Estudantes com deficiência visual expõem problemas de acessibilidade em universidades de Goiânia

Relatos apontam problemas estruturais em prédios e calçadas, além de adaptação de material

Emilly Viana Emilly Viana -
Imagem mostra Matheus Fellipe, com fones de ouvido durante aula. (Foto: Reprodução)

Para circular pelo Campus V da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás), Matheus Fellipe, de 22 anos, recorre à companhia dos colegas e amigos. Estudante de Jornalismo, ele tem deficiência visual e, mesmo com anos de estudo na instituição, ainda não sente “confiança para se aventurar sozinho”.

“Só mesmo se for em extrema necessidade, por exemplo, quanto teve uma notícia de uma suspeita de atentado na faculdade. Foi uma das situações em que tive que me virar e foi muito difícil”, narra.

As dificuldades estão principalmente na falta de acessibilidade do local, que vai desde a estrutura dos prédios até a sinalização específica para as pessoas com deficiência visual. “A universidade não tem a identificação em braile nas portas das salas, nem algum direcionamento dos principais locais, por exemplo. Nem piso tátil está instalado”, denuncia.

Além de não se sentir bem-vindo, Matheus constantemente se pergunta se não está invadindo um espaço que não é dele. “Parece que somos um peixe fora d’água, visto que é o direito de qualquer pessoa com deficiência frequentar uma universidade ou qualquer outro lugar que ele queira, não é? Somos normais, somos pessoas”, protesta.

O sentimento é o mesmo para Juliana Santelli, de 22 anos. Recentemente, a estudante da PUC Goiás, que ficou cega em decorrência de um glaucoma congênito, diz ter passado por uma situação desconfortável no Campus V. “Trocaram a minha sala sem me avisar. Estudava nela desde o primeiro período, por uma questão de locomoção mesmo, mas agora está sendo praticamente impossível chegar até a nova sem ajuda de alguém”, afirma.

Ela explica que, embora a troca tenha acontecido por um “motivo nobre”, teve as dificuldades ignoradas pela universidade. “Um outro estudante, que é cadeirante, precisava da sala embaixo para ter essa facilidade. A mudança foi fundamental para ele, e não critico isso, mas fiquei chateada porque só soube quando a mudança aconteceu, não conversaram comigo”, lamenta.

A estrutura do campus é determinante. “Em um piso liso, igual o saguão da faculdade, fica muito difícil andar porque eu não tenho noção de espaço. Não dá para utilizar os elevadores, porque às vezes estão quebrados”, expõe.

Na Universidade Federal de Goiás (UFG), a estudante Ana Beatriz Santiago também está insatisfeita com a acessibilidade para as pessoas com deficientes visuais. “Um dos prédios que estudo tem elevador e é até funcional, mas em outros, pra mim que tenho baixa visão, dá até medo de entrar lá dentro. Tem lugares que o piso tátil está completamente acabado, especialmente nas calçadas internas, com partes que saiu ou com grama”, descreve.

Ela diz que já chegou a cair caminhando pelo Campus Samambaia. “Várias vezes, por causa de desnível. A bengala que uso para me locomover está inclusive torta, porque o caminho para a gente passar não é acessível”, menciona.

Conteúdo inacessível

As dificuldades se estendem ao conteúdo ministrado em sala de aula. “Várias vezes fiquei sem fazer algumas atividades e até a prova no dia, pois o professor não tinha o arquivo digitalizado. Tinha que aguardar algum colega terminar para transcrever as respostas. Nem ler a atividades eles liam. É constrangedor”, diz Juliana.

Na UFG, o estudante Pedro Paulo Lemes, de 18 anos, vive um problema parecido. “Por não terem tantas pessoas com deficiência, falta material e conhecimento dos professores para adaptar o conteúdo. Então às vezes um slide, por exemplo, pode ser uma dificuldade. Eu já tive professores que passam o texto em um formato que no celular não lê, então acabo dependendo dos outros transcreverem pra mim”, relata.

É o apoio da turma que não deixa ele desistir. “Os veteranos ajudam bastante nisso. A minha turma até criou um grupo por conta própria e eles mesmo transcrevem esses textos, porque se depender dos professores mesmo não tem muito o que fazer”, afirma.

Resposta

Em nota, a UFG informou que, para definir a estratégia de apoio de cada estudante no Núcleo de Acessibilidade é realizado o estudo de caso que é uma avaliação multiprofissional feita pela equipe técnica. No caso de estudante com deficiência visual, são ofertados recursos para eliminar barreiras arquitetônicas, informacionais, pedagógicas e atitudinais. A adaptação de material de estudo é realizada pelo Laboratório de Acessibilidade Informacional (LAI).

Na parte arquitetônica, a UFG alega ter, nas construções dos últimos dez anos, o padrão mínimo exigido pela legislação. Contudo, a instituição diz também contar com uma infraestrutura correspondente a mais de cinquenta anos que requer investimentos altos. “Essa realidade é conhecida e já temos os projetos para todas as intervenções necessárias. Contudo, nossa defasagem no financiamento tem sido um impedimento para os investimentos necessários”, diz o texto.

A reportagem também entrou em contato com a PUC Goiás, mas não obteve retorno até o fechamento da matéria.

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