Ensino domiciliar favorece individualidade e liberdade acadêmica, dizem defensores

Ensino domiciliar é uma pauta histórica de grupos conservadores e religiosos. No ano passado, o governo de Jair Bolsonaro (PL) apresentou o tema como sua a única prioridade da educação no Congresso

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Foto: Reprodução

(FOLHAPRESS) – Os filhos do servidor público Carlos Vinícius, 43, tinham 8 e 7 anos quando saíram da escola em 2018 e passaram a estudar em casa.

“Percebemos que muitas coisas eram ensinadas de forma equivocada, como conceitos de matemática e as individualidades não eram respeitadas”, diz ele que afirma que, na escola, os filhos presenciaram cenas de violência entre colegas.

“Era um ambiente para eles estarem aprendendo mais e não estavam. Entendemos que tínhamos condições de oferecer para eles algo melhor”, relata.

O ensino domiciliar é uma pauta histórica de grupos conservadores e religiosos. No ano passado, o governo de Jair Bolsonaro (PL) apresentou o tema como sua a única prioridade da educação no Congresso.

De acordo com a Associação Nacional de Educação Domiciliar, o modelo é praticado por cerca de 15 mil estudantes no Brasil de 4 a 17 anos. A organização afirma que registra um crescimento de 55% ao ano.

Críticos defendem que oficializar a opção fere o direito de frequentar a escola, considerada por eles crucial para a educação integral e para a socialização. Uma pesquisa do Datafolha publicada no sábado (14) aponta que oito em cada dez brasileiros demonstram rejeição a ensino domiciliar.

Para entidades especializadas em educação, o ensino domiciliar é uma medida equivocada e “fora do tempo”. É o que diz a ONG Todos Pela Educação que, em nota publicada no site, afirma que educar crianças sob a responsabilidade da família costuma ser defendida por quem afirma que “é um direito dos pais escolherem a educação de seus filhos.”
“Entre os defensores, estão aqueles que veem essa prática como protetora de supostas ideologias transmitidas em sala de aula e de possíveis violências escolares”, diz a entidade.

A organização analisa ainda que o modelo inibe o pleno desenvolvimento de jovens ao restringir o convívio com crianças e adultos fora do círculo íntimo familiar e promover a ausência de ideias e visões de mundo contraditórias as que são expostas em casa.

“Direcionar recursos públicos, financeiros e de gestão para atender a 0,04% dos estudantes brasileiros evidencia, mais uma vez, que estamos diante de um governo que não tem a melhoria da qualidade do ensino como compromisso de atuação.”

Alice Ribeiro, diretora do Movimento pela Base, também afirma que é contrária ao modelo. “A escola tem um papel essencial na formação integral de crianças e adolescentes”, diz ela.

“A escola é muito mais do que o lugar de aprendizagem, é de convivência, expansão, é onde o jovem vai conviver com outras visões, outras possibilidades, que o levam para outro ambiente que não o familiar”, diz Ribeiro que também aponta que se trata de um modelo defendido por uma parcela mínima da população. “O governo está priorizando 15 mil aluno frente a outros 48 milhões.”

Já os defensores do modelo argumentam que regularizar o tema atende ao direito das famílias de decidir como educar os filhos e que milhares de adeptos vivem sob insegurança jurídica.

Carlos Vinícius, por exemplo, defende a regulamentação, que pode ser votada esta semana na Câmara. Ele afirma que, caso o ensino domiciliar seja aprovado, será possível que o Brasil ofereça uma parceria entre escolas e famílias que optem por este tipo de educação.

“Não há uma oposição entre a educação domiciliar com as escolas. Na maioria dos países, isso acontece em parceria com as escolas”, diz ele. “Não significa que o estudante não vai passar por qualquer tipo de avaliação, fiscalização, tudo isso é necessário.”

O servidor público afirma que existe um ônus para quem opta por este tipo de ensino e o classifica como “muito pesado”.

Ele diz também que a socialização dos filhos não é prejudicada pela medida. “Meus filhos têm muito contato com outras crianças, muito mais do que quando estavam na escola, que tinham contato com apenas uma turma.”

“Na escola, meus filhos vão ter contato, muito provavelmente, apenas com alunos da mesma faixa etária e mesma classe social e estarão condicionados ao ensino do professor e não interagindo”, diz. Segundo ele, os jovens têm tempo para frequentar bibliotecas e participarem de eventos culturais. “Eles não precisam ficar calados e parados numa sala de aula das 7h às 12h com 10 a 15 minutos de intervalo”, afirma o pai.

Diferente dos filhos de Carlos Vinícius, que saíram da escola por decisão dos pais, Elisa de Oliveira Flemer, 18, deixou o colégio no início do ensino médio após uma série de frustrações com as instituições que frequentou.

Ela mudou de escola algumas vezes até entender que não se adequava a elas. Hoje, ela estuda engenharia de computação no Inteli (Instituto de Tecnologia e Liderança) dentro do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas), na Cidade Universitária, em São Paulo.

Ela afirma que se sentia frustrada porque terminava as tarefas das aulas em poucos minutos e tinha que passar o restante do tempo na aula. “Eu pensava ‘tem tantos cursos que quero fazer e tô aqui fazendo desenho na carteira’.”
“Pesquisei no Google ‘eu odeio a escola, o que fazer?’ e descobri muitas pessoas que também não gostavam, como pedagogos e especialistas que criticam a educação tradicional.”

Foi assim que ela passou a se interessar mais pelo ensino domiciliar e enxergou como uma possibilidade de aprender do seu jeito, com os seus próprios materiais e usar o restante do tempo para se dedicar a outros assuntos que não eram oferecidos em salas de aula.

No começo, os pais ficaram chocados com a ideia, mas depois apoiaram sua decisão. Elisa conseguiu ingressar na universidade com a nota que obteve no SAT (espécie de Enem dos EUA) e com o resto do processo seletivo do Inteli. “Vim para cá justamente pela metodologia diferenciada de ensino”, diz ela.

“Eu tinha contato com muitas pessoas diferentes o tempo inteiro. O motivo da minha escolha foi puramente acadêmico e conheço muitas pessoas que também escolhem por isso., afirma ela. “Claro que têm bolsonaristas e religiosos, mas não é a regra. Nem diria que seria uma maioria, é um grupo que está ali como em qualquer outro movimento.”

Ela enxerga na regulamentação uma possibilidade das escolas particulares lançarem currículos de ensino domiciliar. “Acho que o preconceito existe até nos EUA de que quem é a favor é alienado do mundo, anticiência, anti-vacina. Mas, não é o caso. Existe uma diversidade de pessoas e ideologias políticas no movimento.”

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