Imigrante libanesa, chef de cozinha conta como fugiu da guerra e construiu vida em Anápolis há mais de 60 anos

Em entrevista ao Portal 6, Huda Naoum Homsi relembrou como a cidade era antigamente e como mantém vivas as tradições árabes

Davi Galvão Davi Galvão -
Huda Naoum Homsi, que celebra aniversário junto com Anápolis, construiu na cidade uma bela história e ainda mantém viva as origens árabes. (Foto:  Arquivo Pessoal/Huda Homsi)
Huda Naoum Homsi, que celebra aniversário junto com Anápolis, construiu na cidade uma bela história e ainda mantém viva as origens árabes. (Foto: Arquivo Pessoal/Huda Homsi)

31 de julho. Muitos anapolinos quase que instantaneamente reconhecem a data como o aniversário da cidade, prestes a completar 117 anos, sendo que, neste mais de um século de história, também é fácil perceber as raízes árabes no município.

Talvez, quase que poeticamente, a data também marca a celebração de mais um ano de vida da libanesa Huda Naoum Homsi. Se aproximando dos 69 anos, a imigrante, em entrevista ao Portal 6, contou um pouco mais sobre a relação dela com as origens da cidade, na qual morou por quase toda a vida.

“Nasci em Trípoli, no Líbano, mas com uns três anos vim para Anápolis. Meus tios já tinham comércio aqui e a gente precisou fugir de lá por conta da revolução turca, em 1958”, relembrou.

Apaixonada por livros e literatura, especialmente em conhecer novos idiomas, Huda contou que “devorava” livros quando mais nova, costume que permanece até hoje em dia. Na primeira estadia em Anápolis, ela cursou até o terceiro ano do fundamental no Colégio Couto Magalhães.

Porém, em 1964, ano no qual instaurou-se a ditadura militar no brasil, teve de retornar para o Líbano, onde permaneceu até os 21 anos. Nesse meio tempo, recebeu o equivalente a um diploma de ensino médio brasileiro na Tripoli Girls’ School e também se especializou na área de alfabetização infantil, dada a paixão que sempre teve pelo ensino e estudo de idiomas.

Autodidata, retornou ao Brasil definitivamente em 1976, já dominando o árabe, francês, inglês e o português. Ela conta que, naquela época, Anápolis era uma cidade completamente diferente, não apenas nas ruas de terra e ausência de grandes construções, mas também nos costumes da população.

“Não tinha essas bebidas alcoólicas, esse estilo dos jovens de hoje. A gente ia pro Jockey Club, no carnaval era brincadeira, não tinha essas coisas de hoje em dia, de perigosas. Era uma época onde tinha mais liberdade, né? A gente podia sair para andar na rua, sentar na pracinha e tocar um violão, era muito mais pacato”, relembrou.

Foi justamente graças a essa tranquilidade e estilo de vida que ela conheceu, em 1978, Bedran Afif Homsi, que viria a ser o companheiro e marido por mais de 20 anos.

Fotografia de Huda e do marido Bedran, já falecido. (Foto: Arquivo Pessoal/Huda Homsi)

“Na época eu e minhas amigas ficávamos na rua, cantando músicas, tocando e os rapazes domingo à tarde passeavam na cidade, então a gente sabia, né, quem eram os solteiros. Nisso, eu conheci o Bedran, ele era uns cinco anos mais velho que eu, daí começamos a sair, ficamos noivos e casamos em 79”, disse.

E assim, vivendo a vida na cidade, veio a primogênita, Carol, seguida por outros três garotos que, tal qual a mãe, sempre receberam muito apoio na educação e também, desde cedo, aprenderam uma segunda língua.

Registro dos quatro filhos de Huda: Carol, George, Felipe e André. (Foto: Arquivo Pessoal/Huda Homsi)

“Assim que tive meus filhos, dediquei tudo de mim para eles e não me arrependo de nada, tenho orgulho de cada um deles. Talvez se eu não tivesse me casado, tido uma família, eu seguisse na área da educação, do estudo de línguas, mas não me arrependo de nada, faria tudo de novo. Eles são meu maior tesouro”, garantiu, emocionada.

E assim, por muito tempo, Huda auxiliou o marido nas atividades comerciais, que garantiam o sustento da família, mas sem nunca abandonar completamente o apego ao conhecimento e estudos.

Aliado a isso, também dividia o tempo com a paixão que tinha pela culinária libanesa, a qual aprendeu com a avó e segue na área até os dias atuais, mantendo a cultura de onde veio sempre viva.

“Foi minha vó que me ensinou, porque até pouco antes de eu casar, minha mãe não deixava eu encostar em nada na cozinha. Aí um dia meus pais viajaram e minha vó falou que era a hora de aproveitar, e foi aí que eu tive o meu primeiro contato, com os pratos típicos de onde eu vim”, relatou.

E assim, aperfeiçoando cada vez mais as receitas e após – muita – insistência do filho Felipe, em 2003, ela resolveu se dedicar mais à área, na qual atua e é reconhecida nacionalmente. Além do serviço de buffet, Huda ministra cursos e também oferece aulas particulares, nas quais compartilha um pouco do conhecimento adquirido.

Além do serviço de buffet, Huda também ministra aulas e cursos de culinária árabe. (Foto: Arquivo Pessoal/Huda Homsi)

“As minhas esfirras hoje saem muito, muito mesmo, foram quase dois anos para aperfeiçoar a receita. Mas faço de tudo, quibe, charutos, tortas, fattouches e muitos pratos autorais também. Já tive restaurantes de alto padrão em São Paulo encomendando receitas minhas, é muito gratificante ter esse trabalho reconhecido”, garantiu.

Tamanha foi a paixão que Huda também se graduou em gastronomia, aos 64 anos, na UniEvangélica, realizando esse sonho de longa data.

Esfirras de Huda preservam a tradição árabe e foram aperfeiçoadas ao longo dos anos. (Foto: Arquivo Pessoal/Huda Homsi)

“Anápolis para mim foi tudo. Não é como se eu tivesse sido obrigada a ficar aqui, eu conheci outros lugares, viajei bastante, mas foi aqui que eu escolhi. Criei meus filhos, me casei, tenho uma família que eu amo com tudo. Sou muito grata por ter vindo para Anápolis e criado raízes aqui”, disse, por fim.

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