Um político como Tancredo não seria bem-sucedido hoje, diz biógrafo
Ex-presidente eleito se tornou um dos mais notáveis homens públicos daquele período


Morto há 40 anos, o mineiro Tancredo de Almeida Neves conduziu articulações tão necessárias para o país e exerceu cargos de tamanha relevância na segunda metade do século 20 que se tornou um dos mais notáveis homens públicos daquele período.
Foi ministro da Justiça do governo Getúlio Vargas entre 1953 e 1954. Atuou como primeiro-ministro no início da década de 1960 na única experiência parlamentarista da República no Brasil. Reagiu com indignação ao golpe de 1964 e, nos anos seguintes, foi um dos mais veementes deputados da oposição.
Deixou a cadeira de governador de Minas Gerais em agosto de 1984 para se dedicar à campanha para presidente da República. O pleito aconteceria de forma indireta, no Colégio Eleitoral, mas Tancredo correu o país em comícios como se fosse uma eleição direta.
Em 15 de janeiro de 1985, derrotou o governista Paulo Maluf com três centenas de votos de diferença, liderando a transição da ditadura para a democracia e inaugurando um novo período da história do país, a Nova República.
Na véspera da posse, porém, foi internado com fortes dores abdominais. Aos 75 anos, morreu em São Paulo em 21 de abril, sem chegar ao Palácio do Planalto. Seu vice, José Sarney, assumiu o cargo.
Passadas quatro décadas da sua morte, uma pergunta pode nos ajudar a entender quem foi Tancredo e o que é o Brasil de 2025. Um político com o perfil dele, conhecido pela temperança e pela capacidade de conciliação, se sairia bem nas disputas por poder dos dias de hoje?
Não, acredita o jornalista Plínio Fraga, autor da biografia “Tancredo Neves, o Príncipe Civil” (ed. Objetiva, 2017). “A forma como se faz política hoje inviabilizaria o [sucesso do] Tancredo.”
Fraga associa o líder mineiro ao Tertius gaudens, uma concepção do sociólogo alemão Georg Simmel segundo a qual uma terceira parte se beneficia do embate entre as outras duas. “Um Tancredo redivivo buscaria o caminho do meio, tentando falar com a esquerda e a direita, com os católicos e os evangélicos. Mas a forma como a política é feita atualmente não é mais assim.”
Para o biógrafo, o estilo moderado tem sido cada vez menos atraente para os eleitores. “O que engaja é a radicalidade, que tem mais repercussão e te obriga a se vincular de maneira mais clara a um personagem, independentemente dos fatos.”
Segundo ele, um cenário cartesiano, em que um candidato busca mostrar aos eleitores que tem a melhor proposta para resolver um problema, enumerando argumentos baseados em uma realidade de bases factuais, está cada vez mais distante. “A política hoje é emocional e emocionada”, diz Fraga. “Tancredo seria uma solução antiga para uma política que mudou.”
Amigo de Tancredo, de quem foi secretário de Planejamento no Governo de Minas, Ronaldo Costa Couto concorda parcialmente com Fraga. “As chances de Tancredo hoje seriam remotas”, afirma. “O estilo dele não combina com os valores em alta no Brasil da atualidade.”
Mas Costa Couto pondera. “Com a sua genialidade e seu pragmatismo, talvez Tancredo conseguisse criar um filão eleitoral competitivo”, diz o autor de “Tancredo Vivo – Casos e Acaso” (ed. Record, 1995), livro que lembra episódios da vida do mineiro, da estreia na política durante a República Velha à morte que maculou a Nova República.
Antes de ser hospitalizado, Tancredo havia escolhido todos os seus ministros, e Costa Couto assumiu a pasta do Interior. Além desse cargo, ele foi nomeado por José Sarney como governador interino do Distrito Federal. Nessa função, coube a ele receber o corpo de Tancredo em Brasília em 22 de abril, dia seguinte à morte.
“Foi uma das piores experiências da minha vida”, lembra. “São cerca de 20 km do aeroporto ao Palácio do Planalto. Havia muita gente dos dois lados da pista, quase todos chorando. Era muito difícil não capitular, chorei como nunca.”
De Brasília, o corpo foi para Belo Horizonte e de lá para São João del-Rei, cidade natal de Tancredo, onde foi enterrado em 24 de abril.
Uma sucessão de motivos levou à morte de Tancredo, segundo Plínio Fraga. “Era um paciente de 75 anos que demorou para buscar atendimento depois de começar a sentir dores”, diz. “Ele vai adiando a realização dos exames por questões estratégicas e políticas. Achava que poderia entrar água na transição com qualquer marola.”
Hospitalizado em 14 de março, com um tumor benigno no intestino, Tancredo passou por cirurgias: duas em Brasília e cinco em São Paulo. “Quando ele buscou atendimento, aconteceu uma série de equívocos. Uma análise dos relatórios médicos apontou fragilidades. E havia ainda a disputa de vaidade entre os médicos, tanto em Brasília quanto em São Paulo”, afirma o biógrafo.
Todos os que conviveram com Tancredo se recordam do humor leve, que resistiu à enfermidade.
Costa Couto se lembra da última ocasião em que esteve com Tancredo, dois dias antes da internação. Àquela altura, o amigo mais jovem já tinha sido informado de que assumiria o Ministério do Interior.
“Ele brincava comigo, mesmo estando com febre”, conta Costa Couto. “Eu perguntei: ‘doutor Tancredo, consideraria a hipótese de transferir a Funai para um outro ministério?’ Ele respondeu: ‘Ronaldo, você é jeitoso, é melhor ficar com você mesmo. Além disso, poderia cair na mão de um ministro que, em uma semana, estaria desfilando com Raoni pela avenida dos Champs-Elysées.”