Ditadura de Mianmar liberta jornalista dos EUA 3 dias após condená-lo a prisão
Ele estava preso em um local que coleciona relatos de espancamentos e torturas ao longo das décadas
(FOLHAPRESS) – O jornalista americano Danny Fenster, preso desde maio e recentemente condenado a uma sentença de 11 anos pela ditadura de Mianmar, foi liberto nesta segunda-feira (15).
Fenster, 37, voou para Qatar depois de receber anistia da junta militar que governa o país no Sudeste Asiático desde o golpe de Estado em fevereiro. A negociação para a sua libertação foi liderada pelo ex-diplomata americano Bill Richardson. Ex-governador do Novo México, o democrata é um dos poucos representantes estrangeiros que teve acesso ao general Min Aung Hlaing, atual dirigente de Mianmar.
O jornalista americano era editor-chefe da revista digital Frontier Myanmar e havia sido considerado culpado por crimes como incitação, associação com grupos ilegais e violação de leis de imigração. Além disso, também recebeu acusações, na semana passada, de sedição e terrorismo, o que poderia lhe render mais 20 anos de prisão por cada crime.
Falando a jornalistas após desembarcar no Aeroporto Internacional Hamad, em Doha, Fenster parecia frágil mas disse que não foi espancado nem passou fome durante o tempo em que ficou detido.
Ele estava preso em um local que ficou conhecido por ser o destino de centenas de opositores do Tatmadaw, como são chamadas as Forças Armadas de Mianmar. Há vários relatos de detentos espancados e torturados ao longo das décadas em que os militares comandaram o país.
“Eu me sinto ótimo e muito feliz por estar voltando para casa”, disse Fenster. “Você fica um pouco louco e, quanto mais o tempo se arrasta, mais preocupado você fica que aquilo nunca vai acabar. Essa era a maior preocupação: permanecer são.”
Questionado se havia sido vítima de maus-tratos, o jornalista disse: “Fui preso e mantido em cativeiro, então suponho que sim. Mas, fisicamente, eu estava saudável”.
A emissora Myawaddy TV, que pertence aos militares de Mianmar, informou que Fenster recebeu anistia após pedidos de Richardson e de dois negociadores japoneses “para manter a amizade entre os países e enfatizar causas humanitárias”.
O americano havia sido preso em maio, enquanto tentava deixar Mianmar para voltar a Michigan, estado americano onde nasceu, e fazer uma surpresa a sua família.
“Estamos muito felizes que Danny tenha sido libertado e esteja a caminho de casa. Estamos ansiosos para tê-lo em nossos braços”, afirmaram seus familiares em um comunicado. “Somos imensamente gratos a todas as pessoas que ajudaram a garantir sua libertação, especialmente ao embaixador Richardson, assim como aos nossos amigos e ao público que expressou seu apoio e esteve ao nosso lado, enquanto suportamos estes longos e difíceis meses.”
O Departamento de Estado dos EUA vinha pedindo a libertação de Fenster e havia classificado sua prisão de “profundamente injusta”. Segundo fontes ouvidas pela agência de notícias Reuters, porém, Washington havia se oposto inicialmente à visita de Richardson a Mianmar, temendo que seu envolvimento atrasasse a libertação de Fenster ao levar a junta militar a ver o jornalista como uma possível moeda de troca para obter concessões do Ocidente.
Fenster foi o primeiro jornalista ocidental condenado a prisão na história recente de Mianmar, mas dezenas de profissionais locais enfrentam acusações semelhantes ou tiveram que deixar o país, que vive uma escalada autoritária desde que militares depuseram o governo civil e assumiram o poder.
A Organização das Nações Unidas (ONU) saudou a libertação de Fenster, descrevendo-a como um passo positivo, mas reiterou pedidos para que pelo menos outros 47 jornalistas sejam soltos imediatamente.
O próprio Fenster disse que vai se juntar aos esforços para libertar outros colegas de profissão. “Vamos manter o foco neles tanto quanto possível e fazer tudo o que pudermos para fazer pressão em seu nome.”
Segundo a Associação de Assistência a Prisioneiros Políticos de Mianmar, 10.143 pessoas foram presas desde o golpe militar e 1.260 foram mortas, a maioria em atos de repressão das forças de segurança do país contra protestos de manifestantes que pedem o fim do regime e a volta à democracia.
Nesta terça-feira (16), Aung San Suu Kyi, ex-líder civil de Mianmar e vencedora do Nobel da Paz em 1991, recebeu novas acusações criminais da junta militar –ao todo, são 11 processos, cujas sentenças máximas totalizam mais de cem anos de prisão.
Ela está presa desde o golpe de Estado e responde por crimes como uma suposta violação dos protocolos de combate à propagação do coronavírus e publicação de informações que podem “causar medo ou alarme”, prática vetada pelo código penal que data do período colonial.
Segundo autoridades militares de Mianmar, Suu Kyi agora também responderá por fraude eleitoral e abuso de poder. A acusação afirma que ela e Win Myint, presidente do país que também foi deposto no golpe, estavam envolvidos na circulação de uma carta não assinada com seus nomes, que instava os países estrangeiros a não reconhecerem a junta militar depois dos acontecimentos em 1º de fevereiro.
Os dois negam envolvimento e alegam que estavam sendo mantidos incomunicáveis naquele momento, o que impossibilitaria a articulação para a publicação da carta. Seus julgamentos acontecem a portas fechadas, sem observadores independentes, e os advogados de defesa, que vinham sendo a única fonte de informação sobre o andamento do processo, são atualmente objeto de um mandado de silêncio.