Kast e Boric farão embate entre ultradireita e esquerda no 2º turno do Chile, aponta apuração inicial

Corrida agora começa a ser travada para conseguir os apoios dos candidatos derrotados Sebastián Sichel, Franco Parisi e Yasna Provoste

Folhapress Folhapress -
O esquerdista Gabriel Boric e o ultradireitista José Antonio Kast. (Foto: Montagem/ LaNacion)

Resultados preliminares divulgados no começo da noite deste domingo (21) apontam que o segundo turno da eleição presidencial do Chile será disputado entre o candidato de ultradireita José Antonio Kast e o de esquerda Gabriel Boric. Segundo os números do Servel (Serviço Eleitoral do Chile), com 19,97% votos apurados, Kast tinha 29,31%, contra 23,47% de Boric. A rodada final está marcada para 19 de dezembro.

A corrida agora começa a ser travada para conseguir os apoios dos candidatos derrotados. Kast busca conquistar os eleitores de centro-direita e direita que votaram em Sebastián Sichel (11,72%) ou em Franco Parisi (13,78%), enquanto Boric espera contar com os que preferiram os centro-esquerdistas Yasna Provoste (13,06%) e Marco Enríquez-Ominami (7,3%) ou o esquerdista Eduardo Artés (1,37%).

O comparecimento às urnas ainda não foi divulgado, mas, de acordo com Jaime Bellolio, porta-voz do governo, “os primeiros informes mostram que a participação está sendo muito boa”. Desde que o voto deixou de ser obrigatório, em 2012, o país coleciona cifras altas de abstenção. Nos últimos pleitos regionais, em que governadores foram escolhidos, apenas 20% dos eleitores participaram da votação.

Nas eleições presidenciais de 2017, vencidas por Sebastián Piñera, o índice não chegou a 50%, nem mesmo no segundo turno. O plebiscito de outubro, que definiu que o país teria uma nova Constituição, também teve participação baixa, de 50,95% do eleitorado.

Kast já havia se candidatado à Presidência em 2017, mas, daquela vez, obteve apenas 8% dos votos. Seu desempenho durante o atual ciclo eleitoral vinha sendo parecido com o do anterior, até que ganhou força nos últimos meses, ao defender uma agenda antiglobalista, anti-imigração e anticomunista.

O advogado de 55 anos fazia parte da tradicional força de direita União Democrática Independente. Desentendimentos com Piñera e líderes do partido, porém, fizeram com que fundasse, em 2020, o Partido Republicano, pelo qual disputa esta eleição. O ultradireitista defende a redução do número de ministérios, o envio de tropas para militarizar a região sul do país, onde ocorrem disputas entre grupos indígenas e fazendeiros, e a construção de um muro no norte, para impedir a entrada de imigrantes de modo ilegal.

Kast, que também pretende revogar a legislação que aprova o aborto em casos de risco de morte da mãe, estupro e inviabilidade do feto, considera-se um herdeiro do ex-senador Jaime Guzmán (1946-1991), assessor de assuntos jurídicos do ditador Augusto Pinochet e principal artífice da Constituição promulgada durante o regime militar, ainda em vigor. Guzmán foi assassinado por militantes de um grupo guerrilheiro de esquerda, e o irmão de Kast, Miguel, também já morto, foi ministro do Trabalho de Pinochet.

Boric, 35, por sua vez, surgiu no cenário político chileno nos protestos estudantis de 2011, que pediam gratuidade na educação superior. A partir da atuação nos atos, foi eleito deputado em 2013 e reeleito em 2017. O esquerdista, que vive em Punta Arenas, no sul do país, defende a desconstrução do sistema de aposentadorias privadas e maior presença do Estado na economia e no acesso à saúde e à educação.

O advogado também é favorável ao reconhecimento da soberania e da cultura dos indígenas, que representam 9% da população chilena. Embora os protestos de 2019 não tenham contado com lideranças políticas, Boric capitalizou o sentimento de revolta dessa fatia da sociedade que saiu às ruas no período.

É tido como um esquerdista moderado, com histórico de ser hábil no diálogo e na negociação com políticos de outras colorações ideológicas. Entre seus apoiadores, porém, estão forças de esquerda mais radicais, como o Partido Comunista, que defende os regimes ditatoriais de Cuba e Nicarágua.

O dia de votação foi marcado por intenso calor e longas filas em Santiago. No estádio Monumental, do clube de futebol Colo-Colo, familiares de idosos demonstravam preocupação em ter de hidratá-los enquanto aguardavam em cadeiras de rodas. Devido à pandemia de Covid, o horário de votação foi estendido –das 8h às 18h–, mas, ainda assim, houve aglomeração nos locais visitados pela Folha.

O tempo de espera, em alguns casos, excedia uma hora.

Uma dificuldade extra para votar foi a quantidade de cédulas que tinham de ser preenchidas –uma para presidente, outra para senador e outra para deputado. Elas tinham de ser dobradas pelos mesários, etiquetadas, seladas e devolvidas aos eleitores, que então as colocavam nas urnas.

“Há muita vontade de votar, por isso estamos aguentando isso tudo. O Chile vive um momento histórico”, disse Angelina, 55, que votou numa escola no bairro de Providencia. Perto dali, Artur, 28, que também aguardava numa fila de votação, não estava tão contente. “Querem uma nova política, um novo sistema para o país, mas para isso precisam organizar melhor a eleição, sem nos deixar esperando tanto”.

As eleições ocorrem em meio a um cenário de crise política. O país ainda vive os efeitos dos protestos de 2019 que deixaram 34 mortos e mais de 2.000 feridos. Como fruto dessa tensão, a população decidiu que uma nova Constituição será formulada por uma assembleia eleita neste ano. A redação da nova Carta terá de ser aprovada em plebiscito, no próximo ano, já durante o novo período presidencial.

Há, ainda, protestos pelo país. Ao norte, principalmente em Iquique, manifestações repudiam a chegada de imigrantes, principalmente da Venezuela e do Haiti. Ao sul, enfrentamentos entre moradores e grupos que reivindicam a soberania dos índios mapuche frequentemente resultam em atos de violência.

Na economia, a expectativa é a de que o país termine o ano com crescimento de 11% do PIB, devido à retomada das atividades após os períodos de quarentena e restrições em razão da pandemia. Ainda assim, 2022 surge como um ano difícil.

O país deve crescer apenas 2%, e economistas apontam para um cenário de recessão. O ano chega ao fim com inflação de 6%, o dobro da meta estabelecida pelo governo.

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