Qual o futuro das livrarias com o fim de grandes redes e domínio da Amazon?

Apesar do sumiço das grandes redes, o número de livrarias físicas no Brasil segue relativamente estável

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Qual o futuro das livrarias com o fim de grandes redes e domínio da Amazon?
(Foto: Reprodução/Felipe Gabriel/Projetor/Folhapress)

BÁRBARA MUNIZ VIEIRA TORONTO, CANADÁ (UOL/FOLHAPRESS) – A falência da rede de livrarias Saraiva acendeu um novo alerta para o setor de livros do país. A derrocada da empresa se soma à de outra grande rede, a Livraria Cultura, que teve falência decretada, mas conseguiu reverter a situação na Justiça de São Paulo. Dados apontam queda no faturamento do setor e o aumento das vendas em lojas exclusivamente digitais, tornando mais desafiador o futuro das livrarias no país.

O QUE ESTÁ ACONTECENDO?

O faturamento das livrarias no Brasil caiu 9% em 2022. Foi R$ 1,082 bilhão no ano passado, contra R$ 1,183 bilhão em 2021, segundo dados da Nielsen BookData, os mais recentes do setor.

O faturamento total do mercado livreiro teve queda de 6%, e o número de livros vendidos caiu 23%. Foram R$ 5,5 milhões em 2022 contra R$ 5,8 milhões em 2021, mantendo estável a taxa de novas impressões e reimpressões. O valor inclui vendas de livros físicos, incluindo didáticos, e os digitais. O setor livreiro vendeu 324 milhões de livros, o que representa uma queda de 23% em relação a 2021, quando foram vendidos 409 milhões de exemplares.

As vendas em livrarias e sites próprios somam 26,6% do total, abaixo daquelas feitas em canais exclusivamente digitais (35,2%). A pesquisa Nielsen não detalha os números por empresa —mas é neste segundo segmento que estão grandes varejistas online, como Amazon e Submarino.

Apesar do sumiço das grandes redes, o número de livrarias físicas no Brasil segue relativamente estável. Hoje, o Brasil possui cerca de 2.972 livrarias no total. Há dez anos, esse número era de 3.026 livrarias, de acordo com o Anuário 2023, feito pela ANL (Associação Nacional de Livrarias)

“O cenário é ruim. Nosso maior problema, nos últimos dez anos, é a redução dos metros lineares de prateleiras e vitrines para exposição dos livros. As livrarias com grandes metragens estão fechando, e as livrarias que ficam estão ampliando a diversidade de produtos, ou seja, estão incluindo mais produtos para a venda, que não são livros. Essa estratégia é para ter margens maiores de lucro e itens com maior preço-médio que permitam sustentar o custo operacional de uma loja, especialmente as de shoppings”, afirma Gerson Ramos, diretor comercial da editora Planeta Brasil, ex-diretor da CBL e do Conselho da Fundação Observatório do Livro.

QUAL O PESO DO AVANÇO DA AMAZON?

Especialistas acreditam que a Amazon abocanhou boa parte das vendas em canais exclusivamente digitais. O faturamento anual da gigante do varejo digital com livros é estimado em R$ 1,4 bilhão. Isso é maior do que todas as livrarias brasileiras juntas, que faturaram R$ 1,08 bilhão. A Amazon não divulga dados.

Para especialistas, a Amazon não pode ser culpada pela crise das livrarias. Segundo eles, o problema das megalivrarias foi de gestão, que apesar de terem boas vendas não souberam administrar o negócio de forma eficiente e se adaptar às transformações tecnológicas.

Política de preços da Amazon, porém, é alvo de questionamentos. Ao passar a representar mais de 50% das vendas de muitas editoras, a Amazon passou a usar o seu poder de barganha para obter preços cada vez menores. Outra tática da empresa é a de atrair, através dos preços baixo, novos cadastros de clientes potenciais, que depois vão adquirir outros produtos da plataforma.

A Amazon diz que os livros estão no DNA da Amazon desde o início da empresa. Em nota, afirmou que não discute sua estratégia de preços e que foca “a atenção em proporcionar sempre a melhor experiência de compra aos clientes”.

“A política de preços da Amazon só é possível porque ela não depende de livros para sobreviver. O lucro da Amazon -que é um conglomerado gigantesco, com muitos braços, inclusive tecnológico (AWS) e aeroespacial (Blue Origin)- certamente vem de outro lugar. Daí a perversidade da situação. Livro não é uma mercadoria qualquer. Editoras e livrarias sabem disso. Mas a Amazon não está absolutamente se importando com isso: quer apenas vender. Essa postura não é sustentável no longo prazo para o mercado editorial”, diz Tadeu Breda, sócio-fundador e editor da Elefante.

TENDÊNCIAS

Grandes livrarias estão fechando lojas, mas pequenas e médias estão abrindo outras. A estratégia adotada pelos empresários do setor tem sido focar em públicos locais ou de nicho. A mineira Leitura, maior rede de livrarias no Brasil atualmente, espera fechar o ano com 104 livrarias. Uma das estratégias da rede é fechar as lojas que não dão bons resultados.

Especialistas são unânimes em apostar na consolidação de livrarias de nicho. O diferencial desses locais, além da curadoria e dos serviços extras, é o atendimento.

Há livrarias só de autoras mulheres, outras com cafés estrelados, bar e sebo. É o caso da Gato sem Rabo, que só vende livros escritos por mulheres, da Megafauna, que reúne um café da chef Bel Coelho — ambas em São Paulo. A Janela, no Rio de Janeiro, possui em seu espaço café, bar, sebo e espaço infantil.

Conteúdo digital representa só 6% do mercado editorial do país, mas tem registrado forte crescimento. E-books e audiobooks tiveram aumento de 28% no faturamento em 2022. Isso representa R$ 244 milhões. Plataformas digitais faturaram R$ 27 milhões com esse tipo de conteúdo, segundo a pesquisa Nielsen. Isso foi impulsionado pela inserção do subsetor de didáticos através da categoria Plataformas Educacionais e pelo aumento de 69% de Bibliotecas Virtuais —bibliotecas públicas online, como a Biblion, do Governo de São Paulo, ou por assinatura, como a Squeelo, que empresta livros eletrônicos (ebooks) e audiobooks.

“Acredito que livrarias pequenas, com atendimento humanizado e qualificado, com curadoria refinada que dialogue com o interesse do cliente, sempre terão espaço. As megastores como a Saraiva e a Cultura abalaram temporariamente esse modelo, mas o tempo mostrou que a saída está no pequeno, e que os monopólios e oligopólios servem apenas aos próprios interesses”, afirma Tadeu.

“Há uma grande mudança no comportamento do consumidor. Depois da pandemia, sair de casa exige que a experiência seja muito mais atraente do que apenas a compra pela compra. Todos nós nos tornamos muito mais seletivos, por isso o desafio das livrarias físicas em especial é transformar o espaço de vendas em um espaço de acolhimento, de qualidade profissional nas vendas e de acolhimento e afeto”, diz Gerson.

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