Leão 14 está aberto a debater papel de mulheres e bênção a homossexuais, mas com cautela, dizem cardeais brasileiros
Seis dos sete cardeais brasileiros participantes do conclave que elegeu Leão 14 projetaram os rumos da Igreja sob o novo papa


ANDRÉ FONTENELLE
ROMA, ITÁLIA (FOLHAPRESS) – Numa entrevista coletiva na tarde desta sexta-feira (9), em Roma, seis dos sete cardeais brasileiros participantes do conclave que elegeu Robert Prevost como Leão 14 relataram a experiência e projetaram os rumos da Igreja sob o novo papa, com quem haviam almoçado instantes antes.
O arcebispo de Manaus, dom Leonardo Steiner, afirmou que a ampliação da participação das mulheres na Igreja e a bênção a homossexuais foram questões abordadas com o novo pontífice, que estaria aberto a debatê-las. “Tenho certeza de que o papa Leão não vai tolher o diálogo. Pelo contrário.”
O presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), dom Jaime Spengler, elogiou a participação das mulheres no trabalho comunitário, mas adotou cautela sobre como o papel delas na Igreja poderia ser ampliado.
“O que seria de nossas comunidades sem as mulheres? Sem as tantas catequistas, ministras da eucaristia, ministra das exéquias? As mulheres em nossas comunidades desenvolvem um ministério extraordinário”, afirmou.
O cardeal manteve o mesmo tom pouco assertivo diante de pergunta sobre se a Igreja de Leão 14 irá apoiar a bênção a homossexuais. “A Igreja sempre deu a bênção a quem se aproxima pedindo a bênção. A bênção não é sinônimo de sacramento. O último documento do Dicastério para a Doutrina da Fé trouxe indicações preciosas nesse sentido e que merecem talvez aprofundamento”, declarou.
Segundo o cardeal, existem grupos de trabalho designados para questões sensíveis como essas. “Creio que precisamos de tempo. E aquilo que a Igreja sempre orientou: discernimento. E o discernimento exige saber do que estamos falando, da capacidade de realizarmos juntos e a disposição para o diálogo fraterno. É um caminho em que, sim, precisamos avançar, mas também de tempo.”
‘ESQUECE AQUILO DO FILME’
Sobre os bastidores da votação, dom Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo, disse que “a fantasia da opinião pública é muito fértil, ainda mais depois do filme”, em referência ao longa “Conclave”. “Mas esquece aquilo do filme”, declarou.
Segundo dom Odilo, “no intervalo [entre votações] a gente volta para [a Casa] Santa Marta, faz refeição, conversa, isso é previsto para ir formando sua opinião”.
O cardeal afirmou, porém, que essas conversas não se tornam “uma espécie de comício com apresentação de candidato”. Dom Odilo disse que sentiu “uma responsabilidade muito grande”. “Ainda mais pelo fato de a gente entregar o voto -isso é público- diante de um imenso crucifixo e da cena do Juízo Final na Capela Sistina.”
O arcebispo de Salvador, dom Sérgio da Rocha, disse ver uma proximidade entre o novo papa Leão 14 e seu antecessor, Francisco.
“Apesar da importância da origem americana, sem dúvida o papa tem esse coração muito em sintonia com a Igreja na América Latina, e isso vai contribuir para a sua missão no mundo de hoje. Nesse aspecto há uma grande continuidade. O cardeal Prevost já tinha Francisco no nome, Francis, mas também no coração. E a Igreja certamente tem ambos no coração”, afirmou. O nome de batismo do novo pontífice é Robert Francis Prevost.
Dom Sérgio também disse que a eleição de Leão 14 é um sinal do fortalecimento da América Latina dentro da Igreja. Embora Prevost seja americano de nascimento, ele fez a maior parte de sua carreira religiosa no Peru e tem a nacionalidade do país.
“O fato de termos os dois últimos papas, podemos dizer, da América Latina mostra que graças a Deus a Igreja da América Latina tem feito uma caminhada pastoral de relevância internacional”, disse ele. “É interessante a reação de alguns cardeais depois da eleição, de dizer ‘pois é, a América Latina está oferecendo mais um papa.’ Pois é, ontem eu ouvi isso.”
O arcebispo emérito de Aparecida, dom Raymundo Damasceno, disse esperar que o novo papa Leão 14 seja um defensor da paz. “Pelos depoimentos que tenho a gente percebe é um papa mais idôneo, mais adequado para os momentos atuais da Igreja e do nosso mundo. Um papa que começou lá na base, em nosso mundo tão dividido, marcado por tantas guerras, com essa palavra tão ansiada por todos nós: a paz. Certamente ele será um dos grandes produtores da paz no mundo de hoje”, afirmou ele.
“Uma paz não armada, mas uma paz que se obtém pelo diálogo, na verdade, na justiça no amor, para encontrarmos uma convivência harmoniosa entre todos os povos.”
Sobre a escolha do nome Leão 14, dom Leonardo a associou à ênfase na doutrina social da Igreja. “A gente não pode se esquecer que são Francisco tinha um grande companheiro, que era Leão. Não sei se os dois se encontraram (risos). Mas a Igreja não pode deixar de lado essa questão. Essas questões sociais sempre terão que estar presentes. E o papa tem uma grande sensibilidade para isso.”
“Não esqueçamos que a diocese dele era bastante pobre”, prosseguiu dom Leonardo. “Essas questões mais macro, a Igreja tem procurado abordar através da doutrina social. Ele certamente não vai se eximir dessa questão toda, as periferias, os povos originários, a questão do meio ambiente, onde as pessoas estão sofrendo. É claro que devagarinho [ele] vai entrando nesse mundo todo, como o papa Francisco, e vai nos ajudar a trilhar o caminho da paz, da verdade e da libertação.”
Dom Odilo complementou: “Por certo [a escolha do nome] não tem a ver com a simbologia do bicho Leão, mas tem a ver com a simbologia dos papas Leão. O Concílio de Nicéia teve o primeiro Leão grande, que foi muito importante na história da cristologia, da teologia”.
“No início do conclave tivemos a palestra do cardeal [italiano Raniero] Cantalamessa, que falou sobre a importância de voltar a uma boa cristologia. Eu estou achando que é por aí.”
Dos sete votantes brasileiros, apenas dom João Braz de Aviz não participou da entrevista coletiva. Dom Raymundo Damasceno integra o Colégio Cardinalício, mas, por ter mais de 80 anos, não pôde votar no conclave.