Silveira defende mudança em regras de transporte e distribuição de gás
Diagnóstico é que o modelo voltado ao gás no país, com monopólio da distribuição em cada estado, gera pouco ou nenhum incentivo para redução de preços


FÁBIO PUPO
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, defende mudanças nas regras de transporte e distribuição de gás natural no Brasil, por entender que o atual modelo é desequilibrado e inviabiliza o uso do insumo. Uma das saídas desejadas é flexibilizar normas para incentivar a concorrência, o que mexe com diferentes interesses empresariais no setor.
O diagnóstico é que o modelo voltado ao gás no país, com monopólio da distribuição em cada estado, gera pouco ou nenhum incentivo para redução de preços. As normas restringem a participação de empresas que não sejam donas da infraestrutura e dificultam o objetivo do governo de tornar o gás mais acessível para a indústria.
Um dos entraves é que a Constituição de 1988 reserva aos estados a competência de regulamentar a distribuição de gás -o que limita mudanças por parte do Executivo federal. Mesmo assim, representantes têm feito reuniões e consultas para incentivar a discussão.
O tema se fortaleceu com a reforma regulatória promovida por Sergipe, vista pelo governo federal como exemplo a ser seguido. Desde 2019, o estado tem diminuído as barreiras de acesso à malha de dutos e ampliado o uso do chamado mercado livre de gás.
Os reguladores dizem que, desde então, o preço sofreu uma queda significativa no estado e influenciou o mercado de toda a região. O valor do insumo no Nordeste hoje chega a ser, segundo eles, 25% menor do que no restante do território nacional.
Silveira exaltou o exemplo. “Apoiamos as iniciativas de Sergipe. Não podemos mais tolerar capitanias hereditárias no setor de distribuição de gás natural”, afirmou há menos de um mês. “Merecemos preços justos e serviços melhores. Isso só acontecerá com a renegociação dos contratos de distribuição”.
Ele citou ainda a necessidade de rever regras em outros elos da cadeia, como escoamento, processamento e transporte -neste último caso, ele vê as empresas privilegiadas pelo que chama de falta de regulação. “O gás natural do Brasil é um dos mais caros do mundo, chega a custar até quatro vezes mais da cabeça do poço ao consumidor final. Tem algo errado nisso. O Brasil não pode ficar refém de uns poucos que se colocam acima dos interesses do país”, disse Silveira.
Douglas Costa, diretor da Câmara Técnica de Gás Canalizado na Agrese (Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de Sergipe), afirma que as regras anteriores em tese permitiam outras empresas a usarem os gasodutos -da concessionária Sergás, controlada pelo governo do estado e que também tem ações detidas pela Mitsui (de origem japonesa). Mas, na prática, as normas inviabilizavam esse uso.
Uma das principais barreiras era o requisito mínimo de movimentação para uma fábrica ganhar acesso ao duto e poder escolher de forma livre de quem comprar o gás. Eram ao menos 80 mil metros cúbicos diários, quase um terço do volume total movimentado no estado.
“Era impeditivo. E se ela tivesse qualquer tipo de oscilação de consumo, já ficava descredenciada ao acesso. Ou seja, se você tivesse um problema e parasse a produção por um dia na fábrica, automaticamente você já estava descredenciado”, afirma. “A gente flexibilizou isso exatamente para permitir o acesso”.
Atualmente o piso está reduzido para 5.000 metros cúbicos diários, ou 6,25% do número original. Além disso, é considerada hoje a média diária de movimentação no mês, não um patamar mínimo por dia – dando às fábricas mais flexibilidade operacional.
“Para você ter uma ideia da dimensão disso, 90% do parque industrial de Sergipe hoje está habilitado a migrar ao mercado livre. Basta desejar”, diz. “Do volume que é movimentado no estado para distribuição de gás, um terço já está no mercado livre”. Segundo ele, as mudanças favorecem a transparência e a livre negociação.
Deve incentivar ainda mais as mudanças no restante do país nos próximos anos o início do projeto Águas Profundas, que tem como objetivo explorar uma bacia a cem quilômetros da costa de Sergipe e em profundidades que chegam a 3.000 metros. Os campos devem gerar uma oferta de gás local significativa, e o estado quer usá-la para atrair indústrias.
As alterações podem enfrentar resistência de grandes empresários do setor de distribuição, mas a expectativa no governo é que o exemplo gere iniciativas regulatórias em outros estados, motivadas pelo receio de perda de competitividade. Alagoas, Pernambuco e Bahia também têm rediscutido as regras. O Espírito Santo, por sua vez, já tem a maior parte do consumo no mercado livre.
A EPE (Empresa de Pesquisa Energética, vinculada ao Ministério de Minas e Energia) tem feito diferentes estudos sobre as regras do mercado de gás. A estatal lidera duas consultas públicas hoje sobre gás, sendo uma sobre acesso a infraestruturas de equipamento e processamento de óleo e gás e outra sobre a criação de um plano integrado para o gás natural.
Heloisa Borges, diretora de Estudos do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis da EPE, afirma que a distribuição não é a única parte da cadeia a ser trabalhada, mas um ponto crucial.
“Para a gente chegar no consumidor final, é preciso chegar nesse último elo que é a distribuição estadual. Não é que a gente esteja buscando só uma harmonização com a distribuição, mas ela é fundamental para, ao fim e ao cabo, chegar no que a gente quer -que é uma maior competitividade da indústria, o maior aproveitamento do gás no país e o uso do gás natural para a transição energética”, afirma.
Borges ressalta que é preciso evitar o jogo de empurra na discussão. “Não tem um único vilão. A gente precisa garantir o acesso ao escoamento e processamento em bases adequadas, reduzir o custo do transporte e que a distribuição estadual lá na ponta tenha mecanismos de flexibilidade. O grande vilão é a ideia de que só tem um culpado”, afirma.
Marcelo Mendonça, diretor técnico-comercial da Abegás (Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado), afirma que o setor de distribuição já fez seu papel para a abertura do mercado. Segundo ele, o grande vilão hoje é a baixa oferta do insumo.
Outro ponto citado por ele é a revisão das regras de transporte -elo anterior ao da distribuição e feita por gasodutos de grandes empresas como TAG e TBG. Procurada, a associação das transportadoras não retornou. “É um ano muito importante para o mercado de gás natural porque vai tratar da revisão tarifária do segmento de transporte. Isso vai contribuir muito para a redução na tarifa”, diz Mendonça.