Países buscam vaga no Brics mirando laço com a China e vácuo deixado pelo Ocidente

Diretora lembra que o grupo nasce no início do século como um debate sobre a perda de influência das potências tradicionais e a emergência de novos polos de poder

Folhapress Folhapress -
(Foto: Reprodução/ Captura)

THIAGO BETHÔNICO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Muitas vezes visto como irrelevante politicamente, o Brics parece estar despertando certo interesse na comunidade internacional. A contar pela quantidade de países que batem à porta, o bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul pode estar vivendo o seu renascimento diante do atual contexto movediço da ordem mundial.

No fim de julho, a Argélia anunciou a intenção de aderir ao grupo, pleito que também havia sido feito, dias antes, por Arábia Saudita, Egito, Irã e Turquia. No começo do ano, o presidente argentino, Alberto Fernández, pediu pessoalmente ao líder russo Vladimir Putin e ao chinês Xi Jinping que apoiassem a candidatura do país.

Embora haja diferenças nos interesses de cada nação, dois pontos parecem aproximar todas essas investidas: a percepção de que o Brics pode fortalecer laços com a China e ao mesmo tempo fornecer uma plataforma estratégica num momento em que o Ocidente começa a perder relevância na estrutura global de poder.

Ana Garcia, diretora do Brics Policy Center, lembra que o grupo nasce no início do século como um debate sobre a perda de influência das potências tradicionais e a emergência de novos polos de poder.

No centro da discussão, estava a reformulação das chamadas instituições de Bretton Woods, como o FMI (Fundo Monetário Internacional) e o Banco Mundial.

No entanto, após alguns avanços na década de 2010 -que incluem a criação de um banco de desenvolvimento (NDB) e uma reforma parcial do FMI-, Garcia diz que o bloco entrou num certo marasmo. “O Brics tentou propor uma agência de rating, um acordo de comércio [entre os membros], e nada disso foi para frente. As cúpulas anuais conseguiam apenas o mínimo denominador comum das declarações finais”, diz.

Segundo ela, o cenário começa a mudar nos últimos anos, com a Guerra da Ucrânia sinalizando uma virada e trazendo peso geopolítico ao grupo, que passa a fazer um contraponto sólido ao Ocidente.

“Com isso, o Brics começa a ser mais atrativo para países como Irã e Argentina, que buscam alianças alternativas para não ficarem dependentes dos países ocidentais, seus bancos e credores.”

Victor do Prado, ex-diretor da OMC (Organização Mundial de Comércio) e especialista do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais), destaca que a expectativa de novos entrantes no Brics não é algo novo. A Argentina, por exemplo, já havia sinalizado interesse há um tempo, assim como México, Paquistão e Sri Lanka.

Diante de uma reorganização da ordem mundial -que há 15 anos era centrada nos EUA e hoje pode ser considerada multipolar- ele diz que o Brics ganha força e se torna um mecanismo bastante importante ao reunir as grandes nações que não formam o chamado bloco ocidental. “É como se o Brics fosse uma reencarnação do Movimento dos Países Não Alinhados, com todas as diferenças entre aquele mundo [Guerra Fria] e o atual”, diz.

Ainda não está claro quais são as chances de que novas cadeiras sejam criadas. O bloco é uma organização informal, sem sede, estatuto e um processo de adesão definido. A entrada de outros países depende, basicamente, da aprovação dos chefes de Estado.

A China já deixou explícita sua vontade em receber novos membros, o que se relaciona com o interesse de Pequim em atrair mais países para sua esfera de influência contra o Ocidente. Sedenta por articulações multilaterais, a Rússia também apoia a expansão. Já o Brasil, não vê com bons olhos, temendo uma diluição de sua influência no bloco.

Em entrevista ao jornal russo Izvestia, a presidente do Fórum dos Brics, a indiana Purnima Anand, falou que novos países aumentariam a influência do bloco no mundo e que a adesão pode acontecer em breve -inclusive na próxima cúpula, em 2023.

Evandro Menezes de Carvalho, coordenador do Núcleo de Estudos China-Brasil da FGV Direito Rio, também atribui a recente atratividade do Brics às mudanças na ordem mundial. Integrar uma congregação de potências com agenda política voltada ao Sul global é especialmente interessante neste contexto de vácuo deixado pelo Ocidente.

No entanto, ele destaca que a relevância do bloco também pega carona na ascensão da China, que responde pelos melhores indicadores econômicos do bloco e é o mercado de maior interesse.

A Argentina, por exemplo, quer se colocar como uma alternativa para Pequim não ficar tão dependente da soja brasileira –e estar no Brics pode ser um facilitador. Na visão de Ana Garcia, do Brics Policy Center, consolidar essa aproximação é de interesse de todos os outros países que pleiteiam uma vaga. “Não tenho nenhuma dúvida de que o atrativo peso pesado para qualquer país estar próximo aos Brics é a relação com a China”, afirma.

“Quanto mais o Ocidente pressionar para conter a ascensão da China e da Rússia, mais elas vão tentar atrair novos países, criando alianças e espaços multilaterais para chamarem de seus”, acrescenta.

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