Presidente do Sri Lanka deve renunciar após invasão de palácio em ato contra caos econômico

Episódios são o ápice, até aqui, de protestos que vinham sendo pacíficos, disparados pela pior crise econômica em sete décadas

Folhapress Folhapress -
Presidente do Sri Lanka deve renunciar após invasão de palácio em ato contra caos econômico
Presidente do Sri Lanka deve renunciar após invasão de palácio em ato contra caos econômico (Foto: Flickr)

Após um dia de caos, em que a insatisfação popular latente há meses estourou em uma convulsão social na forma de ataques diretos a duas residências oficiais em Colombo, o chefe do Parlamento do Sri Lanka anunciou que o presidente do país, Gotabaya Rajapaksa, deixará o cargo no próximo dia 13.

O pronunciamento de Mahinda Yapa Abeywardena foi feito na noite deste sábado (9), horas após milhares de pessoas invadirem a residência da Presidência e um outro grupo forçar a entrada e incendiar a casa do primeiro-ministro Ranil Wickremesinghe -o político também havia oferecido sua renúncia mais cedo.

Os episódios são o ápice, até aqui, de protestos que vinham sendo pacíficos, disparados pela pior crise econômica em sete décadas.

O Ministério da Defesa informou que Rajapaksa tinha fugido de casa antes da invasão, escoltado por uma unidade militar, e que o premiê também teria sido transferido para um lugar seguro. O paradeiro dos dois políticos não foi confirmado.

Abeywardena disse ter sido ouvido do próprio presidente, de quem é aliado, a informação sobre sua renúncia. “A decisão foi tomada para garantir uma transferência pacífica do poder”, afirmou. “Peço, portanto, que a população respeite a lei e mantenha a paz.” Rajapaksa não se manifestou oficialmente, mas fogos de artifício foram estourados nas capitais após o pronunciamento do líder do Parlamento.

Os protestos no Sri Lanka, que já duram meses, são motivados em grande parte pela escassez de combustíveis e vêm pedindo justamente a renúncia do presidente e do premiê -primeiro na linha de sucessão.

Wickremesinghe está no cargo há menos de dois meses: ele assumiu após Mahinda Rajapaksa, irmão mais velho de Gotabaya, ser forçado a renunciar em maio, já em meio à tensão com a população. Neste sábado, ele convocou o Parlamento e líderes de partidos para uma série de reuniões, depois das quais seu gabinete informou que ele estaria disposto a renunciar e abrir caminho para um novo governo de coalizão.

Mais tarde, o próprio premiê, que também é ministro das Finanças, escreveu no Twitter: “Para garantir a segurança de todos os cidadãos, aceito a recomendação dos líderes para dar lugar a um governo de todos os partidos”, sem citar uma data para a possível renúncia. A invasão à casa dele ocorreu horas depois.

Ainda não está claro se as renúncias aplacarão os protestos, tampouco como se dará a eventual transição de poder -Abeywardena citou a possibilidade de o Parlamento apontar um presidente interino em eleição indireta e eleger um premiê até a convocação de um novo pleito.

Ao longo do dia, as forças de segurança se mostraram incapazes de conter os protestos, mesmo com o uso de gás lacrimogêneo, canhões de água e até tiros para o alto. Na residência da Presidência, a invasão foi transmitida ao vivo pelas redes sociais, com centenas de manifestantes enrolados em bandeiras do Sri Lanka circulando por corredores, celebrando na piscina e preparando petiscos na cozinha.

Ao menos 39 pessoas, incluindo dois soldados, ficaram feridas; parte precisou ser hospitalizada.

Mesmo em meio à escassez de combustível, muitos ônibus e caminhões foram mobilizados na sexta (8) para transportar manifestantes de todo o país a Colombo. O governo chegou a decretar toque de recolher, mas a medida, ignorada pelos organizadores dos atos, foi suspensa após a oposição e ativistas de direitos humanos ameaçarem processar o chefe da polícia nacional.

A saída de Gotabaya, se concretizada, representará o maior revés para os Rajapaksas, que dominam a política da ilha nas últimas décadas -o patriarca da família foi parlamentar nas décadas de 1950 e 1960.

Mahinda, irmão mais velho de Gotabaya, assumiu uma cadeira no Parlamento pela primeira vez em 1970, aos 24 anos.

Em 2005, foi eleito presidente, cargo que ocupou até 2015 e no qual ficou marcado pela vitória sobre os separatistas Tigres Tâmeis em 2009. O episódio, ainda que não tenha enterrado de vez as tensões de uma longa guerra civil, catapultou sua popularidade e rendeu críticas devido a relatos de violência.

Gota, como é conhecido, havia sido ministro da Defesa do irmão e foi eleito presidente em 2019, após um hiato em que a família esteve fora do poder.

A ilha de 22 milhões de habitantes mergulhou na pior crise econômica desde sua independência do Reino Unido, em 1948, devido à limitação de importações de combustíveis, alimentos e remédios. A alta da inflação, que atingiu recorde de 54,6% em junho e deve chegar a 70% nos próximos meses, intensificou a insatisfação.

A instabilidade também ameaça minar as negociações com o Fundo Monetário Internacional na tentativa de obter assistência financeira emergencial. A dívida externa, calculada em US$ 51 bilhões, levou o governo a decretar a moratória de pagamentos em 12 de abril.

A pandemia ainda atingiu duramente a economia, que depende do turismo e das remessas de cidadãos que trabalham no exterior. Ainda que a crise sanitária tenha dado um empurrão para o caos político e social, analistas apontam a origem do caos econômico na gestão Rajapaksa.

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