CPI do MST acaba após 130 dias, com viagens e sem votação de relatório

Sessão de terça acabou cancelada, mas presidente da comissão chegou a dizer que o prazo da comissão seria prorrogado

Folhapress Folhapress -
Texto foi votado em sessão extraordinária. (Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados)

JOÃO GABRIEL
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A expectativa pela sobrevida para a CPI do MST foi frustrada na manhã desta quarta-feira (27), com a não publicação no Diário Oficial da Câmara da prorrogação do seu prazo para que o relatório do deputado Ricardo Salles (PL-SP) fosse votado.

O documento foi apresentado por Salles na última quinta-feira (21). Em seus anexos, trazia projetos de lei para enquadrar movimentos sociais como terrorismo e resgatava um projeto do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), quando deputado, que flexibiliza o porte de armas para proprietários rurais.

Na sessão da leitura do texto, na quinta, foi feito um pedido de vista (mais tempo para análise). Com isso, a votação só poderia acontecer após duas sessões deliberativas do plenário, conforme o regimento da Câmara.

Por isso, uma sessão da CPI foi marcada para esta terça (26), que era também a data-limite do prazo dos trabalhos do grupo —duração que já havia sido prorrogada uma vez.

Como o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), não marcou nenhuma sessão deliberativa após o pedido de vista, não foi cumprido o prazo de duas sessões deliberativas para que o relatório pudesse ser votado.

A sessão desta terça acabou cancelada, mas o presidente da comissão, Coronel Zucco (Republicanos-ES), chegou a dizer a interlocutores que o prazo da comissão seria prorrogado até quinta-feira (28). No entanto, nada sobre isso foi publicado por Lira até a manhã desta quarta.

Reservadamente, parlamentares de oposição reclamam da postura do presidente da Câmara, mas admitem que não há mais como prorrogar o prazo da CPI. Já a base do governo especula que pode ser publicada uma edição extra do Diário Oficial e avalia como contestar uma possível decisão de ampliação da data final do grupo.

A CPI foi instalada em 17 de maio em uma sessão marcada por ataques ao movimento e pela troca de acusações entre parlamentares ruralistas e governistas. Nesse período, integrantes da comissão viajaram ao interior de São Paulo e ao sul da Bahia.

A primeira diligência dos membros da CPI foi realizada em 29 de maio na região do Pontal do Paranapanema, oeste de São Paulo, com visitas a acampamentos que não pertencem ao MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Na ocasião, uma comitiva formada por oito deputados federais visitou áreas que foram invadidas no início do ano pela FNL (Frente Nacional de Luta Campo e Cidade).

Desde a leitura do relatório, oposição e base do governo Lula (PT) vinham disputando votos para aprovar ou reprovar o texto. Na contagem dos opositores, o placar seria de 14 a 12 pela aprovação. Na contagem da base, o placar seria o mesmo, mas contra.

Enquanto a oposição argumentava que a retirada do deputado Valmir Assunção (PT-BA) da lista dos indiciados garantiria os votos necessários para validar o texto, os governistas diziam que apenas isso não tinha sido suficiente para conseguir o apoio da maioria, uma vez que o documento ainda fazia acusações contra o parlamentar.

O trabalho da CPI começou com ampla maioria de oposição ao governo petista. A base de Lula, no entanto, conseguiu articular para diminuir a desvantagem, chegou a reverter a correlação de forças em determinado momento e acabou conseguindo blindar ministros e parlamentares.

O ministro Rui Costa (Casa Civil), por exemplo, um dos alvos de Salles e do presidente de Zucco, não chegou a ser ouvido.

Em seu relatório, Salles fazia críticas ao MST e ao Incra, defendia as políticas de titulação do governo Bolsonaro e criticava a gestão Lula, afirmando que não há necessidade de reforma agrária no país.

Como mostrou a Folha, o governo Bolsonaro entregou a gestão da reforma agrária para a bancada ruralista e intensificou uma guinada iniciada pelo antecessor, Michel Temer (MDB).

A ampliação do estrangulamento orçamentário —de uma média anual de R$ 4,8 bilhões de verbas discricionárias nas gestões Lula para R$ 614 milhões sob Bolsonaro— praticamente zerou as desapropriações de terras e os assentamentos de famílias, transferindo o foco para a entrega de títulos de propriedade, a maioria provisórios, a antigos beneficiários.

Aliados do antigo governo e ruralistas usam os dados de titulação de terra, mais de 340 mil entregas desde 2019, para defender que foi promovida uma libertação dos pequenos agricultores do jugo do MST. Este mesmo argumento foi usado por Salles durante a CPI.

No total, o relatório pedia o indiciamento de 11 pessoas, incluindo membros de movimentos sociais, como José Rainha, e o ex-ministro Gonçalves Dias.

O projeto de lei de Bolsonaro, anexado como uma proposta legislativa, acrescentava uma série de categorias àquelas com porte de arma permitido pelo estatuto do desarmamento. Dentre elas, “residentes em área rural, dentro dos limites de sua propriedade”.

A proposta também previa que porte de arma de fogo “para pessoas que justificarem a necessidade para sua segurança pessoal ou de seu patrimônio”.

“O direito de propriedade é sagrado e deve ser respeitado”, disse o relatório de Salles, que acusa o MST e aliados de terem ligações com facções criminosas, como as Farc, e governos de esquerda, como Cuba, China e Venezuela.

O relatório ainda acusava o movimento de crimes como trabalho escravo e invasões de terra. “Há intensa doutrinação ideológica marxista sobre adultos e crianças.”

Durante os trabalhos da CPI, a base do governo Lula chegou a preparar um relatório paralelo, caso não fosse possível amenizar o documento elaborado por Salles por meio das negociações políticas.

No andar da reforma ministerial, no entanto, os deputados governistas conseguiram amenizar a composição da CPI a seu favor, evitar a convocação do ministro Rui Costa e abaixar o tom do texto final —que, enfim, não deve ser votado.

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