Fragmentação partidária cai quase pela metade no Legislativo
De acordo com cientistas políticos, redução é positiva, porque deixa o sistema mais racional para eleitores e para o governo
UIRÁ MACHADO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A fragmentação partidária do Legislativo brasileiro caiu quase pela metade na eleição deste ano em comparação com os resultados de 2018. A nova tendência é consequência de mudanças nas regras do jogo, como o fim das coligações e a criação da cláusula de desempenho.
De acordo com as cientistas políticas Lara Mesquita e Denise Paiva, essa redução é positiva, porque deixa o sistema político mais racional tanto para o governo como para os eleitores.
Se há menos partidos na Câmara, fica mais fácil para o Poder Executivo compor uma base de apoio em torno de uma agenda programática: uma negociação entre três ou quatro atores é mais promissora do que uma com dez ou 12. Ao mesmo tempo, o eleitor consegue ver com mais clareza o comportamento dos partidos, como votaram, qual sua ideologia, quais pautas defendem etc.
Em contrapartida, pelo resultado dessas eleições, esse novo quadro se construiu sobretudo à custa dos partidos de centro, o que contribui para a polarização da Câmara e a radicalização das pautas.
Para analisar a fragmentação, cientistas políticos não consideram a cifra total de siglas. Por essa conta, a bancada eleita na Câmara também teria diminuído, mas em menor proporção: de 30 para 23 legendas.
Em vez disso, usam o chamado número efetivo de partidos, uma fórmula clássica da ciência política para calcular quantas agremiações de fato têm relevância em uma Casa legislativa -afinal, uma legenda com apenas um deputado não tem o mesmo peso que uma com 99.
Aplicando-se essa fórmula, o número efetivo de partidos na Câmara passou de 16,46 na eleição de 2018 para 9,27 agora (ou 9,93, sem considerar as federações partidárias). Isso significa voltar à fragmentação que existia até 2006; representa, além disso, a primeira queda nesse indicador desde 1998.
A escalada interrompida na eleição deste ano ocorreu porque o Brasil era uma exceção entre os países que adotam o sistema eleitoral proporcional, diz Lara Mesquita, pesquisadora da Escola de Economia de São Paulo da FGV. “Todos adotam algum tipo de cláusula de barreira, uma regra que limite o acesso de partidos ao Parlamento. Isto é, a sigla que não atinge um certo percentual de votos fica sem a cadeira.”
Em 1995, o Congresso até aprovou uma lei nesse sentido, e ela entraria em vigor em 2006. Só que, em dezembro daquele ano, o STF derrubou o mecanismo, por considerá-lo inconstitucional.
Em 2017, o Congresso aprovou uma PEC (proposta de emenda à Constituição) proibindo as coligações nas eleições para o Legislativo e instituindo a cláusula de desempenho, que estabelece percentual mínimo de votos e de deputados eleitos para manter o acesso à propaganda partidária e ao fundo eleitoral.
“Ela não é de barreira, porque não impede acesso ao Congresso. Ela só limita acesso a recursos públicos. Mas funciona, porque não é bom para um deputado ficar num partido sem recursos”, diz Mesquita.
O fim das coligações também leva a uma redução no número de partidos, porque cada agremiação se vê forçada a eleger seus próprios deputados, sem ajuda dos votos obtidos pelas demais legendas coligadas.
Os partidos começaram a se adaptar às novas regras antes mesmo da eleição deste ano, mas precisarão agora tomar decisões a partir das votações que obtiveram. “Os partidos que já eram pequenos e aqueles que encolheram precisarão se fundir ou formar federações, que é uma solução encontrada para garantir a sobrevivência”, diz Denise Paiva, professora titular aposentada da Universidade Federal de Goiás.
Um exemplo típico é o Novo. Surpresa em 2018, o partido tinha oito deputados federais, só elegeu três e não conseguiu superar a cláusula de barreira neste ano. Outros que estão nessa situação são PTB, Pros, PSC, Patriota e Solidariedade.
Paiva chama a atenção para um aspecto negativo nessa reacomodação do quadro partidário: “O encolhimento de centro e o crescimento de uma extrema direita”. Isso é ruim, diz a professora, porque os partidos de centro sempre foram uma âncora desde a redemocratização. “Num momento de polarização, era importante ter esses partidos para equilibrar as forças no jogo político”, afirma.
Ela também destaca a mudança no perfil das elites políticas. Seja por fracasso nas urnas ou questão geracional, saem de cena lideranças que participaram da transição democrática e tiveram protagonismo.
“Não estou dizendo que é melhor nem pior, mas estão saindo políticos que tinham sido recrutados no movimento estudantil, no movimento social e nos sindicatos e, no lugar deles, entram políticos das redes sociais”, diz Paiva. “É a substituição de uma elite conservadora por outra, formada por um grupo com uma agenda de extrema direita que usualmente não tinha tanta visibilidade na cena política brasileira.”