Datafolha expõe como relação de Lula com evangélicos vai de mal a pior
Pesquisa feita nos dias 10 e 11 de fevereiro atesta a resiliente insatisfação do bloco religioso com a administração
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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A relação entre evangélicos e governo Lula (PT) vem fazendo jus à máxima de que não há nada tão ruim que não possa piorar.
Pesquisa Datafolha feita nos dias 10 e 11 de fevereiro atesta a resiliente insatisfação desse bloco religioso com a administração petista. Para 48%, Lula tem feito um trabalho ruim ou péssimo. Entre católicos, o outro grande bloco religioso brasileiro, a rejeição alcança 36%.
A média geral de insatisfeitos na população é de 41%, segundo o levantamento realizado com 2.007 entrevistados em 113 municípios e com margem de erro geral de 2 pontos percentuais –no recorte religioso, ela é de 3 pontos percentuais entre católicos e de 6 pontos entre evangélicos.
Hoje, só 2 em cada 10 evangélicos percebem o governo como bom ou ótimo, e 28% o classificam como regular.
O cenário já não era nenhum céu de brigadeiro no começo do mandato. Em março de 2023, 35% dos crentes reprovavam a gestão lulista, dez pontos a mais do que no nicho católico. O quadro amargou ainda mais, deixando petistas com várias respostas possíveis à interrogação “onde foi que eu errei?”.
É bom lembrar que a zanga com o governo não é prerrogativa evangélica. Mulheres, eleitores que ganham até dois salários mínimos e pessoas pretas ou pardas, trincheiras eleitorais de Lula, estão bem mais arredios agora.
Os números de desaprovação na parcela feminina, por exemplo, saltaram de 26% no início de 2023 para 39% agora.
Pois são justamente esses os perfis mais comuns nas igrejas, com seus batalhões de mulheres negras e pobres. E elas sentem todos os dias o custo dos transportes e a alta no preço dos alimentos, para citar dois fatores que azedaram a opinião sobre o presidente.
Soma-se a isso um pé atrás com Lula cultivado por anos de intensa campanha antipetista nos templos, mais a saraivada de fake news a reboque dela. É como se os evangélicos sentissem que o PT dá razões para confirmar o que já sentiam no ar, que coisa boa não sairia dali. Quando o pão nosso de cada dia deixou de dar hoje, pronto. Profecia cumprida.
O PT tenta fazer a lição de casa, ainda sem muitos frutos a colher. Lula endossou a criação do Dia da Música Gospel, e seu partido lançou na eleição de 2024 a “Cartilha Evangélica”, manual para orientar a comunicação de militantes e candidatos com o segmento.
Conselhos que deveriam soar desnecessários de tão óbvios, como não tratar todo crente como sinônimo de fundamentalista, se mostram valiosos diante da persistência de visões estereotipadas sobre um grupo tão plural –basta lembrar dos batistas, com pastores tão divergentes como os progressistas Ed René Kivitz e Henrique Vieira, deputado do PSOL, e os conservadores André Valadão e Josué Valandro Jr., pastor da igreja de Michelle Bolsonaro.
Ouvem-se apelos para “voltar às bases” como forma de ocupar periferias (e as igrejas pululam nelas) cooptadas pelo conservadorismo. Certo. Mas como? Ignorando assuntos caros a progressistas, como aborto e direitos LGBTQIA+?
Pedindo que causas afins voltem para o final da fila de prioridades, e empurrar com a barriga princípios históricos da esquerda? Mas insistir nelas agora é um tiro no pé? Melhor perder os anéis do que ficar sem os dedos se tanta insatisfação popular desembocar num 2026 coalhado de extrema direita? Não há respostas satisfatórias para esses dilemas. Daí um certo barata-voa no trato com evangélicos.
A agenda moral, contudo, não é o único eletrodo para medir a contrariedade com o governo petista. Ana Carolina Evangelista, cientista política e diretora-executiva do Iser (Instituto de Estudos da Religião), é certeira ao apontar o impacto de uma economia descalibrada na vida do evangélico médio.
A oposição bolsonarista já se tocou que a falta de picanha na mesa é uma arma ainda mais potente, reforça Evangelista.
“Lula tem importantes gargalos de comunicação com esse campo, e isso não é novo”, diz. Mas sua relação de trancos e barrancos com os fiéis tampouco se relaciona apenas a erros nessa área, segundo a cientista política. “Ele lida com um campo evangélico permeado por lideranças que se radicalizaram politicamente de forma significativa se compararmos com 2010, quando deixou seu segundo mandato.”
Diz Evangelista: “Esse Brasil mais evangélico, de lá pra cá, faz parte de um Brasil também mais conservador, e isso está acontecendo fortemente a partir do segmento evangélico, por razões que passam por fundamentalismos teológicos, organização institucional e radicalização ideológica”.
A recente pesquisa Datafolha revela que a desaprovação do governo aumentou entre mulheres, pretos e pardos, nas classes mais baixas. “Na base da pirâmide brasileira, portanto. E os evangélicos estão em sua maioria lá. A vida não melhorou, e a avaliação geral reflete isso.”
Não à toa a oposição está reabastecendo seu arsenal. “Não é mais sobre a ameaça moral que a esquerda ou esse governo representariam, é sobre economia. Menos ‘banheiro unissex’ e mais Pix, preço do ônibus e valor da cesta básica.”
O fato de evangélicos serem tão ariscos com Palácio do Planalto, para Evangelista, diz muito sobre “como a política tem usado a religião para insuflar a imagem negativa de Lula”. Mas não só. “É também sobre um governo que não está entregando resultados de suas políticas econômicas e sociais para quem mais precisava que ele entregasse.”