Espanha retira sua embaixadora da Argentina após Milei atacar governo em Madri

Espanha exige um pedido de desculpas, que o governo de Milei já reiterou que não ocorrerá

Folhapress Folhapress -
javier milei
Presidente da Argentina, Javier Milei. (Foto: Reprodução/Captura de vídeo)

MAYARA PAIXÃO

BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – O tom pouco diplomático que o presidente da Argentina, Javier Milei, adota para se referir a desafetos internacionais gerou sua maior consequência até aqui: o governo da Espanha anunciou nesta terça-feira (21) a retirada de sua embaixadora de Buenos Aires.

O presidente ultraliberal deflagrou aquela que vem sendo considerada a mais grave crise diplomática com Madri na história recente quando criticou, em solo espanhol, o governo local e, na sequência, disparou mais ataques aos governantes em suas redes sociais.

O imbróglio se estendeu desde o último domingo (19), até que o chanceler espanhol, José Manuel Albares, anunciou a retirada definitiva da embaixadora María Jesús Alonso de Buenos Aires.

Ele já havia a convocado para consultas, o que no rito diplomático é sinal de uma grave reprimenda, e também chamou o embaixador argentino em Madri para uma conversa. A Espanha exige um pedido de desculpas, que o governo de Milei já reiterou que não ocorrerá.

Ao LN+, canal do La Nacion, o argentino classificou a decisão de “um disparate próprio de um socialista arrogante”, referindo-se ao premiê Pedro Sánchez, do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE). Ele diz que não há planos de retirar o embaixador argentino em Madri como resposta.

Durante o fim de semana, o chefe da Casa Rosada esteve em Madri e ignorou a possibilidade de encontros com autoridades do governo socialista de Sánchez. No lugar, afagou a ultradireita local, personificada no partido Vox, e abriu uma crise diplomática.

Em discurso em um evento do grupo, fazendo menções críticas ao socialismo e a elites políticas, ele fez também uma menção indireta à esposa de Sánchez, Begoña Gómez, alvo de uma investigação sobre tráfico de influências que quase derrubou o marido do cargo.

Milei se referiu a um político “que tinha mulher corrupta”, em uma fala entrecortada e confusa. Ele disse: “As elites globais não percebem o quão destrutiva pode ser a implementação das ideias do socialismo, não sabem que tipo de sociedade e país podem produzir, e que tipo de pessoas apegadas ao poder e que níveis de abuso podem gerar. Quero dizer, mesmo que tenha a mulher corrupta, por assim dizer…”

O argentino foi amplamente aplaudido e agora tem apregoado que sua ida à Espanha apenas comprovou que ele é “o máximo expoente da liberdade a nível mundial”, como disse em entrevista ao canal TN.

Pouco depois, o chanceler espanhol afirmou que não havia precedente do tipo na relação Espanha-Argentina e que Milei respondeu a “hospitalidade e boa fé” ofertados para recebê-lo em Madri com “um ataque frontal à democracia e às instituições”.

“O respeito mútuo e a não interferência em assuntos internos são princípios fundamentais das relações internacionais, e é inimaginável que um presidente em exercício visite a Espanha e ofenda o governo da Espanha”, seguiu o ministro em entrevista coletiva.

Já nesta terça, ele afirmou que “não existem precedentes de um chefe de Estado que vá à capital de outro pais para insultar suas instituições e fazer uma interferência flagrante em assuntos internos”.

O próprio Sánchez se manifestou, afirmando que o episódio certamente não reflete a opinião dos argentinos, mas “mostra o risco que uma internacional ultradireitista representa para sociedades como a espanhola, que sustentam a democracia com pilares de progresso econômico, justiça social e convivência”.

Enquanto isso, em Buenos Aires, ministros e porta-vozes de Milei reiteravam que ele não atacou o governo de Sánchez. “Ele não nomeou Pedro Sánchez nem absolutamente ninguém do governo espanhol. Vestiram a carapuça e relacionaram o que disse Milei à esposa de Sánchez”, afirmou o porta-voz Manuel Adorni.

Há muito caldo na relação Madri-Buenos Aires desde que Milei assumiu a Casa Rosada, em dezembro. Há poucas semanas, um dos ministros de Sánchez sugeriu que o presidente argentino fazia uso de drogas.

Em Buenos Aires, houve muitas críticas a Milei, notadamente pela oposição, por abrir um conflito diplomático com um dos países de relação mais sólida com a Argentina. Mas, entre as conversas do governo e mesmo da chancelaria argentina, predomina a visão de que comentários pessoais feitos por presidentes não deveriam ser desculpas para arruinar relações comerciais entre diferentes países.

Além de uma carga histórica relevante entre os dois países, desde a colonização, há, é claro, o peso econômico. A Espanha pode não estar entre os principais sócios comerciais da Argentina (em março, por exemplo, aparecia na posição 15ª de um ranking com Brasil, China e EUA à frente), mas tem enorme peso e investimentos.

Segundo os últimos relatórios oficiais de investimento externo na Argentina, o país europeu é responsável por cerca de 15% do total de investimentos no país, ocupando o segundo lugar numa lista liderada pelos EUA, com cerca de 19%. O temor de que a crise diplomática possa escalar para um rompimento definitivo das relações bilaterais se explica, em grande parte, por esses números.

Milei em outras ocasiões já trocou duras farpas com líderes como o presidente da Colômbia, o esquerdista Gustavo Petro, no X. Depois enviou a Bogotá sua chanceler, Diana Mondino, para amortizar a confusão e inclusive emitiu uma carta junto ao governo colombiano afirmando que as relações bilaterais seguiam as mesmas.

Também com o presidente Lula (PT) Milei chegou a subir o tom, quando ainda em campanha disse que o petista era um corrupto e que com ele não se reuniria. Mondino já fez três visitas ao Brasil, duas delas a Brasília para se reunir com o chanceler Mauro Vieira, e, ao menos a nível comercial, a relação entre os dois países não foi afetada.

A crise com a Espanha ainda pode ter outros capítulos. Se nada for alterado na agenda presidencial, Milei voltaria a Madri em junho para receber uma premiação de um instituto liberal. Antes, ele passaria pela Itália, onde a primeira-ministra Giorgia Meloni, outro nome de peso da direita global, convidou-o para participar da cúpula do G7.

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