Varíola dos macacos pode apresentar lesões sutis e dificultar diagnóstico, dizem médicos

Essa diferença pode retardar a busca de ajuda médica, confundir profissionais de saúde não capacitados para o diagnóstico e colaborar para disseminação dos casos, segundo os médicos

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Em Goiás, amostras eram enviadas para o Rio de Janeiro. (Foto: Berkay Ataseven/Shutterstock)

CLÁUDIA COLLUCCI (SÃO PAULO, SP) – No dia 14 de julho, o arquiteto Rodrigo (nome fictício), 39, viu algo parecido a um pelo encravado na região genital. Não deu muita bola. Três dias depois, no domingo, ele teve febre e calafrios, mas, após tomar paracetamol, sentiu-se melhor.

Na segunda, amanheceu ainda indisposto e imaginou que pudesse ser uma gripe. À tarde, porém, surgiu outra lesão, parecida com uma espinha, na palma da mão. “Aí, como eu nunca vi pelo encravado ou espinha na palma da mão, corri atrás de um infectologista já com a certeza de que era a varíola dos macacos.”

Na terça, quando se consultou, eram cinco pústulas no total: duas na região genital, duas nas mãos e uma no pé. No dia seguinte, ele fez o exame e veio o diagnóstico: era o vírus monkeypox, que já infectou mais de 800 pessoas no Brasil .

“O pior foi o susto de estar diante de uma doença nova. Procurando na internet, as imagens são muito feias. Para mim não foi nada daquilo, nem pela quantidade de lesões, pelo tamanho ou aparência”, conta Rodrigo, que se tratou em casa e está curado. Ele tem um parceiro que não foi infectado. Ambos se relacionam sexualmente com outros homens.

O caso do arquiteto não é exceção. Infectologistas relatam que tem sido frequente o aparecimento de casos mais sutis, que não lembram a apresentação clássica da varíola dos macacos descrita na literatura, com sintomas que incluem febre, dor de cabeça, inflamação dos gânglios linfáticos, seguidos de lesões, pústulas em várias partes do corpo, que, depois, viram crostas.

Essa diferença pode retardar a busca de ajuda médica, confundir profissionais de saúde não capacitados para o diagnóstico e colaborar para disseminação dos casos, segundo os médicos.

A infectologista Rosana Richtmann, do Instituto Emílio Ribas, conta que tem atendido tanto no SUS quanto no consultório particular pacientes com a varíola dos macacos que apresentam lesões bem mais sutis do que as que parecem nos artigos científicos e nas notícias sobre a doença.

Em geral, são pequenas pústulas com conteúdo meio amarelado que podem surgir em várias partes do corpo, como no rosto e nas regiões genital e anal, mas não necessariamente todas ao mesmo tempo.

“Os grupos HSH [homens que fazem sexo com homens] estão mais ligados em qualquer lesão que aparece na pele e nos procuram logo. Mas, em geral, não procuram por febre, calafrios, nada disso.”

O infectologista Alexandre Naime Barbosa, professor na Unesp (Universidade Estadual Paulista) e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, conta que atendeu um paciente que tinha apenas uma pequena lesão no rosto, na região abaixo do lábio, que parecia uma espinha.

“Mas, como ele já faz Prep [terapia de prevenção ao HIV] comigo e tinha feito sexo oral com vários parceiros, ficou preocupado, fez uma consulta, testamos e era [o vírus] monkeypox.”

O infectologista Esper Kallás, professor da USP e colunista da Folha, também tem observado lesões atípicas ou subclínicas em pacientes diagnosticados com a varíola dos macacos.

“Às vezes, aparece uma pontinha inflamada na perna e o sujeito acha que é um pelo encravado. Aí passa uma semana e está com um gânglio vermelho, febre alta, passando mal. Essa evolução não permite a pessoa fazer um diagnóstico rápido.”

De acordo com ele, estão sendo observadas lesões de todos os tipos. “Umas são muito claras, lesões genitais, vesículas, mas têm outras muito esquisitas. Um sujeito só teve uma lesão na testa, outro menino teve uma obstrução uretral porque a lesão cresceu para dentro da uretra.”

Para Richtmann, há tantas diferenças entre a apresentação clássica da varíola dos macacos vistas na África a que sido observada atualmente na Europa, nos Estados Unidos e no Brasil que a doença já mereceria um outro nome.

Segundo os médicos, as vesículas frequentemente se infectam porque funcionam como porta de entrada para bactérias. “Por isso é importante não coçar a lesão para não virar uma infecção secundária”, explica a médica.

Em geral, a cicatrização ocorre no período de duas a quatro semanas. Nesse período, é fundamental que a pessoa infectada se mantenha isolada.

Uma outra preocupação dos especialistas são os casos de pessoas assintomáticas que, sem saber que estão com a doença, continuam transmitindo-a. Um pequeno estudo feito na Bélgica mostrou que até 13% das pessoas podem ter o vírus detectado no ânus ou no pênis e estarem sem sintomas.

“É uma doença de incubação longa, depois da infecção pode demorar até três semanas para o
aparecimento dos sintomas. Isso tudo dificulta muito o contigenciamento. O caminho é aumentar a suspeição clínica. Qualquer pessoa que tenha uma lesão eritomatosa, que comece a fazer uma bolha, tem que ser considerada suspeita”, afirma Barbosa.

Mas, segundo o infectologista, isso não está acontecendo. “Esses pacientes precisam ser isolados e testados para que se quebre a cadeia de transmissão. A própria definição do Ministério da Saúde sobre a monkeypox precisa ser atualizada diante da atual apresentação clínica da doença”, diz.

“O governo federal, a exemplo do que ocorreu na Covid, continua com uma falta de percepção de risco sobre a monkeypox. O que a gente está vendo agora é a lasquinha da migalha, do fiapo da ponta do iceberg. Os casos não estão sendo colocados em suspeição, estão sendo sendo feitas quantidades adequadas de testes.”

Para o médico, é preciso deixar mais claro que não se trata de uma doença que só afeta a população de homens que fazem sexo com homens. “Ela começou nessa população e ainda tem uma altíssima prevalência nela, mas o mundo já registra mais de 70 casos em crianças. A doença é democrática.”

Ele diz que a população HSH é a que menos causa preocupação porque ela já conhece os riscos e busca ajuda rapidamente quando percebe algo de errado. “Já a população em geral, por causa da estigmatização e do mesmo erro que cometemos em relação ao HIV, não se sente em risco.”

Na sua opinião, é preciso que o país agilize o acesso à vacina para conseguir frear a transmissão nos grupos de maior risco. “Como você vai falar para as pessoas não se tocarem, não se abraçarem, não se beijarem e não fazerem sexo?”

No sábado (23), o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, disse que o governo federal negocia com a Opas (Organização Pan-Americana da Saúde) a aquisição de vacinas por meio do fundo rotatório, um mecanismo internacional de cooperação técnica para acesso a vacinas, mas que ainda não há prazo para isso.

Esper Kallás também considera fundamental vacinar os grupos de maior risco, como a população HSH e os profissionais de saúde, a exemplo do que já fazem a Europa e os EUA. “Também é preciso mais rapidez para reforçar as cadeias de informação, de diagnóstico e notificação, além de fazer um mapeamento da distribuição epidemiológica.”

Outro ponto é a oferta de remédios para o tratamento de alguns casos mais complicados de monkeypox. O tecovirimat e o brincidofovir são medicamentos indicados para esse fim, mas nenhum deles está disponível no Brasil.

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