‘Cansados de eleições’, portugueses vão às urnas sob apelos de voto útil
Eleição deste domingo (18) é a terceira que Portugal terá em pouco mais de três anos


JOÃO GABRIEL DE LIMA
LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) – As campanhas eleitorais portuguesas terminam, tradicionalmente, com as chamadas “arruadas” no Porto e em Lisboa. Em vez de discursar em um palanque, os líderes dos principais partidos preferem caminhar pelo centro histórico das duas maiores cidades, em contato direto com os eleitores. O social-democrata Luís Montenegro e o socialista Pedro Nuno Santos, que disputam a vaga de primeiro-ministro, usaram as arruadas com um mesmo propósito: apelar ao voto útil dos eleitores à direita e à esquerda na eleição deste domingo (18), a terceira que Portugal terá em pouco mais de três anos.
A arruada final de Montenegro, o premiê que concorre à reeleição, foi na sexta-feira (16) no bairro da Baixa, coração turístico de Lisboa –alguns estrangeiros demoraram a entender que se tratava de um evento político e faziam fotos da multidão festiva tendo como fundo a arquitetura pombalina do local. “O único voto útil é o voto na Aliança Democrática”, discursou Montenegro, referindo-se à coligação de partidos de centro-direita que o apoia. “Os portugueses estão cansados de eleições”.
O primeiro-ministro é eleito para quatro anos, mas os últimos no cargo não completaram o mandato. Em 2021, o governo do socialista António Costa se desfez quando o Orçamento foi rejeitado pela Assembleia da República –algo que pode ocorrer dentro da regra do parlamentarismo português. Costa foi reconduzido ao cargo em eleições antecipadas, mas caiu novamente em 2023, sob acusações de corrupção dentro de seu gabinete.
O centro-direitista Luís Montenegro foi eleito em março do ano passado, em outro pleito antecipado, mas não completou um ano de governo, em meio a acusações de conflito de interesses. Uma empresa de propriedade de sua família, a Spinumviva, tinha contratos com fornecedores que tinham relação com o governo, entre eles um proprietário de cassinos. O jogo em Portugal é concessão pública.
Antes desses pelitos em sequência, Portugal teve um período político com menos turbulência. O próprio Costa governou por nove anos até sair de vez, no ano passado. Seu antecessor, Pedro Passo Coelho, ficou de 2011 a 2015, e José Sócrates foi premiê por seis anos, de 2005 a 2011.
A frase de Montenegro sobre os eleitores portugueses se baseia em pesquisas de opinião. A maior parte dos cidadãos gostaria de ter um governo que concluísse seu mandato. “Para os portugueses, a estabilidade é um valor. É uma visão conservadora, sensível a argumentos como manter a união do país”, diz à Folha o cientista político português Jorge Fernandes, do Conselho Superior de Pesquisas Científicas de Madri. O atual premiê aposta numa migração de votos de última hora para sua candidatura –algo que ocorreu justamente com António Costa em janeiro de 2022.
Em sua arruada de quinta-feira (15), no Porto, o socialista Pedro Nuno Santos foi ainda mais explícito no apelo aos eleitores de outros partidos. “Aos que votam nos partidos que não conseguem eleger deputados, que façam-nos o favor de votar no PS. Nossa vitória é a única que permite derrotar a AD e oferecer ao país um governo progressista.”
Em Portugal, a esquerda é mais fragmentada que a direita. Entre os partidos ou coligações com representação parlamentar, dois são de direita e cinco de esquerda –além da ultradireita representada pelo Chega, sigla liderada por André Ventura.
Um acordo pós-eleitoral entre AD e Chega seria improvável. Montenegro rejeitou a aliança ao longo de seu mandato, mantendo o slogan “não é não” da campanha eleitoral de 2024. E Ventura, cujo fim de campanha foi marcado por dois episódios em que passou mal durante comícios, foi o candidato mais veemente nos ataques ao atual premiê, a quem chamou recorrentemente de corrupto.
Apesar de chances remotas de uma aliança, a AD fez um possível aceno aos eleitores do Chega. No início do mês o governo anunciou um plano de deportação de imigrantes. Embora a repatriação de estrangeiros sem documentos seja comum na União Europeia, o “timing” do anúncio levou analistas e candidatos –como Mariana Mortágua, da sigla Bloco de Esquerda– a acusar Montenegro de manobra eleitoreira.
A criação de leis mais duras contra os imigrantes é uma plataforma histórica do Chega, que abriga alas xenófobas. O voto útil desses eleitores na AD poderia dar a Montenegro a sonhada maioria absoluta.