Casal da Venezuela relata mortes em floresta e travessias noturnas em viagem de meses aos EUA

Gustavo, 25, e Michele, 22, cruzaram a fronteira no último domingo (7) e se somaram assim às centenas de milhares de imigrantes que chegaram ao país

Folhapress Folhapress -
Imigrantes nos Estados Unidos. (Foto: Agência Brasil)

THIAGO AMÂNCIO

EL PASO, TEXAS, EUA (FOLHAPRESS) – Na calçada de uma igreja no centro de El Paso, cidade do Texas na fronteira entre os Estados Unidos e o México, o casal de venezuelanos Gustavo e Michele García procuram uma maneira de receber dinheiro.

Alguém com uma conta bancária para quem a família possa mandar os US$ 180 (R$ 900) que precisam para comprar uma passagem para Denver, no Colorado, e de lá encontrar um jeito de chegar a Chicago, onde finalmente encerrarão a viagem que começou quase quatro meses antes a um hemisfério dali.

Gustavo, 25, e Michele, 22, cruzaram a fronteira no último domingo (7) e se somaram assim às centenas de milhares de imigrantes que chegaram ao país através do México neste ano. A situação na região se tornou uma das maiores crises para o governo de Joe Biden, com eleitores e governadores republicanos pressionando a administração federal para controlar o fluxo. Só no ano passado, 2,6 milhões de pessoas foram flagradas atravessando para os EUA de maneira irregular pelo México.

O casal García já havia deixado a Venezuela quatro anos atrás, fugindo da crise econômica e humanitária do país, e vivia em Lima, no Peru, onde ele trabalhava como entregador, e ela, como garçonete. Mas, por dois motivos, resolveram novamente mudar de país. Primeiro pela situação econômica, com aumento do custo de vida e falta de auxílio na pandemia. “Segundo, o Peru virou um país muito xenofóbico em relação aos venezuelanos.” Agências de apoio contabilizam no Peru cerca de 1,5 milhão de venezuelanos.

Juntaram cerca de US$ 2.000 (R$ 10 mil) para tentar cruzar o continente (mas estimam que no total gastaram mais de US$ 4.000, com ajuda da família e trabalhando no meio do caminho), e em 25 de janeiro entraram em um ônibus em Lima em direção à fronteira com o Equador, perto da cidade de Tumbes.

Como o Equador exige visto de venezuelanos, o casal fez ali sua primeira travessia ilegal: um táxi os levou até metade da ponte que divide os dois países, e outro os pegou no meio do caminho. De lá, outro ônibus até a fronteira com a Colômbia, e dali a Medellin e à cidade de Necocli.

Necocli é a porta de entrada do ponto mais sensível da viagem, a Região de Darién, a floresta que separa a Colômbia e o Panamá, considerada uma das mais perigosas do mundo. A ligação por terra da América Central à América do Sul é de mata fechada, com trilhas difíceis, sem sinal de celular, sem presença de polícia, sujeita a intempéries e a ações de grupos criminosos.

“Você chega na floresta, começa a caminhar e vai vendo que as pessoas vão ficando, vão ficando… Acaba a comida, são picados por uma cobra, se afogam no rio que sobe de repente, cruzam guerrilhas. Perdemos alguns amigos em um acidente e vimos morrer uma criança de oito anos”, relata Gustavo.

“É a pior parte da viagem. Você vê corpos pelo caminho e o pior é quando percebe que nem todos morreram por acidente”, afirma o venezuelano.

Jovens e com saúde, Gustavo e Michele conseguiram cruzar a floresta em três dias, acampando pelo caminho. Grupos mais lentos, com idosos e crianças, podem levar até uma semana. Tamanho é o perigo da travessia que do outro lado da mata, já no Panamá, há acampamentos de organizações humanitárias para prestar auxílio aos viajantes.

Seguindo viagem de ônibus, o casal não foi parado do Panamá à Costa Rica, mas precisou entrar na Nicarágua à noite, cruzando outra zona de mata. Em Honduras, viajantes conseguem uma autorização para cruzar o país de maneira legal, mas chegar na Guatemala foi outra dor de cabeça, relata o casal.

“Lá, sim, os policiais pedem dinheiro. Como somos venezuelanos, sabem que temos pouco. Lá você encontra gente de todo lugar, árabes, moçambicanos, haitianos, muitos chineses tentando ir para os Estados Unidos. A polícia pega o que a pessoa tiver”, afirma Gustavo.

A chegada ao México, que pode parecer um alívio já que o destino final está próximo, gera mais problemas. “É diferente porque te roubam e você precisa ficar fugindo da imigração. Você vai, volta, vê aonde pode ir. Eles param ônibus para procurar imigrantes, então não se pode pegar ônibus direto cruzando o país; precisa ir parando aos poucos, de cidade em cidade, e ir fazendo os cálculos: Vai pelo ônibus, onde podem te deportar, ou dá uma volta, pela montanha, onde podem te roubar?”, diz Gustavo.

A travessia longa, feita em curtas viagens de ônibus e no “la bestia” (a fera), trem de carga pelo qual imigrantes viajam pegando carona e arriscando suas vidas, os levou finalmente a Ciudad Juárez, na fronteira com El Paso. Só que o casal chegou bem na época em que um centro de detenção de imigrantes foi incendiado e deixou 40 mortos –inclusive um venezuelano conhecido deles– em março.

Tensos com a situação, decidiram ir mais além, até Tijuana, na fronteira com a Califórnia, onde Gustavo tem uma prima. Mas não conseguiram atravessar para os EUA e decidiram voltar a Ciudad Juárez.

No último sábado (6), caminharam cerca de 15 quilômetros até um lugar onde parecia ser possível cruzar o Rio Grande e entrar em território americano. “Queríamos atravessar à noite, mas a patrulha de fronteira percebeu e ficou a noite toda no local”. Ficaram escondidos até de manhã, quando cruzaram o rio e entraram por um buraco em uma cerca que separa os dois países. Um Uber esperava na rodovia e os levou até uma igreja no centro de El Paso, onde imigrantes esperam uma definição de seus destinos.

Dois dias depois, decidiram se entregar para as autoridades americanas pedindo asilo. Conseguiram marcar uma audiência com um juiz para apresentar o pleito, mas só daqui a dois anos. Até lá, estão livres para circular pelos Estados Unidos –e agora o plano é chegar a Chicago.

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