Férias e fome: o lado perverso do período escolar em Goiânia para crianças que convivem com insegurança alimentar

Programas de transferência de renda não alcançam menores nessa situação e não há previsão de distribuição da merenda como ocorreu no auge da pandemia

Emilly Viana Emilly Viana -
Estudantes se alimentam com merenda escolar. (Foto: Reprodução / MPF)

As férias escolares, quando muitos alunos deixam de ter o acesso diário à merenda, podem contribuir, e muito, com a falta de comida no prato de muitos goianos. Isso porque, para uma parcela dos estudantes, os alimentos fornecidos nas instituições de ensino compõem a principal refeição do dia.

Embora não haja estudos que indiquem o tamanho da insegurança alimentar específica no período, alguns indicadores atestam a evolução da pobreza no estado e como ela recai sobre as crianças e familiares. Segundos os últimos dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a cada 100 goianos, 24 vivem com até R$ 450,00 por mês. Ao mesmo tempo, o preço da cesta básica em Goiânia neste mês ficou em R$ 591,27.

De acordo com a FGV, Goiás também está no quinto lugar dos estados que mais cresceram em pobreza. O período pesquisado é entre novembro de 2019 e janeiro de 2021.

Desempregada há um ano e meio, Claudiana Neres teme pela alimentação dos três filhos durantes as férias. Moradora da Comunidade Eucalipto, na região leste de Goiânia, ela conta que a única renda obtida para as despesas das cinco pessoas na residência vem do trabalho do marido, empregado da construção civil.

“É muito difícil. Quando eles estão na escola e na creche, a gente confia que o alimento vai ser servido. Em casa eu não tenho essa certeza, dependo de cestas básicas de conhecidos e ONGs”, conta.

A realidade é a mesma para várias famílias da região. “Conheço casos ainda piores. Tem uma vizinha que mora em uma residência com outras nove pessoas, muitas crianças para alimentar. Aí com tudo mundo dentro de casa, a fome aperta”, revela.

O líder comunitário Miguel Veloso, que acompanha famílias vulneráveis de bairros da região sudoeste da capital, aponta que, para as crianças, é nos períodos sem aulas que a fome, uma ameaça ao longo de todo ano, se torna uma realidade ainda mais difícil. “Muitos mandam seus filhos para a escola porque sabem que lá, além de aprender, também irão se alimentar pois o alimento em casa não é suficiente”, afirma.

Veloso chama a atenção para a importância de uma ação específica para o problema. “Esses pais até recebem algum auxílio, mas este se torna pouco quando se divide com aluguel, água e energia, além de uma boca a mais na casa quando chega esse período”, denuncia.

Poder público

Ao Portal 6, a Secretaria de Desenvolvimento Social de Goiás (Seds) argumentou que os estudantes já seriam atendidos por meio do programa ‘Mães de Goiás’. Isso porque entre os objetivos do programa está garantir segurança alimentar, oferecer qualidade de vida e assegurar a permanência das crianças nas escolas.

A iniciativa ocorre por meio de transferência de renda no valor de R$ 250 mensais. Entretanto, o atendimento é limitado exatamente a mulheres que tenham filhos com até seis anos de idade, ou seja, que não estão em idade escolar. Além disso, elas precisam estar inscritas no Cadastro Único do Governo Federal (CadÚnico) e na faixa da extrema pobreza.

Já a Prefeitura de Aparecida de Goiânia alegou que os Centros de Referência em Assistência Social (CRAS) e os Centros de Referência Especializado em Assistência Social (CREAS) atuam na identificação e na assistência de famílias em situação de vulnerabilidade. Quando as equipes multidisciplinares dessas unidades encontram alguma família que está passando por insegurança alimentar, informa a administração, é feita uma solicitação e entrega de cesta básica.

As prefeituras de Goiânia e de Anápolis também foram questionadas sobre as medidas estipuladas para a assistência aos estudantes vulneráveis, mas não se manifestaram até o fechamento desta edição.

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