Ativistas ambientais são condenados de 4 a 5 anos de prisão no Reino Unido, em pena recorde
Penas foram as mais longas já atribuídas a envolvidos em protestos não violentos no Reino Unido
GIULIANA MIRANDA
Cinco ativistas ambientais vinculados ao grupo Just Stop Oil foram condenados pela Justiça britânica à prisão por conspiração para causar transtorno público. O grupo participou da organização de uma manifestação que bloqueou parcialmente a autoestrada M25, uma das mais movimentadas da Inglaterra, durante quatro dias em novembro de 2022.
Na sessão que encerrou o julgamento, que durou duas semanas, o juiz afirmou que os réus haviam “cruzado, há algum tempo, a linha que separa ativistas preocupados de fanáticos”.
As penas foram as mais longas já atribuídas a envolvidos em protestos não violentos no Reino Unido.
Quatro ambientalistas foram condenados a quatro anos de detenção cada: Daniel Shaw, 38, Louise Lancaster, 58, Lucia Whittaker de Abreu, 34, e Cressida Gethin, 22.
Já Roger Hallam, 57, cofundador do grupo Just Stop Oil, organização que nos últimos anos liderou diversos protestos de larga escala pedindo o fim do uso de combustíveis fósseis para evitar a catástrofe climática no planeta, foi sentenciado cinco anos de prisão.
A pena mais dura para Hallam foi justificada por seu papel de liderança na organização do movimento. Dirigindo-se ao cofundador do grupo, o juiz Christopher Hehir afirmou que, na sua avaliação, o ambientalista estava “no nível mais alto da conspiração.”
Os cinco participaram de uma reunião virtual no Zoom em que discutiram detalhes da organização do protesto na autoestrada e buscaram atrair apoio à ação. Um jornalista do tabloide britânico The Sun se infiltrou na videochamada e gravou parte de seu conteúdo. O material foi então fornecido à polícia.
Durante o encontro, o cofundador da Just Stop Oil afirmou que o objetivo do protesto era causar “a maior disrupção na história moderna britânica”. Os ativistas pretendiam forçar o governo a ceder em uma das principais demandas da organização à época, o fim da exploração de petróleo e gás no mar do Norte.
Os protestos causaram transtornos na autoestrada durante quatro dias e, segundo a promotoria, resultaram em prejuízos financeiros e sociais. Houve ainda a colisão de dois caminhões e um acidente com uma motocicleta da polícia.
O juiz criticou a postura dos ativistas. “Vocês se nomearam como os únicos árbitros do que deveria ser feito sobre as mudanças climáticas, não vinculados pelos princípios da democracia nem pelo Estado de Direito.”
“O fanatismo de vocês fez com que estivessem completamente indiferentes aos direitos dos demais cidadãos”, completou.
Durante o julgamento, a defesa argumentou para o juiz e para os jurados que as ações foram motivadas pela preocupação com a grave crise climática enfrentada pelo planeta, impulsionada pela emissão de gases-estufa. O grupo ficou conhecido também pelos protestos em museus -o quadro “Girassóis”, de Van Gogh, foi um dos alvos de sopa de tomate em pó lançada por ativistas- e, mais recentemente, por jogar tinta no monumento Stonehenge.
Embora tenha reconhecido a existência de consenso social e científico sobre a responsabilidade humana na crise provocada pelo aquecimento global, o magistrado decidiu que o júri não deveria levar em conta evidências da destruição climática.
O juiz também não permitiu a convocação de algumas testemunhas de defesa escolhidas pelos ativistas, incluindo especialistas em questões climáticas.
A sentença foi criticada por diversas organizações não governamentais, especialistas em clima e também por Michel Forst, relator especial da ONU (Organização das Nações Unidas) para os defensores da causa ambiental.
Presente nos dois dias finais do julgamento, Forst criticou o embasamento da acusação e a pena de prisão atribuída aos ambientalistas. “Como uma sentença dessa magnitude pode ser razoável, proporcional ou servir a um propósito público legítimo é incompreensível.”
“A gravidade da decisão de sentença torna-se evidentemente clara quando consideramos o ato pelo qual o sr. Shaw foi condenado: ele participou de uma chamada no Zoom que discutiu mudanças climáticas e a organização de um protesto ambiental pacífico”, afirmou.
“Em outras palavras, a decisão de hoje do juiz Hehir no tribunal de Southwark significa que, no Reino Unido, a participação em uma chamada no Zoom que discute protestos pacíficos -no caso do sr. Shaw, para pedir o fim da emissão contínua de licenças de petróleo e gás no Reino Unido- expõe os participantes da chamada ao risco de uma longa sentença de prisão.
Em fevereiro, o relator especial da ONU já havia se posicionado quanto ao endurecimento da postura de vários países em relação aos protestos ambientais.
“A repressão que os ativistas ambientais que usam a desobediência civil pacífica enfrentam atualmente na Europa é uma ameaça grave à democracia e aos direitos humanos”, diz o documento, assinado por Forst.
“A emergência ambiental que enfrentamos coletivamente, e que os cientistas têm documentado há décadas, não pode ser enfrentada se aqueles que soam o alarme e exigem ações forem criminalizados por isso.”
A sentença de prisão no julgamento da última quinta-feira (18) foi possível por conta do endurecimento da legislação promovido pelo anterior governo britânico. Em 2022, na esteira da intensificação de protestos ambientais em toda a Europa, o Reino Unido ampliou as penas para os protestos.
Participantes e organizadores de atos disruptivos passaram a estar sujeitos a sanções mais duras, incluindo períodos prolongados na prisão.
Em 2023, outros dois ativistas da Just Stop Oil foram condenados por “transtorno público” por conta de um protesto em uma ponte. A dupla permaneceu pendurada na estrutura por 37 horas, em uma ação que causou transtornos ao trânsito. Morgan Trowland foi sentenciado a 2 anos a 3 anos de prisão, enquanto Marcus Decker recebeu 2 anos e 7 meses de detenção.