Nó na garganta e inspiração: o tocante relato de mãe que perdeu filha no trânsito de Anápolis

"Hoje eu vejo a Thalyta em várias pessoas e até em expressões. Eu sinto ela quando as pessoas me buscam para conversar", afirma

Rafaella Soares Rafaella Soares -

No dia 15 de abril de 2019, segunda-feira, Thalyta Santos, de 20 anos, levantou pronta para seguir a rotina que amava: ir para a faculdade de pedagogia, almoçar em casa com a família e seguir para o estágio na Escola Gente Miúda Crescer.

Depois de comer com a mãe, se lembrou que a semana teria um feriado e disse uma frase que ficou marcada: “Essa semana vai ser curta demais”. E foi. Thalyta morreu horas depois, após cair em um buraco e ser atropelada, na Rua Joaquim Propício de Pina, no Jundiaí, bairro nobre da região Central de Anápolis.

Um dia antes, buscou os pais no aeroporto, que tinham acabado de chegar de férias e, durante todo o caminho de volta para casa, falou com empolgação sobre a tão formatura que estava se aproximando, mas que nunca chegou para ela.

“Ela foi para o trabalho e fui para casa da minha mãe. Não tinha visto meus pais ainda depois da viagem e eu estava bebendo café quando senti uma sensação ruim. O telefone tocou e foi quando eu soube do acidente”, contou Gisele Moraes dos Santos Silva, de 37 anos, mãe de Thalyta, em entrevista ao Portal 6.

Inicialmente, o anseio era que nada de muito grave houvesse acontecido. No entanto, ao chegar no local do acidente, apenas recebeu os pertences da filha e precisou correr para o hospital.

“Meu esposo e eu ficamos uns 40 minutos no hospital. Só que pelo olhar das enfermeiras, eu já sabia que algo não estava bem, porque elas cochichavam uma com a outra. Acho que é a pior coisa para um familiar. Eu perguntava se estava acontecendo alguma coisa e elas continuavam comentando entre si”, relatou.

“Quando a assistente social chamou, veio dois médicos que falaram da gravidade. O único órgão dela que não foi impactado foi o coração. Só lembro que o médico ia falando os procedimentos que tinha feito e eu perguntei se ela estava viva. Ele falou que não tinha conseguido e eu dei um grito que ecoou o hospital inteiro”, relembrou.

Apesar de a equipe médica tentar evitar, Gisele entrou na sala onde estava o corpo da filha e o encontrou enrolado em um tecido azul. As roupas dela estavam no chão, o rosto machucado e o cheiro de sangue era forte.

“Ela foi velada o dia todo na igreja em que cresceu. Deu muita gente. Veio professores da época que ela era de primário. Ela era muito amada. Mas em casa eu me senti vazia. Não sabia como seria daquele momento para frente”, revelou.

“Foi muito triste chegar em casa. Era triste comer, dormir, levantar, entrar no quarto dela, ver as coisas dela. Eu sentia falta do barulho dela, da agitação, das coisas esparramadas pela casa. Ela fazia muito trabalho manual e ficava glitter na casa inteira. Eu sentia falta daquilo. Ficou um buraco imenso”, afirmou, emocionada.

(Foto: Reprodução)

Mesmo com a dor, Gisele sabia que Thalyta amava vê-la sorrir. Por isso, decidiu passar por todo o processo de luto, para então seguir com a vida e nunca se render à tristeza.

“Nossa relação era muito boa. Quando a gente gera um filho, a vida gira em torno daquilo. A maternidade nos transforma. Nunca imaginei estar aqui hoje. Nunca imaginei que teria forças, mas é o amor que eu tenho por ela que me faz ficar de pé. Sei que de onde está, está me vendo. Ela amava me ver sorrir. Então, vou sorrir”.

Recomeço

Gisele afirma existem três versões dela mesma: a de antes do acidente, a durante e a depois. Esta última se libertou de amarras e defende com unhas e dentes que a morte a libertou.

“A morte me trouxe vida. Depois da Thalyta eu tirei todas as minhas algemas. Meu ritmo de vida mudou. Minha relação com a minha família mudou para melhor e comecei a ser mais natural. A morte dói, mas quando você encara ela de outro ângulo, você amadurece com ela. Por mais que doa, me resgatou”, disse.

Gisele olhando fotos de Thalyta. (Foto: Rafaella Soares)

Após a partida tão prematura de Thalyta, Gisele também passou a ajudar outras famílias que passam pela mesma situação. O objetivo dela é tentar encontrar meios para que um momento tão difícil se torne mais suave.

“Escutei uma mãe dizer que nunca mais ia ser feliz, mas não, eu sou feliz. Me falta ela fisicamente, mas sou feliz, sou realizada, bem casada e tenho outra filha. Eu acredito que a gente pode ser feliz mesmo com essa dor. As vezes vai ser mais cruel, mas é possível”, sustentou.

Na casa de Gisele, segundo ela, se fala mais de morte do que vida, mas é para que todos levem os dias com mais leveza, como se fosse o último dia, como se fosse o melhor dia de todos.

“A morte não é tão severa e tão amarga como eu deduzia ser. Ela pode sim te fazer uma pessoa melhor ou uma pessoa pior. Eu poderia hoje ser uma pessoa totalmente revoltada, mas eu escolhi acreditar e ver o lado bom”, afirmou.

A vida se modificou completamente. Gisele hoje acredita ser mais sensível, ter um instinto materno mais forte e busca todos os dias motivos para sorrir, como a filha mais velha gostaria que fizesse.

“Hoje eu vejo a Thalyta em várias pessoas e até em expressões. Eu sinto ela quando as pessoas me buscam para conversar. Antes eu tinha duas filhas, hoje sou mãe de vários filhos. Meu afeto se expandiu e eu posso doar o que eu tenho, porque eu tenho de sobra muito amor, muito carinho e puxão de orelha para dar”.

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