Conheça a história da criança que ensinou mãe catadora de lixo a ler e escrever

No ano passado, mãe e filho eles leram mais de 100 livros juntos

Rafaella Soares Rafaella Soares -

A superação de Sandra Maria de Andrade, de 42 anos, começou a com a frase “mãe, quer ler comigo? É uma historinha. E tem figuras”. O pedido partiu de Damião Sandriano de Andrade Regio, de 11 anos, o caçula dos setes filhos, que ensinou a mãe a ler.

Até o ano de 2016, ela não sabia ler e escrever. Moradora de uma periferia em Natal (RN), Sandra fazia parte da estatística dos 758 milhões de adultos no mundo, segundo estudo da ONU, considerados incapazes de ler ou escrever pequenas frases.

Vida difícil

Desde pequena, Sandra sonhava em aprender a ler. Abandonada pela mãe aos três anos de idade, a avó a entregou para viver com um casal que a obrigou a trabalhar pesado na lavoura, no fazimento de farinha e nunca a permitiu frequentar uma escola.

Durante toda a infância, ao ver outras crianças indo para a escola, ela sentia desejo de ir também. Em entrevista a BBC Brasil, Sandra conta que ao querer ir com os alunos, o homem que em tese deveria cuidar dela a mandava ir trabalhar. Ao completar 12 anos decidiu fugiu de casa na tentativa de encontrar a mãe biológica, foi rejeitada e passou a viver na rua e se alimentar de restos de comida que encontrava no lixo. Com 13 anos, um homem ofereceu casa e comida, e assim viveram também como marido e mulher até 1996.

Os dois tiveram três filhos juntos, mas Sandra foi vítima de violência doméstica várias vezes, e por falta de informação tornou a fugir com os filhos após uma briga em que apanhou tanto, que quase morreu. Segundo relatou, foi golpeada com faca várias vezes e teve parte dos cabelos arrancados na frente dos filhos.

Vergonha

Sem orientações e ajuda, Sandra sofreu muito por não saber ler. Até pegar um ônibus era difícil. O sofrimento maior foi fazer a Carteira de Identidade e não poder assinar o próprio nome. A vergonha de não escrever foi a razão que levou Damião, fruto do segundo casamento, que na época tinha apenas três anos, prometer que ensinaria a mãe a ler assim que ele aprendesse na escola.

Sandra enterrou quatro dos sete filhos, todos ainda na infância, vítimas de doenças que não soube explicar, e uma das filhas após um atropelamento. Com o segundo casamento terminado, ela continuou trabalhando de recolher lixo para vender à reciclagem. Segundo ela, a maior alegria era ver o filho mais novo ir e voltar todos os dias da escola. “Ele vai ser o que eu queria ser”, desabafa.

Sonho realizado

Aos poucos e com aulas de reforço da professora, Damião conseguiu ir tirando as dúvidas que a mãe tinha sobre as letras. As conquistas foram chegando quando ela aprendeu a escrever o próprio nome e pode assinar como responsável do filho na reunião da escola.

Em 2016, os dois leram juntos um total de 107 livros, contabilizando apenas os que foram pegos na escola. O relacionamento de mãe e filho se tornou uma linda amizade após as leituras começarem e graças ao filho, Sandra relatou que fará uma nova identidade.

“É pra quando chegar nos cantos eu dizer: eu sei fazer meu nome. Para mim, já era tudo eu saber. Chegar lá, o povo dizer assine aqui e eu dizer: agora eu já sei, não sinto mais vergonha”.

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