Protestos no Irã contra repressão a mulheres acumulam mortes e centenas de presos

Jovem tinha sido detida pela polícia na terça sob argumento de que deveria ser "convencida e educada", mas saiu da prisão diretamente para o hospital

Folhapress Folhapress -
Protestos contra a morte de uma jovem presa por não usar o véu islâmico no Irã (Foto: Reprodução/ Youtube)

Os protestos contra a morte de uma jovem presa por não usar o véu islâmico no Irã entraram no quinto dia com manifestações espalhadas por 15 cidades, um saldo de ao menos seis mortos confirmados oficialmente e cerca de 500 presos, segundo ONGs de direitos humanos, e o aumento da pressão internacional para que a República Islâmica investigue o ocorrido e respeite as liberdades das mulheres. Também houve de relatos de interrupção do sinal de internet e do funcionamento do Instagram.

A morte na semana passada de Mahsa Amini, de 22 anos, após ter sido presa pela polícia moral em Teerã por usar “trajes inadequados”, despertou a ira de milhares de pessoas, descontentes com restrições às liberdades e com a economia em crise.

A jovem tinha sido detida pela polícia na terça sob argumento de que deveria ser “convencida e educada”, mas saiu da prisão diretamente para o hospital, onde morreu três dias depois, na sexta.

Os protestos começaram no sábado no funeral de Amini na província iraniana do Curdistão, onde ela vivia, e chegaram a 15 cidades nesta quarta-feira (21), segundo a imprensa estatal.

Os manifestantes bloquearam ruas, atiraram pedras contra as forças de segurança e incendiaram viaturas policiais e latas de lixo, enquanto gritavam frases contra o governo. A polícia usou gás lacrimogêneo e prendeu pessoas, segundo a agência estatal IRNA. Muitas iranianas retiraram o véu como forma de protesto.

Há versões conflitantes sobre o número de pessoas que morreram nos confrontos entre manifestantes e forças de segurança. ONGs de direitos humanos falam em ao menos oito mortes. Até agora, seis foram confirmadas por autoridades –três teriam ocorrido nesta quarta, sendo que uma das vítimas seria um membro das forças de segurança.

Membros do governo têm atribuído algumas dessas mortes a grupos terroristas e a “agentes contrarrevolucionários”.
O grupo de direitos humanos Hengaw também afirma que cerca de 450 pessoas ficaram feridas e quase 500 foram presas, números que não puderam ser verificados de forma independente.

O Hengaw também disse que o acesso à internet foi cortado na província do Curdistão -uma medida que impediria o compartilhamento de vídeos de uma região onde as autoridades já reprimiram a agitação da minoria curda.

Nesta quarta, o observatório NetBlocks disse que o governo iraniano restringiu o acesso ao Instagram.

Mais cedo, meios de comunicação oficiais noticiaram que o ministro das Comunicações do país havia dito que os serviços de internet poderiam ser interrompidos por razões de segurança. Ele depois voltou atrás e disse que foi mal interpretado.
O líder supremo iraniano, aiatolá Ali Khamenei, não mencionou os protestos durante um discurso nesta quarta-feira comemorando a guerra Irã-Iraque de 1980-88.

Um importante assessor de Khamenei prestou condolências à família de Amini nesta semana, prometendo acompanhar o caso e dizendo que o líder ficou magoado com sua morte.

Em seu discurso na Assembleia-Geral da ONU nesta quarta-feira, o presidente iraniano, Ebrahim Raisi, acusou o Ocidente de ter “dois pesos e duas medidas” em relação aos direitos das mulheres. “Há dois pesos e duas medidas, com a atenção apenas em um lado, e não em todos”, declarou Raisi, referindo-se às mortes de mulheres de povos indígenas no Canadá e às ações israelenses nos territórios palestinos.

Pressão internacional Após o ocorrido, os Estados Unidos afirmaram, por meio de um porta-voz da Casa Branca, que deve haver responsabilização pela morte da jovem, que classificaram de “terrível e escandalosa”. Disseram ainda que o Irã deve cessar o uso de violência contra mulheres por exercerem suas liberdades fundamentais, e que elas devem poder se vestir da maneira que quiserem.

Nesta quarta, o ministro das Relações Exteriores britânico, Tariq Ahmad, declarou que o Reino Unido está extremamente preocupado com o que ocorreu com Amini e pediu ao governo iraniano que investigue as circunstâncias de sua morte “com rigor e transparência e responsabilize qualquer responsável”. “Pedimos ao Irã que respeite o direito de reunião pacífica, exerça contenção e liberte manifestantes detidos injustamente”, afirmou Ahmad.

Policiais negam que Amini tenha sido agredida, alegando que ela sofreu um ataque cardíaco. Ativistas afirmam, porém, que a abordagem das autoridades em casos do tipo tem sido violenta, muitas vezes com o espancamento dessas mulheres.

Ao site Iran Wire, o irmão de Amini, Kiarash, relatou que estava com ela no momento da detenção. A família visitava a capital, Teerã, no dia. Quando questionou os policiais, ele teria ouvido que a irmã ficaria apenas uma hora na delegacia.

Ele, então, foi ao local, onde afirma ter se deparado com outras dezenas de mulheres detidas por razões semelhantes.

Kiarash disse que a família buscará a Justiça para que uma investigação seja feita. O pai da jovem responsabilizou a polícia por sua morte em entrevista ao site de notícias Emtedad. Ele afirmou que sua filha não tinha problemas de saúde e acrescentou que ela sofreu contusões nas pernas.

Além de Teerã, outras cidades que registraram manifestações nesta quarta foram Mashhad (nordeste), Tabriz (noroeste), Rasht (norte), Isfahan (centro) e Shiraz (sul), informou a agência IRNA.

‘Detenção moral’ No Irã, após a Revolução de 1979, que abriu espaço para um regime teocrático, a lei passou a afirmar que mulheres são obrigadas a cobrir o cabelo com véu e a usar roupas largas para encobrir o formato de seus corpos.

Aquelas que descumprem a norma enfrentam repreensões públicas, multas e mesmo a prisão.

A lei nunca deixou de ser questionada, apesar da repressão. Ao longo dos últimos meses, ativistas de direitos humanos têm influenciado mulheres a retirarem o véu publicamente em protesto contra o código de vestimenta, o que desagrada a governantes e agentes de segurança, que afirmam que o ato configura um comportamento imoral.

No início deste mês, duas ativistas iranianas lésbicas foram condenadas à morte por “promover a homossexualidade”.

Elas também foram acusadas de promover a religião cristã e de terem contatado um veículo da mídia que faz oposição ao governo.

Nas redes sociais, iranianos têm expressado repúdio à existência da prática conhecida como “detenção moral”, perpetrada pelas chamadas patrulhas de orientação. Alguns vídeos compartilhados mostram policiais detendo mulheres, arrastando-as no chão e levando-as a força.

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