Lula deixa em 2º plano minorias e pautas progressistas em meio a pressões

Auxiliares palacianos alegam que preocupação em contemplar esses grupos com políticas públicas está de forma transversal nas pastas

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O presidente Lula passa em revista a tropa em frente ao Comando da Aeronáutica, em maio – (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress)

MARIANNA HOLANDA E RENATO MACHADO

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O presidente Lula (PT) subiu a rampa presidencial com representantes da sociedade —negro, trabalhador, mulher, pessoa com deficiência, indígena e criança—, num simbolismo da representatividade que levaria ao seu governo.

Além disso, carregou para dentro do Palácio do Planalto e para seus discursos a defesa de pautas progressistas e de esquerda, sobretudo a grupos minoritários. Mas esses temas ficaram em segundo plano no seu primeiro ano de governo.

Lula recriou ministérios, deu visibilidade a temas e anunciou projetos e programas importantes para esses segmentos. No entanto, quando os interesses se chocaram com outras prioridades, mulheres, negros, LGBTQIA+ e indígenas saíram perdendo na disputa.

Auxiliares palacianos alegam que a preocupação em contemplar esses grupos com políticas públicas está de forma transversal em todas as pastas.

Destacam que a aprovação do petista não está em patamar que lhe garanta tocar pautas progressistas caras ao seu eleitorado, mas que geram desgaste com o restante da população.

Além disso, são temas que enfrentam resistência em um Congresso de composição mais conservadora, no momento em que o governo busca o apoio para aprovar a pauta econômica do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

De acordo com pesquisa Datafolha divulgada em 7 de dezembro, Lula manteve sua avaliação estável. O petista fecha o ano com 38% de aprovação dos brasileiros, enquanto 30% consideram seu trabalho regular, e o mesmo número, ruim ou péssimo.

A posse de Lula foi repleta de simbolismos, incluindo a imagem do petista subindo a rampa ao lado da primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, e de representantes do povo brasileiro —gesto que ocorreu porque o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) se recusou a participar da tradicional cerimônia de passagem de faixa.

Acompanharam Lula o cacique Raoni; o artesão Flávio Pereira; a catadora Aline Sousa; o professor Murilo de Quadros Jesus; o metalúrgico e DJ Weslley Rodrigues Rocha; o ativista anticapacitista e influenciador Ivan Baron; a cozinheira Jucimara Fausto dos Santos; e Francisco Carlos do Nascimento e Silva, um estudante de 10 anos, morador de Itaquera.

No discurso, Lula prometeu combater as desigualdades, sendo essa a sua principal bandeira ao longo do ano, ressaltada na maioria das falas públicas.

Um dos pontos levantados foi o das mulheres, que o ajudaram a derrotar Bolsonaro, uma vez que essa fatia do eleitorado manteve alta rejeição ao então presidente durante a campanha.

Lula criou o Ministério da Mulher, sob o comando de Cida Gonçalves, e editou a lei da igualdade salarial. Por outro lado, foi criticado ao não indicar uma mulher para o STF (Supremo Tribunal Federal).

Com direito a escolher dois nomes, ele priorizou aliados, o advogado Cristiano Zanin e o ministro da Justiça, Flávio Dino. Por consequência, diminuiu o número de mulheres no Supremo, uma vez que a segunda vaga era para o lugar de Rosa Weber, que se aposentou neste ano.

Lula começou o ano com recorde de 11 ministras em 37 pastas, e termina com 9 mulheres titulares e 38 ministérios.
Trocas ocorreram para acomodar aliados do centrão, num movimento de pragmatismo do presidente. Ele demitiu Ana Moser (Esportes), para acomodar André Fufuca (PP-MA), e Daniela Carneiro, para entrar Celso Sabino (União Brasil-PA).

Lula nomeou, pela primeira vez, mulheres para o comando de bancos públicos, Rita Serrano (Caixa Econômica Federal) e Tarciana Medeiros (Banco do Brasil). Mas demitiu a primeira para dar lugar ao funcionário de carreira Carlos Vieira, aliado do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

O presidente atribuiu a queda na representatividade aos partidos políticos, que nem sempre teriam mulheres para indicar aos cargos, segundo ele.

Em outra frente, o chefe do Executivo neste ano fez a titulação de territórios quilombolas, após anos sem reconhecimento sob a gestão de Bolsonaro.

Ao nomear Flávio Dino, que se autodeclara pardo, para a segunda vaga do STF, ele contemplou a indicação de um negro (pretos e pardos), ainda que esse não tenha sido critério principal para a escolha.

A mesma classificação, por outro lado, levou o governo a uma saia justa. No fim de março, em uma cerimônia no Palácio do Planalto, Lula assinou um decreto prevendo cotas para negros em cargos de chefia na administração federal.

No entanto, como mostrou a Folha de S.Paulo, um detalhe no texto resultou que as metas anunciadas não tenham efeito prático, pois já estavam praticamente cumpridas no momento do anúncio.

O decreto reserva 30% das vagas em cargos de comissão para negros na administração pública federal direta, autarquias e fundações. O prazo para o atendimento da meta é dezembro de 2025.

O critério é a autodeclaração. O texto utiliza o conceito de negro que abrange pretos e pardos. Mas, por esse critério, as metas estabelecidas pelo governo já estão praticamente cumpridas —isso porque os pardos já representam grande fatia dessa meta, sendo pretos minoria.

Integrantes do governo alegam, entre outras coisas, que a importância é criar um critério que seja mantido além de governos.

Quanto aos direitos indígenas, o Congresso retirou a prerrogativa da demarcação de terras do Ministério dos Povos Indígenas, ao qual a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) está vinculada, e a passou para o Ministério da Justiça.

À época, o governo teve de negociar muitos pontos com parlamentares, sobretudo do centrão, e lideranças indígenas se queixaram de que o Planalto as rifou nesse processo.

Também numa briga de estica e puxa com deputados e senadores, o governo atendeu aos interesses indígenas ao vetar o marco temporal. Mas parte dos vetos foi derrubada pelo Congresso.

Lula ainda termina o ano sem recriar a Comissão de Mortos e Desaparecidos, que indeniza familiares de vítimas da ditadura militar.

A volta do grupo, extinto pelo ex-presidente, enfrenta resistência dos militares, com quem o petista buscou apaziguar e normalizar as relações.

Integrantes da base de Lula no Congresso demandam maior atenção a essas pautas, apesar de dizerem que houve avanços importantes nos últimos 12 meses, em particular em comparação aos anos anteriores.

“Este primeiro ano de governo Lula representa um período de reconstrução literal do Brasil, visto que políticas públicas essenciais foram desconstruídas nos últimos quatro anos de governo Bolsonaro”, disse a deputada Daiana Santos (PC do B-RS).

“É por isso que a visibilidade e o próprio espaço dentro de um governo são importantes. Para termos políticas em defesa da nossa população, primeiro temos que ser reconhecidos como sujeitos de direito. Além de [haver] ministras e pessoas em espaço de poder”, completou.

Já a deputada Talíria Petrone (PSOL-RJ) destaca a criação do Ministério da Igualdade Racial e o programa de políticas afirmativas, entre outros pontos. Por outro lado, critica a falta de indicações de pessoas negras para cargos-chave, como ao STF.

“A gente precisa mudar a fotografia do poder no Brasil e, sem dúvida, a gente ter diferentes Poderes com mais pessoas negras. Infelizmente, a gente vai ter um Supremo sem uma pessoa negra”, admitiu.

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