GUILHERME BOTACINI
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Um dos poucos candidatos negros e africanos a se tornarem o próximo papa, o cardeal congolês Fridolin Ambongo Besungu, 65, destacou-se recentemente por liderar a resistência de episcopados africanos à benção a casais do mesmo sexo, autorizada pelo Vaticano em 2023.
Em carta aberta publicada após a decisão, o arcebispo de Kinshasa, capital da República Democrática do Congo (RDC), afirmou que o documento provocou “uma onda de choque, semeou confusão e inquietação no ânimo de muitos fiéis leigos, consagrados e até mesmo pastores”.
A declaração do Vaticano, feita pelo Dicastério para a Doutrina da Fé, não equipara a bênção ao reconhecimento do casamento. “Essa bênção nunca será realizada ao mesmo tempo que ritos civis de união, nem em conexão com eles, para não produzir confusão com a bênção do sacramento do matrimônio”, diz um trecho.
Atual presidente do Simpósio das Conferências Episcopais da África e Madagascar (Secam), o cardeal afirmou ainda que as uniões homossexuais são contrárias à vontade de Deus.
“As conferências episcopais geralmente preferem -cada bispo permanecendo livre em sua diocese- não dar bênçãos a casais do mesmo sexo. Essa decisão decorre da preocupação com a possível confusão e escândalo no seio da comunidade eclesial”, diz a carta assinada por Ambongo.
A linguagem firme contra a declaração da Santa Sé, no entanto, não significa que o cardeal se oponha totalmente às posições de Francisco -que iniciou viagens pela África, em janeiro de 2023, justamente pela RDC.
Se for eleito, Ambongo deve trazer continuidade a temas caros ao pontífice argentino, como o reforço da justiça social, a crítica às guerras e a defesa de migrantes e refugiados.
Outro ponto relevante para Francisco e compartilhado pelo congolês é o combate à crise climática. Ambongo já foi chefe da comissão de recursos naturais do simpósio que preside e critica a exploração mineral principalmente no leste do seu país, onde a atividade se mistura aos conflitos do governo com grupos rebeldes apoiados pela vizinha Ruanda.
O cardeal já chamou a crise climática de “ultraje moral, o trágico exemplo do pecado estrutural facilitado pela indiferença insensível e ambição egoísta” e uma realidade vivida pelas populações africanas.
O cardeal africano é também reconhecido por atuação política firme em oposição ao presidente da RDC, Félix Tshisekedi. Ele chamou a eleição de dezembro de 2023 no país de uma “gigante bagunça organizada”. Ambongo se diz um sentinela, e a Procuradoria do país chegou a pedir a abertura de investigação contra ele, em abril de 2024, sob a acusação de “comportamento sedicioso” e declarações classificadas de “falsos rumores, incitação à revolta e ataques a vidas humanas”, em particular sobre o Executivo, o Judiciário e as Forças Armadas do país.
De acordo com o site The College of Cardinals Report, criado pelo vaticanista Edward Pentin com uma equipe de jornalistas e especialistas católicos, o congolês defende que a Igreja deve poder instar o governo a tomar ações concretas pelos pobres.
“Ele não hesita em usar sua posição para defender a justiça social, criticar abusos de poder e advogar por melhor governança na RDC”, diz o site, que nota a ausência de menções a referências ou doutrinas católicas nas declarações políticas do cardeal.
Filho de um seringueiro, Ambongo nasceu na província de Nord-Ubangi, no norte da RDC, em 1960, em uma família católica. Ele estudou filosofia e teologia no seminário antes de entrar para a ordem dos Frades Menores Capuchinhos, em 1981, e foi ordenado padre em 1988.
Tornou-se bispo da diocese de Bokungu-Ikela em 2004, durante o papado de João Paulo 2º. Em 2016, foi nomeado arcebispo da diocese de Mbandaka-Bikoro e, em 2018, arcebispo de Kinshasa por Francisco. O pontífice argentino tornou Ambongo cardeal em 2019 e, no ano seguinte, o nomeou membro do Conselho de Cardeais.