Ultraliberal Javier Milei rompe polarização na Argentina e é eleito presidente

Após uma ascensão meteórica na política, o economista e deputado conseguiu 55,76% dos votos válidos

Folhapress Folhapress -
Javier Milei venceu as eleições na Argentina. (Foto: Folhapress/Augustin Marcarian)

JÚLIA BARBON – BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – O ultraliberal Javier Milei, 53, rompeu a polarização argentina, consolidou sua nova força política e foi eleito presidente do país neste domingo (19). Em votação histórica, o outsider superou o ministro da Economia Sergio Massa, impondo ao peronismo sua quarta derrota em 40 anos de democracia.

Após uma ascensão meteórica na política, o economista e deputado conseguiu 55,76% dos votos válidos, contra 44,23% do rival com 97,48% das urnas apuradas.

A participação foi de 76%, número abaixo dos índices registrados no primeiro turno em outubro (77%) e acima do das eleições primárias em agosto (69%).

Milei vai ocupar a Casa Rosada pelos próximos quatro anos a partir de 10 de dezembro, quando o país completa 40 anos ininterruptos de democracia. O peronista Alberto Fernández, atual chefe de Massa, se despede do cargo reprovado por oito em cada dez argentinos e levando a fama de presidente ausente.

Esse resultado mostra que o descontentamento da população com a situação atual do país superou a capilarizada máquina peronista e o medo do extremismo do rival, explorado pela campanha governista com a ajuda de um equipe de publicitários brasileiros ligados ao PT. As outras três vezes em que a força política perdeu foram em 1983, 1999 e 2015.

“Obviamente os resultados não são os que esperávamos”, disse Massa, ao reconhecer a derrota. “Entrei em contato com Javier Milei para parabenizá-lo. A partir de amanhã a responsabilidade de prover certeza pertence a Milei.”

O bunker em que estavam o peronista e seus apoiadores foi esvaziado em menos de 40 minutos após o anúncio da vitória de Milei.

O clima dentro e fora do hotel onde o presidente eleito recebeu os resultados era de final de campeonato. Emocionados, seus apoiadores se abraçaram, pularam e cantaram, jogando as cédulas de papel com o rosto do candidato para cima. Entre eles estava o deputado estadual Bruno Engler (PL-MG): “Viemos acompanhar”, disse.

Agora, o libertário terá como principal desafio resolver a terceira grande crise econômica vivida pela nação no período democrático, com uma inflação de mais de 140% anuais, pesos que derretem nas mãos e a pobreza em alta. Para isso, propõe medidas radicais como a dolarização e o fechamento do Banco Central, alvo de críticas de diferentes lados.

Ele também pretende enxugar ao máximo a máquina pública, extinguindo ministérios como Cultura, Mulheres e Ciência e Tecnologia e privatizando grandes empresas estatais. Ainda não está claro o que ele fará com a ampla gama de subsídios e programas sociais que hoje aliviam o bolso do argentino, cada vez mais empobrecido.

O ultraliberal terá que colocar em prática suas promessas disruptivas tendo apenas 38 dos 257 deputados e 7 dos 72 senadores de sua aliança A Liberdade Avança no Congresso. Resta saber se o apoio da centro-direita do ex-presidente Mauricio Macri e da ex-rival Patricia Bullrich na reta final das eleições se traduzirá em governabilidade.

Restam dúvidas ainda sobre como será daqui para frente a relação com o Brasil, maior parceiro comercial da Argentina. Enquanto candidato, Milei chegou a dizer que sairia do Mercosul e não se reuniria com Lula (PT), a quem chamou de comunista e corrupto, defendendo que as relações privadas entre empresas não seriam afetadas.

Pouco após o anúncio do resultado, Lula fez uma publicação nas redes sociais sem mencionar o nome de Milei. “A democracia é a voz do povo, e ela deve ser sempre respeitada. Meus parabéns às instituições argentinas pela condução do processo eleitoral e ao povo argentino que participou da jornada eleitoral de forma ordeira e pacífica”, escreveu.

“Desejo boa sorte e êxito ao novo governo. A Argentina é um grande país e merece todo o nosso respeito. O Brasil sempre estará à disposição para trabalhar junto com nossos irmãos argentinos.”

Já o ex-presidente Jair Bolsonaro, com quem Milei é frequentemente comparado, disse que “a esperança volta a brilhar na América do Sul”.

“Que esses bons ventos alcancem os Estados Unidos e o Brasil para que a honestidade, o progresso e a liberdade voltem para todos nós.”
A curto prazo, a vitória do libertário traz apreensão no país sobre o que acontecerá a partir desta terça (21) com o dólar paralelo, que rege os preços e a vida na Argentina —os mercados estarão fechados nesta segunda (20) pelo feriado do Dia da Soberania Nacional.

Com a promessa da dolarização, é possível que haja uma nova corrida à moeda americana, o que costuma fazer seu valor subir, os preços perderem a referência, e a venda de muitos produtos duráveis ser paralisada. Diante desse temor, os argentinos que podiam já encheram o colchão ou os cofres dos bancos com a divisa nas últimas semanas.

Milei foi eleito neste domingo após uma campanha agressiva, com insultos ao papa Francisco, xingamentos aos adversários e negação da cifra de 30 mil mortos e desaparecidos na ditadura militar, num país que tem a memória como forte pilar. Após a vitória de Massa no primeiro turno, porém, ele foi se moderando.

Passou a negar, por exemplo, que acabará com os subsídios, a educação e a saúde públicas, como já defendeu não muito tempo atrás. Por outro lado, preservou os fortes discursos contra o que chama de “casta política” há muitos anos no poder, conseguindo atrair o eleitor irritado com o peronismo e o kirchnerismo.

Milei passou grande parte da sua vida atuando como economista de empresas privadas e professor universitário, mas irrompeu na cena pública ao xingar políticos e defender suas ideias ultraliberais como comentarista na TV. Viralizou nas redes sociais, foi eleito deputado nacional em 2021 e desde então se catapultou à Presidência, que finalmente conquistou neste domingo.

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