Premiê renuncia após tentativas frustradas de salvar coalizão, e Itália terá novas eleições

Draghi apresentou sua demissão um dia após perder o apoio de três partidos

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Premiê renuncia após tentativas frustradas de salvar coalizão, e Itália terá novas eleições (Foto: Reprodução)

MICHELE OLIVEIRA
MILÃO, ITÁLIA (FOLHAPRESS) – Uma agitação política que vinha sendo cozinhada por meses na Itália ganhou espessura com a crise econômica intensificada pelos efeitos da Guerra da Ucrânia e entrou em ebulição total devido à proximidade das eleições legislativas, antes previstas para o primeiro semestre de 2023.

O resultado desse caldeirão é o fim do governo de Mario Draghi, o ex-banqueiro que assumiu como premiê de um governo de união nacional para tirar o país da emergência da Covid. Outra consequência, nos próximos meses, pode ser a chegada ao poder de uma aliança de direita liderada pelo partido Irmãos da Itália, nacionalista, eurocético, contra o “lobby LGBTQIA+”, a “violência islamista” e a “imigração de massa”.

Um dia após perder o apoio de três partidos, Draghi reapresentou sua demissão, nesta quinta (21), ao presidente Sergio Mattarella, que o deixou encarregado de seguir à frente do Executivo até a formação de um novo governo. O Parlamento foi dissolvido, e as eleições foram antecipadas para 25 de setembro.

Enquanto as formalidades que envolvem o processo de encerramento da atual legislatura se desenrolavam ao longo do dia, os partidos italianos passaram as últimas horas trocando acusações pela responsabilidade da queda do governo -foi dada a largada para a campanha eleitoral.

A turbulência política havia se intensificado nos últimos meses, tendo como primeiro protagonista o partido populista Movimento 5 Estrelas (M5S), parte da ampla coalizão de apoio a Draghi no Parlamento. Abalado por divisões internas e pela perda de popularidade, após ter sido o mais votado há quatro anos, a legenda liderada pelo ex-premiê Giuseppe Conte passou a entrar em atrito com o primeiro-ministro por assuntos diversos, desde o envio de armas à Ucrânia até políticas de combate à pobreza.

Na semana passada, o M5S optou por não dar o voto de confiança atrelado à votação de um decreto com medidas para aliviar o aumento nos preços da energia para empresas e famílias.

A movimentação de Conte foi motivada, segundo analistas, pela proximidade das urnas. “Para não desaparecer, Conte quis focar temas importantes para seu eleitorado e para os membros do partido, o que é normal em uma coalizão parlamentar ampla. Quanto mais próximas as eleições, mais disputas surgem”, afirma Daniele Albertazzi, professor de política da Universidade de Surrey, no Reino Unido.

Mas, se a intenção de Conte era forçar o contraste com as demais correntes políticas ou mesmo partir para a oposição -que, nos últimos 17 meses, foi liderada por um único partido, o ultradireitista Irmãos da Itália, de Giorgia Meloni-, os cálculos deram errado. Draghi, em um movimento drástico, apresentou o primeiro pedido de demissão no dia 14, após considerar que o governo de união nacional não existia mais.

O pedido foi recusado por Mattarella, que indicou ao premiê que tentasse recompor a base no Parlamento. Mas, de forma inesperada, a Liga, de Matteo Salvini, de direita nacionalista, e o Força, Itália, de Silvio Berlusconi, de centro-direita, juntaram-se ao M5S e boicotaram o voto de confiança no governo, tirando as condições para sua continuidade. “A Liga aproveitou a oportunidade porque, para eles, é uma boa ideia haver uma eleição agora. Seis meses em política é muito tempo”, diz Albertazzi.

Também Draghi teve participação no fim antecipado de seu governo. Nos últimos meses, os atritos com os partidos aumentaram com a piora das condições econômicas, sem que o premiê fizesse concessões à esquerda e à direita. Não acenou aos pedidos de Conte, que entregou uma lista de nove pontos para continuar como parte da coalizão, como a criação de um salário mínimo para trabalhadores. E, por fim, apresentou o pedido de demissão, sem prever a reação de Salvini e Berlusconi. “Ele jogou mal. O trabalho de um premiê é mediar e ouvir, e ele acreditou que poderia ter um comportamento diferente.”

A Itália mergulha agora em um período de múltiplas incertezas. As primeiras são de ordem econômica, com possíveis efeitos sobre o plano de recuperação da pandemia. Para permitir o acesso aos fundos que somam cerca de € 200 bilhões (R$ 1,1 trilhão), a União Europeia exige a realização de uma série de reformas, com a liberação do dinheiro condicionada ao cumprimento de metas.

“Será necessário negociar para alcançar os objetivos em um prazo maior, alongado em três ou quatro meses, porque a eleição e a formação de um novo governo vão levar tempo”, afirma Lorenzo Castellani, professor de ciências políticas da Universidade Luiss de Roma. O mesmo atraso pode afetar a aprovação da Lei Orçamentária, que deveria ser aprovada até o fim de dezembro.

A saída de Draghi e a antecipação das eleições, com uma campanha eleitoral curta e realizada no auge do verão, durante o período de férias, também abriram espaço para instabilidades de ordem política.

Segundo as últimas pesquisas, o partido mais bem colocado hoje é o Irmãos da Itália, com 22,4%. Logo depois vem o Partido Democrático, de centro-esquerda, com 21,7%, seguido por Liga (14,6%) e M5S (11,2%).

Para as urnas, o mais provável é que Meloni, Salvini e Berlusconi formem uma aliança de direita, com o Irmãos da Itália tendo chances de sair como o mais votado. “Meloni, como líder do partido mais votado da coalizão, pode se tornar primeira-ministra. É uma probabilidade bem alta”, avalia Castellani.

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