Copom faz 1ª reunião sob Lula pressionado por Planalto e inflação

Apesar do intenso choque de juros promovido pelo BC na tentativa de frear a inflação, incertezas fiscais e ruídos gerados pelo alto escalão do governo –incomodado com o alto patamar dos juros– têm contribuído para a deterioração das projeções sobre preços

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Edifício-sede do Banco Central no Setor Bancário Norte, em lote doado pela Prefeitura de Brasília, em outubro de 1967 (Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

Pressionado por uma piora nas expectativas do mercado financeiro para a inflação, o Banco Central deve manter nesta quarta-feira (1º) a taxa básica de juros (Selic) em 13,75% ao ano na reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) –a primeira desde que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tomou posse.

Apesar do intenso choque de juros promovido pelo BC na tentativa de frear a inflação, incertezas fiscais e ruídos gerados pelo alto escalão do governo –incomodado com o alto patamar dos juros– têm contribuído para a deterioração das projeções sobre preços.

Para Tony Volpon, ex-diretor do BC, a atenção estará toda voltada para a comunicação da autoridade monetária sobre a piora nas expectativas. “O mercado espera que isso seja endereçado de alguma maneira”, afirma. “O grande ponto desse Copom é o que o BC vai dizer sobre as expectativas de 2024, 2025. Tudo lá na frente tem subido bastante nessas últimas semanas no [boletim] Focus.”

A pesquisa Focus, que capta a percepção dos economistas da iniciativa privada, mostra que a projeção para o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) para este ano saltou de 5,08% desde o encontro anterior do colegiado, em dezembro de 2022, para 5,74% no dado divulgado na última segunda-feira (30).

Isso indica que as expectativas para 2023 já se encontram quase 1 ponto percentual acima do teto da meta de inflação. Os alvos centrais estabelecidos pelo CMN (Conselho Monetário Nacional) são 3,25% em 2023 e 3% em 2024 e 2025, com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou menos.

Para 2024, período de maior relevância para a atuação do BC hoje, a expectativa passou de 3,5% para 3,9% em quatro semanas –já acima do objetivo central a ser perseguido. A piora na percepção do mercado também se refletiu em projeções de prazos mais longos, mesmo nos anos que ainda não estão na mira do Copom.

O movimento se dá na esteira da perspectiva de alta nos preços administrados com a possível reoneração de tributos federais sobre gasolina e etanol a partir de março. De acordo com o ministro Fernando Haddad (Fazenda), “até o presente momento” não há nenhuma nova decisão sobre o tema.

Um dos primeiros atos do novo governo Lula foi o envio de uma medida provisória prorrogando a desoneração dos tributos federais sobre combustíveis até o fim de fevereiro.

“O mais provável é que tenhamos um recuo das taxas de inflação até meados do ano e, no período de julho a setembro, a inflação em 12 meses deverá subir”, projeta o economista Heron do Carmo, professor da FEA-USP (Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo).

A alta será sentida frente ao ano passado, quando houve três meses consecutivos de deflação (de julho a setembro). A queda nos preços naquele período foi impulsionada pelos cortes de impostos sobre combustíveis, energia elétrica e outros itens.

A redução na carga tributária se deu em meio aos planos de reeleição de Jair Bolsonaro (PL), que acabaram frustrados pela derrota para Lula nas urnas.

Caio Megale, economista-chefe da XP Investimentos e ex-assessor no Ministério da Economia, espera que o Copom fale sobre a importância das expectativas inflacionárias nos próximos passos do BC.

Diante da piora do cenário, ele projeta que a autoridade monetária mantenha a Selic no atual patamar de 13,75% ao longo de todo o ano. “Acho difícil o BC, que está olhando para 2024, com projeções de mercado de inflação acima [do centro da meta] e subindo, conseguir cortar taxas de juros [neste ano]”, diz.

O economista viu diminuir a possibilidade de redução da Selic no curto prazo com a aprovação da PEC (proposta de emenda à Constituição) que autorizou a ampliação de despesas em R$ 145 bilhões em 2023, além de autorizar R$ 23 bilhões em investimentos fora da regra fiscal e outras medidas.

“O tamanho da PEC, para mim, foi muito importante nessa definição porque ele determinou o nível de despesas bem mais alto permanentemente e sinalizou uma pré-disposição do governo a uma política fiscal mais expansionista”, afirma.

Para Megale, o espaço para redução da taxa básica pode aparecer no ano que vem se a situação fiscal se mostrar mais equilibrada com o desenho da regra que substituirá o teto de gastos –mecanismo que limita o crescimento das despesas públicas à inflação registrada no ano anterior e tem previsão de ser substituído.

Até o momento, há elevada incerteza sobre o novo arcabouço fiscal –a proposta deve ser apresentada até abril, de acordo com a previsão do governo. “Esse marco, se bem feito, é o que vai dar o espaço para o corte de juros em 2024”, projeta.

Na opinião de Sergio Werlang, ex-diretor de Política Econômica do BC e assessor da presidência da FGV (Fundação Getulio Vargas), a autoridade monetária deveria continuar insistindo na questão fiscal.

“É papel do BC dizer: ‘se vocês ficam dando estímulo na demanda, complicando a minha vida, vou ter de manter essa taxa por mais tempo’. É a mensagem que ele tem de passar mesmo”, afirma.

Ele também ressalta que o adiamento do corte de juros já está de novo na conta dos economistas. “A grande maioria estava achando que em meados do ano já começaria a ter cortes, agora já estou vendo [essa expectativa ser recalibrada para] o terceiro ou o quatro trimestre.
Com essa pressão toda de gastos, o BC vai ter mais pressão de demanda, isso vai aumentar a inflação, vai forçar com que ele mantenha os juros mais altos por mais tempo”, diz.

GLOSSÁRIO

Taxa básica de juros

A taxa Selic é a referência para os demais juros da economia. Trata-se da taxa média cobrada em negociações com títulos emitidos pelo Tesouro Nacional, registradas diariamente no Selic (Sistema Especial de Liquidação e de Custódia)

Taxa real de juros

Considera uma taxa nominal, a Selic, por exemplo, descontada a inflação

Taxa real ex-ante

Calculada olhando para a frente (taxa esperada), com base nas projeções para juros e inflação. É a mais relevante para a política monetária, pois influencia decisões futuras de investimento e consumo

Taxa real ex-post

Calculada olhando para trás (taxa verificada), com base nos juros e inflação nos últimos 12 meses, por exemplo. Serve para avaliar um investimento já realizado

Taxa neutra ou taxa de juros estrutural

Aquela que mantém a inflação na meta e o crescimento do PIB igual ao seu potencial. Só pode ser obtida a partir de estimativas.

Taxa de juros real efetiva

Diferença entre a taxa real e a taxa neutra. Quando a taxa de juros real efetiva está positiva (taxa real acima da neutra), a política monetária é contracionista: contém a atividade econômica e contribui para a redução da inflação. Se for negativa (taxa real abaixo da neutra), ela impulsiona a atividade econômica e contribui para o aumento da inflação
Copom (Comitê de Política Monetária)

Órgão do Banco Central, formado pelo seu presidente e diretores, que define, a cada 45 dias, a taxa básica de juros da economia, a Selic

IPCA

Indicador medido pelo IBGE que serve como meta de inflação. A meta é definida pelo Conselho Monetário Nacional, órgão que tem a participação do BC, do ministro da Fazenda ou Economia e de outros membros da equipe econômica. A meta para 2023 é de 3,25%, com limite de 4,75%. Para 2024 e 2025, a meta prevista é de 3%, com limite de 4,5%

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