Governo de Israel comete apartheid contra palestinos, diz Anistia Internacional

De acordo com a Anistia, Israel impõe "um sistema de opressão e dominação contra palestinos em todas as áreas sob seu controle"

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Manifestantes da África do Sul protestam contra o tratamento de Israel aos palestinos, 2 de junho de 2018 (Foto: Reprodução/ Twitter)

PEDRO LOVISI
BELO HORIZONTE, MG (FOLHAPRESS) – A Anistia Internacional divulgou, nesta terça-feira (1º), um relatório condenando recentes ações de Israel envolvendo os palestinos, no que a organização caracteriza como um “apartheid fruto de ações públicas”. No documento de 280 páginas, a instituição cita casos em que o governo israelense estaria oprimindo a comunidade árabe em áreas controladas pelo país, com a restrição a direitos civis e econômicos.

Em abril, a ONG Human Rights Watch também acusou o Estado de Israel de cometer uma espécie de apartheid e promover a perseguição a árabes e palestinos –o que, no direito internacional, equivale a crimes contra a humanidade.

De acordo com a Anistia, Israel impõe “um sistema de opressão e dominação contra palestinos em todas as áreas sob seu controle”, com o propósito de “beneficiar os judeus israelenses”. O relatório aponta quatro estratégias do governo para cumprir esse objetivo: fragmentação em domínios de controle; desapropriação de terrenos e propriedades; segregação e controle; e privação de direitos econômicos e sociais.

A instituição ressalta que Israel, ao longo de sua história (o Estado foi estabelecido em 1948), expulsou centenas de milhares de palestinos do território e destruiu centenas de aldeias, “no que equivale a uma limpeza étnica”. Os palestinos vivem hoje principalmente na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, territórios cercados por barreiras que impedem o trânsito livre com Israel. Há também quem viva no Estado israelense –segundo Tel Aviv, 20% da população do país é árabe.

“Isso teve o efeito de minar os laços familiares, sociais e políticos entre as comunidades palestinas e suprimir a dissidência contra o sistema do apartheid; também ajuda a maximizar o controle judaico israelense sobre a terra e manter uma maioria demográfica judaica”, destaca a Anistia.

De acordo com a organização, esse apartheid também pode ser visto em políticas civis. Um exemplo seria a negação de Israel em conceder cidadania a palestinos casados com israelenses. Antes de 2003, quando a legislação foi adotada, casais árabe-israelenses tinham direito a acessar livremente cidades de fora da Cisjordânia, uma vez que os cônjuges se tornavam cidadãos israelenses.

“Israel também impõe severas limitações aos direitos civis e políticos dos palestinos, para suprimir a dissidência e manter o sistema de opressão e dominação. Milhões de palestinos na Cisjordânia continuam sujeitos ao regime militar de Israel e às ordens militares draconianas adotadas desde 1967”, diz o documento.

O texto faz referência a uma das três áreas da Cisjordânia, região parcialmente controlada por Israel, mas não anexada ao país. Os palestinos têm o controle civil e militar da chamada “Zona A” -que corresponde a 17% da região, segundo a União Europeia–, assim como acontece com os israelenses na “Zona C” (59%). O problema apontado pela Anistia está na “Zona B” (24%), onde os palestinos têm o controle civil, mas não o militar.

O relatório também aponta que, por mais de 73 anos, Israel tem deslocado à força comunidades palestinas. Conforme a organização, centenas de milhares de casas de palestinos foram demolidas e mais de 6 milhões de palestinos continuam refugiados, sendo que a maioria vive em campos localizados dentro e fora de Israel. Além disso, 168 mil palestinos estariam “em risco iminente de perder suas casas, muitos pela segunda ou terceira vez”.

Em outubro, o governo do primeiro-ministro Naftali Bennett publicou a licitação para a construção de novas casas na Cisjordânia e sinalizou na época que as autoridades também debateriam autorização para outras 3.000 residências. A maioria das nações ocidentais considera ilegais os assentamentos israelenses na Cisjordânia –algo que Tel Aviv contesta.

Todo o aparato israelense apontado pela Anistia seria o responsável pelos problemas econômicos enfrentados pelos palestinos. Segundo a organização, “milhões de palestinos dentro de Israel e Jerusalém Oriental [região ocupada pelo governo judeu] vivem em áreas densamente povoadas que geralmente são subdesenvolvidas e carecem de serviços essenciais adequados, como coleta de lixo, eletricidade, transporte público e infraestrutura de água e saneamento”. Com isso, palestinos teriam menores chances de conseguir um bom emprego e emergir financeiramente.

Soma-se a isso o bloqueio do governo israelense à Faixa de Gaza, hoje controlada pelo Hamas, considerado terrorista por Tel Aviv, com apoio de governos ocidentais. De acordo com a Anistia, há na região grave escassez de habitação, água potável, eletricidade, assistência médica, alimentos, equipamentos educacionais e materiais de construção. Em 2020, Gaza tinha a maior taxa de desemprego do mundo e mais da metade de sua população vivia abaixo da linha da pobreza, aponta o relatório.

O diretor do Instituto Brasil-Israel, Daniel Douek, concorda com as constatações da Anistia de que palestinos sofrem com a falta de direitos em regiões controladas pelo governo de Israel na Cisjordânia. Ele descarta, porém, a hipótese de que práticas semelhantes aos de um apartheid estariam ocorrendo em toda região controlada pelos israelenses e assegura que os cerca de 20% de palestinos que hoje vivem em cidades israelenses são amparados por direitos sociais.

“Quando a Anistia procura igualar os palestinos com cidadania israelense com os sem cidadania, acaba dando munição para israelenses que desconsideram práticas discriminatórias do Estado e apresentam apenas exemplos da experiência de palestinos com cidadania”, afirma. “É uma situação complexa, e o risco é utilizar esse relatório para misturar os aspectos simétricos e assimétricos de um conflito nacional que vem de décadas”.

Ele acrescenta que há em Israel várias organizações pró-direitos humanos que também condenam as exclusões de políticas públicas para os palestinos. “Esse debate está posto na sociedade israelense, onde há organizações de direitos humanos e personalidades que fazem o mesmo tipo de denúncia. É importante lembrar que Israel foi criado em nome dos direitos humanos e preocupações desse tipo encontram-se ali, da mesma forma que em qualquer outro país”

Para Douek, é possível comparar as situações vividas por palestinos com cidadania israelense com as de negros no Brasil. “Formalmente, são cidadãos iguais a qualquer outro, mas informalmente há diferenciações de recursos empregados nas cidades de maioria árabe, em relação às cidades de maioria judaica”, destaca. “Há organizações de direitos humanos internacionais que chamam a atenção para as violações de direitos humanos do governo Bolsonaro, mas também há uma sociedade civil brasileira mobilizada contra essas práticas.”

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