DANIELA ARCANJO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O cardeal italiano Angelo Becciu, ex-assessor do papa Francisco condenado por fraude em 2023, voltou a atrair atenção internacional após afirmar que vai participar do conclave para eleger um novo pontífice apesar de a Santa Sé listá-lo como não eleitor.
“O papa reconheceu minhas prerrogativas cardinalícias como intactas, visto que não houve vontade explícita de me excluir do conclave, nem um pedido explícito de minha renúncia por escrito. A lista publicada pela sala de imprensa não tem valor jurídico e deve ser considerada como tal”, afirmou ele ao jornal italiano L’Unione Sarda, de acordo com texto publicado nesta terça-feira (22).
O painel do Colégio de Cardeais mantido pelo site do Vaticano indica que Becciu não é eleitor, embora tenha 76 anos -apenas os cardeais com menos de 80 anos têm direito a votar e se reunirão na Capela Sistina nos próximos dias para o conclave, nome dado à assembleia que vai eleger o próximo líder católico.
A exclusão se deve à renúncia de Becciu em 2020, quando o cardeal, então um dos mais poderosos membros da Igreja, já enfrentava suspeitas relacionadas a um esquema envolvendo um negócio imobiliário em Londres.
“Hoje, quinta-feira, 24 de setembro, o Santo Padre aceitou a renúncia ao cargo de Prefeito da Congregação para as Causas dos Santos e aos direitos ligados ao cardinalato, apresentada por Sua Eminência cardeal Giovanni Angelo Becciu”, afirmou a Santa Sé na noite daquele dia.
O episódio foi um golpe duro ao religioso. Como chefe de gabinete na Secretaria de Estado do Vaticano sob o papa Bento 16 e o papa Francisco, Becciu supervisionava os embaixadores do Vaticano e desempenhava um papel importante na administração da cúria, tendo acesso irrestrito ao pontífice.
Em outubro de 2019, no entanto, promotores do Vaticano ordenaram uma operação que respingaria nele. A medida ocorreu no âmbito de uma investigação sobre a compra de uma propriedade de € 350 milhões em Londres, adquirida em parte com dinheiro doado pelos fiéis ao fundo de São Pedro, destinado aos pobres.
O próprio Francisco havia ordenado a investigação, embora tivesse dito no mês anterior que era mais responsável investir as doações do que “colocá-las em uma gaveta”. “Você também pode comprar uma propriedade, alugá-la e depois vendê-la, mas em algo seguro, com todas as medidas de segurança para o bem das pessoas e de São Pedro”, afirmou ele na ocasião.
A investigação, por fim, levou à renúncia do chefe de segurança do Vaticano, à remoção de vários funcionários financeiros do Vaticano e à prisão em junho de 2020 de um banqueiro italiano que atuou como intermediário da Santa Sé na transação imobiliária.
Em 2023, o Tribunal Penal do Vaticano condenou Becciu em primeira instância a cinco anos e meio de prisão, o que tornou o religioso a mais alta autoridade da Igreja Católica a ser julgada por uma corte criminal do país. O cardeal sempre alegou inocência.
Os magistrados consideraram Becciu culpado por ter ordenado pagamentos que totalizaram US$ 200,5 milhões entre 2013 e 2014, oriundos dos fundos da Secretaria de Estado, para um fundo de investimento “altamente especulativo”, liderado por Raffaele Mincione -financista que também foi condenado a cinco anos e meio de prisão e multa de € 8.000.
Além disso, o cardeal foi considerado culpado por pagar € 125 mil a uma cooperativa administrada por seu irmão, além de outros € 570 mil a um intermediário pela libertação de uma freira refém na África. O dinheiro nunca teria sido usado para esse objetivo.
O caso se tornou emblemático por mostrar a extensão das reformas internas promovidas por Francisco ao longo de seu papado. Após ser eleito, em 2013, o pontífice argentino morto na última segunda (21) alterou o sistema judicial para que bispos e cardeais pudessem ser julgados em tribunais laicos, e não apenas em instâncias religiosas.