Chat GPT consegue tirar mil na redação do Enem? Corretora goiana explica as falhas da IA

Professor explicou ao Portal 6 como ferramenta pode ser aplicada na rotina de sala de aula

Davi Galvão Davi Galvão -
Chat GPT foi posto à prova para conferir se é capaz de atingir a nota máxima na redação do Enem (Foto: Divulgação)
Chat GPT foi posto à prova para conferir se é capaz de atingir a nota máxima na redação do Enem (Foto: Divulgação)

O Chat GPT e outras ferramentas geracionais de texto, com base em Inteligência Artificial (IA), já se tornaram parte intrínseca na rotina de várias pessoas. Nas salas de aula, não é diferente. Alunos e professores vêm utilizando a ferramenta para facilitar tarefas que antes seriam demasiadamente demoradas, mas agora estão a poucos caracteres de distância, seja de forma ética ou não.

Pela própria natureza do conteúdo, uma das matérias mais suscetíveis a esta prática acaba sendo a redação. Mas, afinal de contas, A IA realmente tem condições de escrever um texto com a qualidade necessária para se atingir a tão almejada nota 1.000 no Enem?

Para responder esta pergunta, o Portal 6 elaborou um prompt específico para a ferramenta geracional, solicitando que fosse elaborado uma redação, dissertativo-argumentativo, e que possuísse introdução, desenvolvimento e proposta de intervenção. Ainda, foi explicitada a necessidade de respeitar as competências exigidas pela prova.

O tema selecionado foi o mesmo da prova aplicada em 2024: “Desafios para a valorização da herança africana no Brasil”, confira o resultado:

Redação do ChatGPT sobre o tema do Enem 2024: “Desafios para a valorização da herança africana no Brasil”

A herança africana é parte essencial da identidade brasileira, presente na cultura, na culinária e nas manifestações artísticas. No entanto, sua valorização ainda enfrenta desafios, como o racismo estrutural e a ausência de uma educação inclusiva. Como afirma Gilberto Freyre em “Casa-Grande & Senzala”, a miscigenação moldou o Brasil, mas a desigualdade persiste devido às estruturas históricas de exclusão. Enquanto o preconceito marginaliza essa cultura, a falta de ensino adequado impede seu devido reconhecimento.

O racismo estrutural perpetua a exclusão da população negra e dificulta a difusão de sua cultura. O filósofo Achille Mbembe discute como o passado colonial impacta a organização social, marginalizando tradições afro-brasileiras. Esse cenário restringe a presença dessa cultura em espaços formais e na mídia, reduzindo sua visibilidade e reconhecimento.

Além disso, a implementação da Lei 10.639/2003, que prevê o ensino da história afro-brasileira, ainda é falha. A falta de capacitação docente e de materiais adequados limita o acesso dos estudantes a essa cultura, reforçando sua invisibilidade no país.

Para superar esses desafios, o governo deve investir na formação de professores e na produção de materiais didáticos representativos. Além disso, a criação de museus e centros culturais afro-brasileiros ajudaria a preservar essa memória. Com educação e políticas públicas eficazes, será possível garantir o reconhecimento da cultura africana na sociedade brasileira.

Conseguiu os 1.000?

Para a professora de redação e corretora Maria Eduarda Martins, que trabalha na JNR e também no Arena, em Goiânia, no que diz respeito a Competência 1, que trata do domínio da língua portuguesa, especialmente com relação à ortografia, o Chat GPT atingiu a nota máxima, de 200 pontos.

“Claramente, por se tratar de uma I.A, não houve desvios gramaticais. Muitas construções que os alunos erram, como paralelismo sintático e vírgula, não foram empregadas incorretamente. Mas a construção dos períodos é bem simples, sem muitas intercalações, apostos, caracterizações”, pontuou.

Porém, nas demais competências, o sistema não se saiu tão bem. A começar a de número 2, que avalia a compreensão da proposta de redação, aplicação de conceitos e domínio do texto, a corretora defendeu que, apesar de ter apresentado as palavras-chave e cumprido com as exigências do gênero, a máquina não teve uso produtivo do repertório sociocultural.

“Quando ele fala de Casa Grande Senzala, ele diz sobre o que a obra fala, mas não conecta com o tema […] São repertórios jogados”, disse.

Maria Eduarda também levantou outros grandes problemas, como a argumentação extremamente rasa, que não extrapola o senso comum, bem como a falta de conectivos e operadores argumentativos, cujas ausências colocam em xeque a coesão do texto do Chat GPT.

Por fim, a proposta de intervenção apresentada foi classificada como pobre e genérica, tendo, com o olhar mais otimista, apenas três dos cinco elementos válidos.

Assim, o placar final ficou com a C1 em 200; C2 em 160; C3 em 120; C4 em 120 e C5 em 120, totalizando 720 pontos.

Inteligência Artificial no ensino de redação

Para o professor de redação e coordenador do terceiro ano do Atrium, em Goiânia, Eduardo Cruvinel, o “grande x” da questão não se trata de identificar ou não os textos escritos com o Chat GPT, mas sim em assimilar como a ferramenta pode ser utilizada, de fato, para o desenvolvimento do aluno.

“Os casos de plágio que acontecem em sala são, muitas vezes, porque os alunos não têm consciência do nível de escrita que possuem. Como professor, sei das dificuldades e falhas de cada um. Batendo o olho, já dá para saber se foi escrito por ele ou não”, pontuou.

Eduardo Cruvinel é professor de redação e coordenador do terceiro ano do Atrium, em Goiânia. (Foto: Arquivo Pessoal)

Eduardo comentou que, no caso das redações passadas como tarefa de casa, ele incentiva que os estudantes usem a ferramenta para buscarem repertório e técnicas argumentativas. Ele comentou que é possível perceber até mesmo a melhora na qualidade dos textos quando os jovens passam para o papel, com as próprias palavras, os ensinamentos adquiridos.

O professor ainda revelou que, enquanto docente, utiliza o chat GPT para auxiliar no ensino. Enquanto que os textos são corrigidos de forma orgânica, os dados obtidos são processados de forma artificial. Assim, ele tem acesso a quais repertórios foram mais utilizados, as citações mais populares e erros que se repetiram de forma mais evidente.

Porém, ele admitiu que essa linha de pensamento mais progressista não é unanimidade entre a classe docente.

“Tem sempre aqueles mais tradicionais, que não toleram nenhum tipo de pesquisa, uso de IA, nem do celular, porque na hora da prova não vai ter como. Mas, na minha visão, o caminho não é esse. O importante é ser honesto com os alunos, explicar os cuidados que devem tomar com essas facilidades, mas sempre buscando o aperfeiçoamento”, finalizou.

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