Guerra da Ucrânia tira Rússia de feira militar no Brasil

Circunstâncias da ausência variam de versão em versão, dado a opacidade usual no meio militar: ninguém confirma exatamente o que aconteceu

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Estande da estatal Edge Group, dos Emirados Árabes, na LAAD-2023 Estande da estatal Edge Group, dos Emirados Árabes, na LAAD-2023 – Igor Gielow/Folhapress

IGOR GIELOW

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – A Rússia, segunda maior vendedora de armas no mundo até o início da Guerra da Ucrânia, desapareceu da mais tradicional feira militar da América Latina, a LAAD –encerrada na sexta (14) no Riocentro, zona oeste da capital fluminense.

O motivo foi justamente o conflito iniciado por Vladimir Putin em fevereiro do ano passado, mas as circunstâncias da ausência variam de versão em versão, dado a opacidade usual no meio militar: ninguém confirma exatamente o que aconteceu.

A Rússia sempre foi estrela na LAAD, que chegou à sua 13ª edição neste ano com 364 empresas de 44 países expositores. O país sempre foi representado pela Rosoboronexport, a estatal que promove a venda de produtos de defesa.

Até 2017, o estande russo sempre foi concorrido, tanto por interessados em negócios quanto pelo público geral, ávido por fotografias das maquetes de poderosos caças Sukhoi. Em 2019, o acirramento da crise entre EUA e Venezuela, principal parceira de Moscou na América Latina, levou a uma presença um pouco mais discreta.

Na semana passada, tudo o que se via da Rússia no Riocentro era um minúsculo estande vazio atribuído a uma certa United Industrial Publisher, editora conhecida nos meios militares em Moscou por fazer publicações de baixa qualidade a pedido de empresas.

Ninguém apareceu, e o local virou ponto de encontro de trabalhadores da feira. “Disseram que a gente podia descansar aqui”, disse um funcionário do Riocentro que se identificou como José. Ele e outros colegas se revezavam no local, que tinha cadeiras e uma mesinha usada para apoiar uma garrafa de Coca-Cola.

Havia uma segunda presença russa, mais furtiva contudo: uma comitiva de cinco integrantes da Rosoboronexport e diplomatas. Eles não quiseram falar com a reportagem, e circularam por alguns estandes.

Segundo uma pessoa com acesso ao grupo, eles se queixaram de que a organização vetou a presença russa para não melindrar os grandes expositores ocidentais presentes. A Suécia, que por causa da guerra busca entrar na Otan (aliança militar ocidental), tinha o sempre popular estande da fabricante do caça vendido ao Brasil Gripen, a Saab, além de outras empresas e um ponto institucional do país.

A LAAD não quis comentar o caso. Segundo pessoas próximas da organização da feira, a falta de convite aos russos ocorreu, mas por alinhamento a orientações de Brasília, sugerindo um veto que não combina com a política pró-Rússia de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que voltou a dizer que a Ucrânia tem culpa também pela guerra e nesta segunda (17) recebe o chanceler de Putin, Serguei Lavrov.

O Itamaraty e o Ministério da Defesa dizem desconhecer tal veto. Uma explicação mais plausível vem de integrantes do governo russo em Moscou, de forma reservada: o convite não veio, mas a Rosoboronexport já havia decidido não comparecer à LAAD para evitar marola política.

A promotora de exportação preferiu concentrar esforços na Sitdef, feira militar que ocorrerá no Peru no fim de maio. A escolha tem lógica: o país andino é um antigo cliente de armas russas, operando até caças MiG-29 que agora deverão ser substituídos. É um ambiente mais confortável, por assim dizer, ainda que haja empresas ocidentais expondo.

A presença militar russa no Brasil é limitada. O país desativou uma frota de helicópteros de ataque Mi-35 que havia comprado na década passada e hoje só opera lançadores de mísseis terra-ar portáteis Igla-S. Ao longo dos anos, Moscou buscou incrementar esse comércio, ofertando por exemplo os caças Sukhoi-35 e sistemas antiaéreos Pantsir, sem sucesso.

As condições geopolíticas se refletiram em outros aspectos da LAAD, como a abertura de novas oportunidades para a brasileira Embraer na Otan mostrou. A Turquia, que sempre tinha uma pegada discreta no evento, surgiu forte com um grande pavilhão com 26 empresas, vendendo desde seus celebrados drones a tecido de camuflagem para uniformes.

Nessas feiras, não são fechados negócios, mas sim iniciadas conversas. Outro país que chamou a atenção foi a Índia, com um grande estande, que trazia indiretamente a presença da Rússia na forma do míssil russo-indiano Brahmos, aliás exibido em maquete com um de seus vetores de lançamento, o caça Sukhoi-30MKI –modelo de Moscou que é produzido sob licença por Nova Déli.

Os Emirados Árabes Unidos nunca haviam exposto com destaque na feira, e estrearam um pavilhão de seu Edge Group, conglomerado de 25 empresas de defesa que chegou agora ao Brasil, chamando para ser seu diretor local o ex-secretário de Produtos de Defesa no governo de Jair Bolsonaro (PL), Marcos Degaut.

O grupo está negociando parcerias com diversas empresas brasileiras, tendo assinado memorando de entendimento para novos projetos com empresas como a Condor, uma das líderes mundiais em armamentos não-letais, e a aeroespacial Akaer. Também firmou uma parceria para explorar o desenvolvimento de mísseis para a Marinha.

“Firmar alianças estratégicas com atores globais é um pilar fundamental da estratégia do Edge”, disse o diretor-geral do grupo, Mansour Almulla. Não por acaso, Lula fez uma parada rápida nos Emirados Árabes Unidos na volta de sua viagem da China, dando continuidade à aproximação capitaneada por Bolsonaro.

O novo diretor brasileiro do Edge, Degaut, era um interlocutor constante com os emiratis e o grupo. Ele chegou a ser indicado a embaixador nos Emirados por Bolsonaro, mas o Senado barrou seu caminho até que ele renunciou à postulação. Ele negou haver conflito de interesses em seu novo posto, até porque cumpriu a quarentena legal depois de deixar o governo, em agosto.

A presença dos maiores vendedores de armas no planeta, os EUA, foi discreta como nos anos anteriores. Estandes pequenos, mas bastante frequentados por oficiais das três Forças e militares de outros países presentes –havia nada menos que 190 delegações na feira.
Em compensação, a rival geopolítica China (quarta maior exportadora do mundo) estava com um estande grande e chamativo da estatal Norinco, inversamente proporcional à disposição de seus representantes a falar com a imprensa.

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