Incerteza marca disputa de Biden e Trump a seis meses da eleição

Interesse na corrida entre americanos é o mais baixo em quase 20 anos, segundo pesquisa da NBC

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Ex-presidente Donald Trump (esquerda) tenta retornar ao comando do país governado por Joe Biden (direita). (Foto: Reprodução)

WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – Joe Biden está, ao mesmo tempo, 11 pontos à frente de Donald Trump e 18 pontos atrás. A seis meses do pleito, o roteiro da eleição americana poderia ser um filme sobre um multiverso porque quase tudo é possível e porque o público está exausto da fórmula.

O interesse na corrida entre americanos é o mais baixo em quase 20 anos, segundo pesquisa da NBC. São 64% os que se dizem muito envolvidos, queda de 13 pontos percentuais em relação a 2020. Em um país onde o voto não é obrigatório, essa indiferença é o problema central para ambas as campanhas neste momento.

Se considerados apenas aqueles que votaram nos pleitos de 2018, 2020 e 2022, por exemplo, é aí que o democrata está 11 pontos à frente, segundo levantamento do Centro Nacional de Pesquisa de Opinião (Norc, na sigla em inglês). De modo inverso, Trump tem dianteira de 18 pontos entre quem poderia, mas não participou de nenhum dos pleitos.

Tão importante quanto é onde essas pessoas votam. Em um eleitorado total de 161 milhões de pessoas, os próximos meses de campanha estarão voltados para os 26 milhões, ou cerca de 16%, que vivem nos seis estados onde não há fidelidade clara a nenhum partido, conhecidos como “pêndulo”: Arizona, Geórgia, Michigan, Nevada, Pensilvânia e Wisconsin.

Correndo por fora vem a Carolina do Norte. Embora os democratas não vençam no estado desde 2008, nunca estiveram tão esperançosos com uma chance de virada quanto agora.

Na média de intenção de voto nacional do agregador de pesquisas Real Clear Politics, Trump aparece numericamente à frente (46,6% a 45,1%). Se levados em conta apenas os seis (ou sete) estados realmente em disputa, o placar favorece ainda mais o republicano (47,9% a 44,7%). Essas pesquisas, no entanto, consideram o total de eleitores aptos a votar —e muitos provavelmente ficarão em casa no dia 5 de novembro.

As principais razões para o apoio maior a Trump são a insatisfação com o desempenho de Biden na economia, apesar de os números não serem exatamente ruins, e na imigração. Mesmo entre democratas, mas especialmente entre independentes, o fluxo recorde de entradas irregulares pela fronteira sul é uma preocupação.

Há, ainda, a idade de Biden, 81. Pesquisas apontam que a maioria do eleitorado não o vê como apto mentalmente e fisicamente a exercer um novo mandato, embora Trump seja apenas quatro anos mais novo.

Assim, a tarefa para o atual presidente é convencer os insatisfeitos com a coalizão que o elegeu em 2020 —especialmente jovens, negros e latinos— a aparecerem nas urnas de novo. No caso de Trump, que dispõe de uma base altamente engajada, mas minoritária, o desafio é ampliar o apoio para aqueles que simpatizam com ele, mas não costumam votar.

ANTES DE TUDO, A ECONOMIA

O maior problema de Biden é a economia. Embora a taxa de desemprego esteja abaixo de 4% há 27 meses e a renda cresce acima da inflação, a disparada de preços em seu mandato acumula alta de 19,4%.

Em um país pouco acostumado com o problema, a memória de que se pagava muito menos pelas mesmas coisas há quatro anos favorece Trump. Pesquisa encomendada pelo New York Times no início de abril mostra que 64% aprovam o desempenho do empresário na economia, enquanto 63% desaprovam o de Biden. Um novo repique vigoroso da inflação até novembro é o maior terror da campanha democrata.

Esse tema é especialmente sensível justamente para os eleitores de que o democrata mais precisa. Levantamento feito pelo Instituto de Política de Harvard mostra que a maior preocupação entre jovens é a alta dos preços e, entre negros, moradia —o acesso ao crédito imobiliário ficou ainda mais difícil com o aumento dos juros colocado em marcha para segurar a pressão inflacionária.

Para latinos, o maior problema é violência por armas de fogo —outra frente explorada por Trump e na qual Biden tem pouco a apresentar—, mas moradia, saúde e inflação vêm logo atrás.

Na visão do estrategista democrata Max Burns, a campanha precisa enfatizar menos dados e números e colocar o presidente para falar em comunidades enfatizando seus feitos de modo mais humano.

“Onde Biden sempre se saiu melhor foi contando histórias, mostrando como isso está afetando você, como você está ganhando mais dinheiro, como agora você pode pagar por coisas que antes não podia. Quer dizer, a realidade é que se você não tinha um emprego durante o governo Trump, é muito provável que tenha um agora sob o governo Biden”, diz à Folha.

