Por que as mortes por Covid-19 já não comovem mais em Anápolis?

Em entrevista ao Portal 6, especialista aponta fatores que resultaram na diminuição do impacto das consequências da pandemia na população anapolina

Caio Henrique Caio Henrique -
Cemitério Park, em Anápolis. (Foto: Reprodução)

As mortes por Covid-19 continuam aumentando em Anápolis. Na terça-feira (29), a Secretaria Municipal de Saúde (Semusa) confirmou a ultrapassagem oficial da marca de 300 óbitos em decorrência da doença.

Entretanto, a comoção e impacto das pessoas com tais fatos parece cada vez menor, em uma crescente inversamente proporcional.

Ou seja, quanto mais a pandemia avança na cidade, menos a população parece se incomodar com os resultados da mesma.

Claro que a realidade é outra quando se observa a condição emocional e psicológica daqueles diretamente afetados pelas consequências da Covid-19, porém, tal empatia parece não se estender àqueles que ainda não tiveram perdas diretas.

É o que explica o psicólogo e mestrando em saúde coletiva, Bruno Ferreira, em entrevista exclusiva ao Portal 6.

“Primeiro, é preciso se levar em conta a percepção de risco, que faz com que adotemos comportamentos seguros. Quanto mais distante o risco, menos medidas de prevenção nós vamos tomar”, explicou.

“Por exemplo, ao conhecer alguém que morreu num acidente de avião, faz a gente ter muito mais medo de voar de avião, do que andar de carro, mesmo sabendo que estatisticamente as chances são muito maiores de se morrer na segunda possibilidade”, acrescentou.

“No caso da Covid-19, temos essa exata situação, conhecemos muito mais pessoas que se recuperaram e estão bem, do que pessoas que morreram. Isso faz muitos levarem as medidas de prevenção sem a seriedade que ela merece”.

Divulgação das mortes

Na entrevista, Bruno também ressaltou que a forma como as mortes estão sendo encaradas, apenas como números e estatísticas, sem ter ao menos o nome de cada um que sofreu a fatalidade, contribui para uma visão distorcida das consequências da pandemia.

“A empatia está ligada também a proximidade. Ao relatar apenas números, ao invés das pessoas, nos distanciamos das vítima, elas se tornam apenas números e assim tiramos a humanidade do processo”.

“Números não dão dimensão da importância das vidas que eles representam”, justificou.

Desengajamento moral

Outro tópico debatido foi o do chamado ‘desengajamento moral’, em que o psicólogo citou o trabalho de Albert Bandura para explicar o fenômeno, que consiste na busca por justificativas para racionalizar e ‘permitir’ a realização de comportamentos considerados perigosos e nocivos.

“A gente percebe na fala de muitas autoridades, inclusive em cargos estratégicos, algumas dessas ferramentas de desengajamento moral, como a minimização ou distorção das consequências, afirmando que muitos dos que morreram já tinham outras doenças ou eram já idosos, por exemplo, minimizando a consequência da pandemia.”

“É perceptível também outros pontos, como deslocamento da responsabilidade e atribuição de culpa, atribuindo a outras pessoas, ou instituições, a culpa por seus atos, sendo eles responsáveis por tudo, e não quem age de maneira errada”, finalizou o especialista.

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