Bolsonaro propõe corte de mais de 50% em Mais Médicos e Farmácia Popular e gera alerta na campanha
Medida atingirá programas centrais no atendimento à população
O governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) enviou ao Congresso Nacional uma proposta de Orçamento para 2023 com um corte de ao menos 50% em verbas para bancar programas como Mais Médicos, Farmácia Popular e a saúde indígena.
A menos de 20 dias das eleições, a tesourada acendeu um alerta na equipe de campanha de Bolsonaro, em especial quanto ao Farmácia Popular, programa de distribuição gratuita ou com desconto de medicamentos. O chefe do Executivo concorre à reeleição, mas está em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto, atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A medida atingirá programas centrais no atendimento à população, o que deflagrou o temor de repercussão negativa nas urnas. Bolsonaro decidiu acionar os ministros Marcelo Queiroga (Saúde) e Paulo Guedes (Economia) para tentar rever o corte no Farmácia Popular.
Diante da repercussão negativa das reduções, Guedes saiu a campo e citou o programa ao sinalizar, nesta quarta-feira (14), uma recomposição dos recursos da Saúde por meio de mensagem modificativa do Orçamento.
Apesar do pedido de Bolsonaro e da sinalização de Guedes, ainda não foi enviada qualquer comunicação formal ao Congresso. Técnicos ressaltam que isso só deve ser feito após as eleições.
A redução significativa nos recursos do Mais Médicos -rebatizado pelo atual governo de Médicos pelo Brasil- também já entrou no radar do Ministério da Saúde como um ponto de alerta, embora os dois programas não sejam os únicos atingidos.
Como mostrou a reportagem, a verba da Saúde para custeio e investimentos sofreu um corte de 42% na proposta para 2023. Para cumprir o gasto mínimo assegurado pela Constituição, o Executivo vai depender das chamadas emendas de relator, instrumento usado como moeda de troca nas negociações com o Congresso. Procurada, a pasta não se manifestou sobre os cortes.
Criado em 2013 pela então presidente Dilma Rousseff (PT), o Mais Médicos estabeleceu um convênio com a Opas (Organização Pan-Americana de Saúde) para levar médicos cubanos ao interior do Brasil para reforçar o atendimento básico de saúde. O programa foi um dos principais alvos da campanha de Bolsonaro em 2018.
O chefe do Executivo prometia remodelar o programa, o que fez apenas neste ano, sob a gestão de Marcelo Queiroga na Saúde. Em abril, o governo convocou os primeiros 529 profissionais do Médicos pelo Brasil, quase três anos após lançar o sucessor do Mais Médicos.
A continuidade de sua implementação no ano que vem, porém, está ameaçada. A verba para o programa caiu de R$ 2,96 bilhões neste ano para R$ 1,46 bilhão na proposta orçamentária de 2023, o que representa uma redução de 50,7%.
O valor também é bem menor que os R$ 4,06 bilhões originalmente solicitados pela pasta, conforme mostram documentos internos da Saúde, para bancar as ações do Mais Médicos e do Médicos Pelo Brasil.
A professora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Ligia Bahia, especialista em saúde coletiva, ressalta que o programa hoje sustenta 18.240 vagas em 4.058 municípios de todo o país -uma cobertura de 73% das cidades brasileiras-, além de 34 distritos sanitários especiais indígenas.
“Com o corte de metade do orçamento, haverá redução de médicos para essas localidades mais distantes ou haverá complementação de recursos?”, questiona a especialista.
O programa Farmácia Popular, por sua vez, distribui medicamentos básicos gratuitamente ou com desconto de até 90% para hipertensão, diabetes, asma, entre outras doenças, por meio de farmácias privadas conveniadas. Criado em 2004, ele também entrega produtos como fralda geriátrica e anticoncepcionais.
A reserva para o programa caiu de R$ 2,48 bilhões neste ano para R$ 1 bilhão em 2023, uma tesourada de 59% no orçamento.
Sob um corte dessa magnitude, técnicos do Ministério da Saúde avaliam que a verba só garante o funcionamento do Farmácia Popular por 4 meses em 2023.
A indústria também tem alertado para os riscos da redução no Farmácia Popular, uma vez que os medicamentos fornecidos são aliados importantes na prevenção ou controle de doenças graves.
Sem acesso a esses remédios, a população pode sofrer prejuízos consideráveis e ainda demandar maior número de atendimentos no SUS (Sistema Único de Saúde), de acordo com a PróGenéricos (Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos e Biossimilares).
A presidente da entidade, Telma Salles, diz que a medida acabará restringindo o acesso da população a 13 tipos diferentes de princípios ativos de remédios, usados no tratamento de diabetes, hipertensão e asma.
“Reduzir verba do programa Farmácia Popular trará prejuízos imensuráveis para todo o sistema de saúde brasileiro. Estamos falando da vida das pessoas. Será oportuno saber como o governo pretende tratar as pessoas que ficarão sem esses medicamentos”, afirmou.
Outras ações do Ministério da Saúde ligadas à entrega de medicamentos também tiveram reduções significativas na proposta orçamentária. O corte líquido nas programações foi de R$ 665 milhões, puxado pelo Farmácia Popular.
O orçamento da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) também foi prejudicado, caindo de R$ 1,64 bilhão para R$ 664,6 milhões entre a proposta de orçamento deste ano e a de 2023 -bem aquém do pedido original de R$ 1,8 bilhão.
A área mais atingida foi a de “promoção, proteção e recuperação da saúde indígena”, com uma redução de R$ 1,4 bilhão neste ano para R$ 591,3 milhões na proposta de 2023. O saneamento básico em aldeias indígenas para prevenção de doenças, por sua vez, teve uma redução de R$ 153,9 milhões para R$ 54,64 milhões.
Há dentro do governo uma preocupação com as ações sociais que foram bastante comprimidas no Orçamento.
Apesar disso, as regras fiscais atuais limitam a ação do governo neste momento. Seria necessário cortar de outra área para respeitar o teto de gastos -que limita o avanço das despesas à inflação.
Mesmo que Bolsonaro, assim como outros candidatos ao Palácio do Planalto, manifestem o desejo de alterar o teto de gastos, isso não basta para permitir a acomodação de novas despesas no Orçamento. Apenas sob uma nova regra fiscal será possível recompor gastos.
Por isso, auxiliares do governo comparam a proposta a uma peça de ficção, pois ela ainda será bastante modificada a partir de novembro, quando deputados e senadores se debruçarem sobre ela e possivelmente discutirem a nova regra fiscal com as eleições já definidas.
O impasse eleitoral enfrentado por Bolsonaro devido ao corte no orçamento do Farmácia Popular é semelhante ao dilema vivido em torno do valor mínimo do programa Auxílio Brasil. Apesar da promessa de Bolsonaro de manter o pagamento de R$ 600 para famílias do programa, a proposta de Orçamento prevê um benefício médio de apenas R$ 405,21.