Ser “Nerd” virou modinha!

Carlos Henrique Carlos Henrique -

Tenho um enorme medo de começar este texto, e ser mal interpretado. Não quero parecer ser o hater ranzinza que odeia modinha. Não acho ruim que a “cultura nerd” tenha sido popularizada. Meu receio é a forma como isso tem acontecido. Sou de uma época em que nerd era eufemismo para “CDF”, que nunca foi um elogio. Hoje, já até gourmetizaram a coisa, e o nerd agora é Geek. Resumiram o nerd à um usuário de tecnologia com roupas de filmes e games e é descolado.

Voltando um pouco no tempo, o nerd era o cara estudioso, que geralmente não possuía habilidades para esportes, e acabava se tornando um pária social. O nerd era aquele de quem todo mundo queria colar, mas que ninguém gostava de sentar junto, no recreio. Era o cara chamado pros trabalhos em grupo, mas nunca para as saídas em grupo. Cresci num ambiente escolar assim, por mais caricato e estereotipado que pareça.

Apesar de não ser regra, o nerd tinha dificuldades de se socializar, então sobrava tempo para ler, estudar, mexer nos aparelhos eletrônicos do pai, acompanhar quadrinhos e revistinhas. Os mais hardcore caminhavam para o caminho “sombrio” dos RPGs. Num mundo sem internet e com pouco acesso à filmes fora dos canais de TV, qualquer forma de sonhar ou se divertir, exercitando a imaginação, era válida.

A gente cresceu em meio às coisas que não chamam a atenção da maioria. Jogar bola é mais legal que tentar realizar um experimento com aqueles kits super legais de química. Queimada é mais legal que jogos de tabuleiro e entender porque um ovo demora mais a cozinhar quando o nível do mar é diferente de zero, não é algo que seja interessante para a maioria. O que movia os nerds, que depois viriam a se tornar cientistas, era a Curiosidade. Não interessava o propósito e sim se podia ser feito. Porque sim, nunca bastava para um nerd.

Os esteriótipos ajudaram na exclusão e no bullying. Nerd era (ou ainda é) retratado em filmes e programas de tv, como o cara, quase sempre sujo e suado, com roupas puídas, cara cheia de espinhas, excesso de peso e óculos na cara. Os filmes Hollywoodianos com escolas e adolescentes sempre deixavam claro que ser nerd era ruim.  O legal era ser a líder de torcida e o capitão do time de futebol.

Se viermos pro Brasil, a coisa piorava ainda mais. O simples fato de se interessar por leitura já gerava constrangimento. O país que odeia ciência e tudo que possa incentivá-la, criou suas crianças ensinando que o que dá dinheiro é ser jogador de futebol, político ou pregador da prosperidade. Para que ler um livro se existe o filme? Para que estudar se você acha tudo na internet? Para quê aprender a escrever direito, se você tem um celular com teclado inteligente?

O país do futebol acha que estudo é perda de tempo. Portanto, nada mais legal do que o novo modelo de Nerd, em que você pode consumir tudo, sem precisar estudar ou entender nada. Basta gostar de usar redes sociais e vestir uma camiseta com um desenho de algum clássico da Nintendo.

Transformaram os nerds em meros consumistas. Não que não fôssemos! E descobriram que muita coisa poderia ser comercializada em larga escala, gerando lucro. O mercado que antes era restrito virou uma grande oportunidade de ganhar muito dinheiro. Os games que antes estragavam televisão, hoje já geram uma renda maior que muitos filmes de sucesso. Quadrinhos custam mais que livros. Action Figures custam mais que muitos eletrodomésticos. Assim como fizeram com São Nicolau, transforaram o nerd em um modelo de negócios de sucesso que gera muito dinheiro. Tá aí os sites nerds com suas lojas virtuais que não me deixam mentir!

Não dá pra dizer ao certo o que aconteceu. Alias, alguns dizem a culpa é de um importante seriado, que tornou nerds populares e engraçados. Não do jeito legal, afinal suas nerdices eram o motivo dos risos. Talvez a série estourou, afinal todo mundo gosta de “zoar os nerds”!

Graças à mídia, em pouco menos de dez anos, camisetas de games passaram a ser populares. Videogames são itens essenciais em todas as salas. Quadrinhos estão em alta novamente. Até óculos viraram itens nerds, com um monte de gente postando selfies usando o acessório sem ao menos ter lentes de grau, apenas pra usar legendas do tipo: “fiquei muito nerd com esse óculos!”.

O problema é que um óculos de grau não te tornam nerd. Assim como uma chuteira de mil reais não te torna o novo Neymar. Ser nerd é mais do que usar uma camiseta do Super Mário e assistir The Big Bang Theory. É se interessar por conhecimento. É continuar sendo curioso sobre o mundo. É se empolgar com RPG, criando todos os cenários em sua cabeça! O nerd nunca se cansa de aprender!

Veja bem, é fantástico que a “nerdice” esteja na moda. Mas é preciso entender que somos mais do que um bando de idiotas consumistas, que vão comprar toda camiseta escrito “bazinga” que sair pra vender.

Nenhum nerd é obrigado a ler todos as HQs lançadas no ano, assim como não tem que saber de cor o nome de todos os inúmeros pokemons. Cultura pop é diferente de cultura nerd. Vejo direto na rede pessoas que acham que conhecimento científico se resume à textos “que lacram” de uma certa revista interessante. Outros tantos, se dizem nerd, mas com preguiça de ler um simples texto com mais de 10 linhas. Já vi “nerds” dizendo que livros são perda de tempo e que ele acha qualquer resenha em 5 minutos no google. O Nerd de verdade não se satisfaz com o “estou com sorte” do Google. Ele quer mais. Ele vai atrás de conhecer à fundo o que lhe estimulou a curiosidade.

Talvez por termos sido tão excluídos em nossa época de escola, seja difícil agora ser o centro da atenção. Talvez, também dirão que agora que não somos mais oprimidos, queremos ser opressores. A questão não é essa. Pelo menos não pra mim!

Sou extremamente feliz por ver que as coisas que eu gostava, quando criança, não são mais consideradas chatas por muita gente. Mas, ser nerd vai além de consumir o que a mídia manda. Usamos a mídia pra entender o mundo e interpretar comportamentos! Gostamos de filmes, séries e animes? Claro! Mas ser nerd vai além disso! Afinal, não vou deixar de ser nerd quando tirar meus óculos.

Ser nerd é um estado de vida, e não um estilo. Não me visto como nerd. Eu sou nerd. Não é o meu óculos, um All Star e nem minha Camiseta do Darth Vader que dizem que sou nerd, mas o fato de achar bacana ler um livro inteiro apenas pelo prazer de aprender algo novo. Ou estudar semanas sobre uma cultura pra jogar cinco horas de um novo RPG. Ser nerd é querer saber mais. Achar o mundo fantástico e cobrar com novas descobertas. E jamais se gabar por ser descolado ou inteligente! Mentira, a gente se orgulha de ser inteligente!  Vida longa e próspera aos nerds!

 

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