VOTO E ABSTENÇÃO DE JOVENS, BRANCOS SEM DIPLOMA E LATINOS SÃO CENTRAIS

Em 2020, Biden venceu entre eleitores de até 29 anos com 61% dos votos. Neste ano, se a participação deste grupo cair dez pontos percentuais e a votação em uma terceira via —o independente Robert F. Kennedy Jr., por exemplo— crescer quatro pontos, Trump garantiria a vitória no Arizona, na Geórgia e no Wisconsin e, assim, seria eleito, mostra simulação do site FiveThirtyEight.

“Vemos republicanos e democratas brigando por coisas como dívida estudantil, a guerra em Gaza, esses protestos nos campi, quando na verdade essas questões estão entre as menos importantes para os jovens”, diz Burns.

“Os jovens se importam com moradia acessível, violência por arma de fogo, inflação e poder pagar as necessidades básicas. E essas não são realmente questões sobre as quais qualquer partido está falando com eles, porque estão focados nessas questões de guerra cultural”, afirma.

Uma dessas batalhas acontece em um front inusitado: o reino pop de Taylor Swift. De um lado, trumpistas criam teorias da conspiração envolvendo a cantora e a Casa Branca, cientes de que um apoio dela ao empresário é impossível; de outro, democratas batalham por um endosso público da estrela.

Para analistas, no entanto, o poder de Swift está menos na definição do voto, mas sim no incentivo a comparecer às urnas. No ano passado, a cantora conseguiu elevar em 35 mil o número de novos registros de eleitores em um único dia, após fazer um post sobre o tema em seu Instagram. O número é 23% maior do que o registrado no mesmo dia de 2022 e mais do que o dobro entre eleitores de 18 anos.

Trump, por sua vez, pode se beneficiar de um aumento da participação eleitoral de brancos sem diploma universitário. Se ele ampliar a vantagem nesta fatia em apenas dois pontos percentuais, Biden será derrotado. No entanto, se a margem de apoio permanecer a mesma, mas a participação de eleitores sem diploma cair cinco pontos e de brancos, outros cinco, o democrata levaria a Carolina do Norte e se reelegeria.

A divergência é maior em relação às expectativas de comportamento do eleitorado latino, o que mais se expande no país. Desde 2020, o grupo cresceu em quase 4 milhões de votos potenciais, ou 12%, segundo o Pew Research Center. Nos estados-pêndulo, o peso é maior no Arizona e em Nevada, onde são cerca de um quarto do eleitorado.

Em 2020, Biden ganhou o voto latino por uma margem de oito pontos, mas, neste ano, a vantagem no eleitorado dos estados-pêndulo está em apenas quatro pontos, segundo pesquisa Bloomberg/Morning Consult de abril.

Há várias hipóteses para a mudança, das mais pragmáticas, como inflação, às mais ideológicas, como uma tendência mais conservadora dentro desse grupo. Para Burns, no entanto, o quadro é mais complexo.

“Entre os latinos, 76% apoiam uma lei federal protegendo o direito ao aborto. Mas eles também são muito pró-Justiça criminal, querem uma polícia mais forte. Esses eleitores desafiam os estereótipos, não vão se encaixar facilmente em nenhuma categoria. Os dois partidos vão ter que trabalhar para ganhá-los, pensar em nuances do que estão dizendo e propondo”, afirma.

PLEBISCITOS NOS ESTADOS E A “CARONA REVERSA”

Em uma eleição cheia de singularidades —a primeira em mais de um século entre um incumbente e um ex-presidente, travada entre os candidatos mais velhos da história, e com os nomes mais impopulares desde que existem pesquisas de opinião—, outro fenômeno raro pode acontecer: a “carona reversa”.

Em tempos normais, a corrida presidencial, que mobiliza a atenção nacional, costuma influenciar as demais votações que ocorrem junto com ela, que “pegam carona” nesse engajamento. Ou seja, um eleitor iria às urnas para votar em Trump e, de quebra, acabaria votando nos republicanos para o governo estadual e o Congresso, e em posições defendidas pelo partido em plebiscitos.

Mas, neste ano, com a alta mobilização em torno do direito ao aborto, democratas acreditam que desta vez Biden possa se aproveitar dessa votação. O raciocínio tem como base a eleição de meio de mandato de 2022, no qual o partido de fato foi favorecido pelo tema. Até agora, plebiscitos sobre o aborto estão confirmados em três estados: Flórida, Maryland e Nova York. Destes, apenas o primeiro dá alguma esperança aos democratas, mas pequena.

Outros dez estados ainda estão considerando incluir o tema na votação em novembro, entre eles os pêndulos Arizona, Nevada e Pensilvânia.

Um precedente desse efeito apontado por analistas é a eleição de George W. Bush em 2004, quando os republicanos aproveitaram a oposição em vários estados ao casamento homoafetivo para impulsionar seu candidato em paralelo a plebiscitos sobre o tema.

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