Universidade de Lisboa recebe 50 denúncias contra professores em 11 dias

Entre as denúncias, há 29 de assédio moral, 22 de assédio sexual, 8 de práticas sexistas, 5 de xenofobia e racismo e 1 de homofobia

Folhapress Folhapress -
Universidade de Lisboa (Foto: Reprodução/ Google Maps

GIULIANA MIRANDA
LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) – Em 11 dias de funcionamento, um canal em que estudantes podem relatar casos de assédio e de má conduta na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa recebeu mais de 50 queixas, referentes a 31 professores: o equivalente a quase 10% dos docentes e assistentes da instituição, uma das mais tradicionais de Portugal.

Entre as denúncias, que podem aparecer em mais de uma categoria, há 29 de assédio moral, 22 de assédio sexual, 8 de práticas sexistas, 5 de xenofobia e racismo (incluindo vítimas brasileiras) e 1 de homofobia. Mais da metade se refere a sete professores –e um deles concentra nove queixas.

O conteúdo do relatório que compila os dados foi revelado pelo jornal Diário de Notícias. O documento afirma que há “problemas sérios e reiterados de assédio sexual e moral perpetrados por docentes”.

A maioria dos episódios aconteceu nas dependências da instituição, mas também houve relatos de assédio online. Várias estudantes afirmam ter sido abordadas com mensagens impróprias por um professor nas redes sociais.

Os relatos tiveram grande repercussão em Portugal, já que a faculdade formou nomes de peso na vida política local. O primeiro-ministro, António Costa, estudou na instituição, onde foi aluno do atual presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

Em nota, a ministra da Ciência e do Ensino Superior, Elvira Fortunato, classificou os relatos como preocupantes e reforçou a disposição em averiguar as denúncias. A Universidade de Lisboa é uma instituição pública. “Instituições de ensino superior são espaços de liberdade e de promoção dos valores de igualdade e respeito, sem qualquer tipo de discriminação em razão de gênero, orientação sexual, nacionalidade ou outra, e não devem ser coniventes com situações que violem esses princípios”, disse.

Associações de estudantes, incluindo o Movimento Contra o Assédio Sexual no Meio Acadêmico, convocaram uma manifestação para esta quinta (7), em frente à reitoria.

O canal de comunicação para o recebimento das queixas foi aberto pela faculdade, após relatos de assédio que chegaram ao conselho pedagógico. A instituição criou uma página e disponibilizou um endereço de email para receber as queixas; entre 14 e 25 de março, chegaram 70 denúncias, das quais 50 foram validadas.

Os relatos foram descritos de forma anônima no relatório, mas sabe-se que as vítimas dos episódios de xenofobia e racismo por parte dos professores incluem estudantes brasileiros e africanos.

Em abril de 2019, a faculdade já esteve no centro de uma polêmica com xenofobia contra brasileiros, ainda que envolvendo uma associação acadêmica. Na ocasião, um coletivo satírico colocou, no hall de entrada da faculdade, uma caixa com pedras junto à placa “Grátis para atirar em um zuca [jeito pejorativo para designar brasileiro]”.

O episódio desencadeou protestos da comunidade brasileira, que relatou casos em várias universidades lusas. Brasileiros são a principal nacionalidade entre estudantes estrangeiros em Portugal, que desde 2014 passou a facilitar a matrícula de alunos de outros países –51 instituições aceitam o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) como forma de ingresso.

Representante do coletivo Estudantes Internacionais em Portugal, Carol Napolitano diz que as situações reveladas pelas denúncias na Faculdade de Direito não surpreendem, sobretudo em relação aos alunos estrangeiros. A associação tem reunido, por iniciativa própria, depoimentos de situações de assédio e de condutas inadequadas em universidades.

“A maior parte dos relatos que recebemos estão relacionados à xenofobia, como o preconceito linguístico e a discriminação. São professores que não aceitam trabalhos e provas escritas com o português usado no Brasil ou que fazem piada das expressões”, diz.

Segundo ela, muitos alunos acabam desistindo das queixas por temerem retaliações. “Muitas universidades também não deixam claro os canais de denúncia e procedimentos para tratá-las, então o medo da exposição ou perseguição só aumenta. Estudantes internacionais se sentem vulneráveis e desamparados.”

Aluna da Universidade de Lisboa, no curso de arquitetura, a mineira Bárbara Magalhães diz já ter desistido de prestar uma queixa contra um professor por causa da falta de apoio da instituição. Ao procurar informações no site da faculdade, conta ter encontrado poucas orientações sobre como proceder concretamente em episódios envolvendo docentes.

“A conversa sobre assédio e discriminação ainda precisa acontecer com mais seriedade, e é preciso haver mais conscientização dos professores. Conversando com colegas, notei que é algo muito enraizado, muitos nem devem se dar conta que estejam praticando assédio moral”, afirma.

Procuradas, a Universidade de Lisboa e a Faculdade de Direito não responderam à reportagem até a publicação deste texto. Na terça (5), a faculdade anunciou a criação de um gabinete de apoio e aconselhamento jurídico para vítimas de assédio e discriminação.

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