pão que o diabo amassou” é comum por parte dos servidores ouvidos pelo Portal 6 quanto à relação deles com o coronel. É a mesma utilizada pelo presidente do Sindicato do Sistema Socioeducativo do Estado de Goiás (Sindsse/GO), Roberto Conde.

“Não está fácil. Já fizemos várias denúncias, mas a secretaria diz que não há provas. Na segunda-feira (28) vamos fazer outra reclamação, inclusive, na corregedoria”, adianta Roberto. “Vamos ver se as denúncias vão ser averiguadas desta vez. Mesmo aposentado, o diretor está armado dentro da unidade. E os servidores se sentem ameaçados com o abuso de autoridade do coordenador”, disse.

Outro lado

Procurado pela reportagem, o coordenador do Case Anápolis deu sua versão para as denúncias. “São especulações levianas de servidores descompromissados”, acusa Altamiro Jose Firmino.

Ainda segundo o policial da reserva, os servidores estão reagindo às mudanças que a gestão dele está promovendo na unidade.

“Estamos dando mais condições para os adolescentes voltarem melhores para a sociedade e tem servidor que não quer isso”, disse.

Sobre o tom com que trata os subordinados, o coordenador alegou que tem “obrigação de cobrar resultados”.

A reportagem também questionou se Altamiro considera as atitudes dele como assédio moral.

“Eu sei o que é assédio moral e eu nego. Às vezes chega funcionário que acha que é dono da instituição. Ele tem que entender que é funcionário público. Eles querem ser servidos”, disparou.

O coordenador confirma que manda agentes saírem do plantão para levar a cozinheira em casa.

“Eles não reconhecem que é um benefício ter janta oferecida pela unidade. Antes eles recebiam marmitex”, justificou. “Eles estão se beneficiando com a moça que sai da unidade à noite. É questão de humanidade”, completou.

Sobre o áudio em que pode ser ouvido irritado em uma reunião com servidor, o coordenador diz que não tem problema de responder em juízo pelo que disse. “E ele deverá responder pela desobediência. Se não viesse com sarcasmo e ironia, o atendimento não seria esse. Se quiser respeito, tem que tratar com respeito”, cobrou.

Também questionado se realmente pune adolescentes que não praticam esportes durante o banho de Sol, o militar perguntou à reportagem se “é melhor fazer atividade física ou ficar dentro da cela”.

A assessoria de comunicação Seds, responsável pelo Sistema Socioeducativo goiano, enviou uma nota ao Portal 6 informando que se for “notificada da reclamação do servidor, a Superintendência do Sistema Socioeducativo irá abrir processo administrativo para investigar o ocorrido”.

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