2024 foi o ano em que travessias mataram maior número de imigrantes
Maioria - 72% das vidas perdidas - foram encurraladas sob condições insalubres em áreas de crises humanitárias ou tentando fugir delas


JOSÉ HENRIQUE MARIANTE
BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS) – Relatório da Organização Internacional para Migrações (OIM) das Nações Unidas mostra que 2024 foi o ano mais letal das travessias migratórias. Com 9.002 mortos e desaparecidos registrados no ano passado, o saldo acumulado desde 2014, quando começou a contagem do órgão, é de 74.408 vidas perdidas.
A maioria, 72%, encurraladas sob condições insalubres em áreas de crises humanitárias ou tentando fugir delas. Afeganistão, Mianmar, Etiópia, Síria, Guatemala e Venezuela lideram a lista de nacionalidades afetadas, espelho de uma década de guerras, conflitos políticos e descaso de autoridades, como registrado no estreito de Darién, entre Colômbia e Panamá.
“Esses números são um lembrete trágico de que as pessoas arriscam suas vidas quando a insegurança, a falta de oportunidades e outras pressões as deixam sem opções seguras ou viáveis em casa”, declarou em comunicado a diretora da OIM, Amy Pope.
A rota mais insegura continua sendo a do Mediterrâneo central, em que quase 32 mil morreram ou desapareceram; no total do levantamento, mais de 42 mil se afogaram e cerca de 30 mil não tiveram seus corpos resgatados. Ainda que o número de afogamentos chame a atenção, uma quantidade não estimada de pessoas morreu nos últimos dez anos tentando atravessar o deserto do Saara.
Há inúmeros espaços em branco nas estatísticas. O cenário piora em países em guerra ou nos que o regime no poder dificulta ou recusa o fornecimento de informações. “Com muita frequência, os migrantes passam despercebidos”, afirmou Julia Black, autora do relatório. “Devido a lacunas nos dados, especialmente em zonas de guerra e áreas de desastre, o número real de mortes é provavelmente muito maior do que o que registramos.”
A tendência de alta, verificada no período pós-pandemia, pode ser afetada em 2025 pela dinâmica de repressão verificada nos EUA e na Europa. O governo Donald Trump quer deportar 20 milhões de pessoas, e o fluxo de imigração na América Central já mudou de direção. Na Europa, além do número de apreensões nas fronteiras estar em queda, 38% a menos em 2024, o endurecimento na política de asilo da União Europeia promete afastar o problema do continente, o que não significa eliminá-lo.
Há duas semanas, a Comissão Europeia divulgou sua primeira “lista de países de origem seguros”. Cidadãos de Kosovo, Bangladesh, Colômbia, Egito, Índia, Marrocos e Tunísia enfrentarão processos de pedido de asilo mais dinâmicos e com menos possibilidade de aprovação.
A lista será um item antecipado do Pacto de Imigração e Asilo, que entra em vigor em junho de 2026. A legislação levou mais de uma década para ser aprovada e continua como item divisivo da agenda europeia, pressionada pela ascensão de partidos e governos de extrema direita, que usam a repressão à imigração como panaceia em suas plataformas eleitorais.
De acordo com especialistas, as apreensões estão diminuindo na Europa porque o fluxo está sendo contido em países como Líbia e Tunísia, que firmaram acordos de cooperação com a UE para barrar a ação de coiotes. Ativistas e organizações como a Human Rights Watch afirmam, porém, que o bloco estaria sendo leniente com abusos e violência que ocorrem contra os imigrantes nesses países.
De acordo com os números da OIM, das regiões em crise humanitária, a Líbia é o país que mais registra imigrantes mortos (8.680) e desaparecidos (12.249) desde 2014.
Questionada pela reportagem, a Comissão Europeia afirmou que a nova política obriga os países-membros a realizar avaliações caso a caso. “Um solicitante pode apresentar elementos que demonstrem que um país de origem não é seguro para ele. Quando esses elementos forem justificados, o procedimento normal de asilo será realizado”, declarou um porta-voz da entidade.
Além disso, reforçou a Comissão, a classificação dos países é dinâmica e pode ser revisada a qualquer momento se algum território deixar de cumprir com os critérios acertados. O pedido de asilo “independe do fato de a pessoa vir de um país de origem seguro ou não”. “A proposta atual não altera isso. O que ela faz é permitir procedimentos mais rápidos para aqueles cujos pedidos de asilo provavelmente são infundados, inclusive nos procedimentos de fronteira.”
“A reforma significa uma enorme deterioração do acesso à proteção para as pessoas que buscam asilo na UE. É uma medida perigosa, pois essas mudanças não são acompanhadas de uma antecipação das poucas regras que realmente fortalecem a posição das pessoas que buscam proteção”, declarou Wiebke Judith, da ONG alemã Pro Asyl, que defende os direitos de solicitantes de asilo e refugiados na Europa.
“É revelador que a Comissão busque determinar países como Egito, Marrocos ou Tunísia como seguros, ainda que registrem um histórico claro de violação de direitos humanos. Mostra que o principal objetivo da reforma é tentar negar proteção a quem precisa.”
Pope, da OIM, também pede uma outra abordagem para o problema. “Precisamos investir para criar estabilidade e oportunidades nas comunidades, para que a migração seja uma escolha, não uma necessidade. E, quando a permanência não for mais possível, devemos trabalhar juntos para permitir caminhos seguros, legais e ordenados que protejam vidas.”