Viúva de desaparecido há 45 anos no Triângulo das Bermudas busca indenização

Embarcação que transportava minérios de ferro saiu do Brasil com destino à Filadélfia, nos Estados Unidos

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Embarcação que transportava minérios de ferro saiu do Brasil com destino à Filadélfia, nos Estados Unidos (Foto: Arquivo Pessoal)

PATRÍCIA PASQUINI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Justiça do Trabalho em Santos, no litoral paulista, deve julgar na próxima quinta (14) uma ação de indenização movida pela companheira de um marinheiro que desapareceu há 45 anos ao trafegar na região do Triângulo das Bermudas.

Edivaldo Ferreira de Freitas era um dos 37 tripulantes do navio de carga Sylvia L. Ossa, da empresa panamenha Ominum Leader, que sumiu no oceano. No grupo, havia nove brasileiros.

A embarcação que transportava minérios de ferro saiu do Brasil com destino à Filadélfia, nos Estados Unidos. A viagem duraria 30 dias.

Na época, o marinheiro estava havia 12 anos com a hoje costureira aposentada Joana Alves Damasceno, 82. Ela diz ainda se lembrar da ansiedade causada pela demora de Edivaldo em voltar para a casa. As longas viagens faziam parte do trabalho dele.

Em 13 de outubro de 1976, pouco antes de o cargueiro desaparecer, o comandante informou via rádio que “estava em meio a estranhas turbulências”. A Guarda Costeira americana fez várias buscas, sem sucesso. O único vestígio encontrado foi um barco salva-vidas à deriva. A informação consta no processo movido em 2014, quando foi pleiteada a certidão de morte presumida de Edivaldo.

Logo após o desaparecimento, a aposentada chegou a receber da Ominum Leader uma indenização que, de acordo com os advogados dela, não reparou os danos sofridos.

Anos depois do naufrágio, Joana diz ter sido procurada por um advogado americano que iniciou uma ação nos Estados Unidos. O processo foi negado em 2001 pela Suprema Corte americana diante da dificuldade em obter informações sobre o caso.

Em 2014, ela conseguiu na Justiça a declaração da morte presumida de Edivaldo e tem certidão de óbito assinada pelo juiz. Cinco anos depois, decidiu entrar com a ação indenizatória.

O processo em tramitação é contra duas empresas: a Brasil P&I e a Frota Oceânica. “A Brasil P&I é a antiga Pandibra Ltda Consultoria e Representações Marítimas, que intermediou o pagamento da indenização para a Joana. Nós entendemos que pertence ao mesmo grupo econômico da Ominum Leader. A Frota Oceânica operava o navio”, detalha o advogado Leandro Furno Petraglia, do escritório Furno Petraglia e Pérez Advocacia, que cuida da ação.

A indenização pedida é de R$ 135.928, mas ainda deverão ser acrescidos juros e correções monetárias.

Também há um pedido para que as empresas paguem o salário de Edivaldo até a morte da Joana.

“Para qualquer situação em que o trabalhador morre durante o contrato de trabalho cabe indenização. Na época, ele prestava serviço como funcionário e o navio desapareceu”, explica o advogado.

A defesa de Joana sustenta que, em 1976, o Triângulo das Bermudas já era conhecido como um local perigoso. “A empresa assume um risco ao mandar um navio utilizar a rota mais curta e perigosa, que atravessa a região. O desfecho foi negativo.”

Apesar da causa difícil, o advogado diz acreditar em um resultado favorável. “Teoricamente, temos cinco anos para entrar com ação judicial, mas a partir da morte. Nós não temos morte. Entrei com o processo dentro dos cinco anos em que ele foi declarado morto pelo juiz”, explica Petraglia.

Para Gustavo Kloh, professor da FGV Direito Rio, o grande problema é que a ação foi ajuizada muito tempo após o desaparecimento. “Em praticamente qualquer país do mundo, e no Brasil garanto que sim, está prescrito”, explica.

Segundo ele, além do desafio de mostrar que o prazo de prescrição não pode contar a partir de 1976, porque considera a decretação da morte presumida, é preciso que a Justiça aceite a situação de responsabilidade contratual, cujo prazo para entrar com ação é de dez anos. Já o prazo padrão de responsabilidade civil para situações extracontratuais é de três anos.

O presidente da comissão de Direito Civil da OAB, Rodrigo Toscano, concorda. “Em tese, temos uma ação na Justiça do Trabalho e uma ação de indenização com verba trabalhista prescrita, mas me parece que o caso é de pedido de indenização por dano material e moral, com prescrição de dez anos, que começou a contar a partir de 2014”, comenta.

O Triângulo das Bermudas está localizado no oceano Atlântico, entre a ilha de Porto Rico, o arquipélago das Bermudas e uma ilha da Flórida, nos Estados Unidos. Muitos mistérios e teorias envolvem os desaparecimentos de navios e aviões ocorridos na região.

Na visão da ciência, uma das teorias apontadas para explicar os acidentes é a presença de bolhas de gás metano liberadas de reservatórios no fundo do oceano, que prejudicam a flutuação das embarcações. As condições climáticas também podem aumentar o risco, já que há formação de tempestades fortes na região e a Corrente do Golfo pode causar mudanças bruscas no tempo.

Outro lado A Brazil P&I afirma que é uma empresa que atua como correspondente de seguros internacionais e não tem qualquer relação com o caso do naufrágio.

Na ação, a defesa alega que “a Brazil P&I não tem nenhum relacionamento ou vínculo jurídico
com o armador do navio objeto da ação, tampouco possui relação comercial, contratual ou
jurídica com os clubes de P&I ou com o P&I Club do armador do navio Silvia L. Ossa à época
do acidente em questão”. Os clubes de P&I são associações de armadores e transportadores marítimos.

A Frota Oceânica diz que, na época, fez o contrato de afretamento, para levar as mercadorias. “Esse senhor não era empregado dela. Minha cliente faz parte do processo porque, segundo a alegação da reclamante, elas [as empresas citadas] comporiam um grupo econômico, mas não é verdade”, explica o advogado da empresa, Pedro Milioni.

A reportagem não localizou nenhum endereço ou telefone da Ominum Leader.

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