PT filia ex-tucano em reduto bolsonarista para enfrentar fortes aliados de evangélicos

Esquerda começa a se organizar agora, com a filiação do ex-prefeito Elias Gomes ao PT

Folhapress Folhapress -
Presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, participa das comemorações dos 43 anos de criação do Partido dos Trabalhadores (PT) no centro de convenções de Brasília

JOSÉ MATHEUS SANTOS
JABOATÃO DOS GUARARAPES, PE (FOLHAPRESS) – A um ano das eleições municipais, o segundo maior reduto bolsonarista do Nordeste ensaia um embate entre dois grupos liderados por evangélicos ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e uma candidatura de um ex-tucano agora filiado ao PT.

Jaboatão dos Guararapes é a segunda maior cidade de Pernambuco, com 643 mil habitantes. O município, na região metropolitana do Recife, é governado desde 2017 por bolsonaristas, sendo o segundo maior reduto do segmento, atrás atualmente apenas de Maceió (AL), também administrado pelo PL.

O campo dos defensores de Bolsonaro está rachado na cidade e com duas pré-candidaturas: a do atual prefeito, Mano Medeiros (PL), e a da deputada federal Clarissa Tércio (PP). Os dois têm o segmento evangélico como principal base, e as chances de conciliação são remotas.

Já a esquerda começa a se organizar agora, com a filiação do ex-prefeito Elias Gomes ao PT. O evento de filiação, em setembro, teve a presença da presidente nacional do partido, Gleisi Hoffmann.
Elias Gomes foi prefeito de 2009 a 2016 e filiado, no período, ao PSDB, partido historicamente de oposição ao PT. Em 2020, deixou a sigla e foi para o MDB, de onde sai agora para ingressar no partido do presidente Lula.

Apesar do passado com divergências, a chegada de Elias Gomes é tida como um trunfo para o PT, que poderá ter um candidato competitivo em uma cidade expressiva do Nordeste.

O clima receptivo no PT hoje contrasta com o passado, quando Elias Gomes compartilhou nas redes sociais publicações críticas ao PT, sobretudo no período do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e quando Lula foi alvo da Operação Lava Jato.

À reportagem Elias minimizou divergências no passado e disse que quer repetir a estratégia de Lula de aglutinar forças da esquerda e do centro na disputa.

“Jaboatão não tem meio-termo. É uma das poucas cidades do Brasil que expressa a polarização entre a direita e a esquerda. Temos o apoio de PT, PV, PC do B na federação, do MDB e estamos conversando com o Solidariedade. Fiz um reposicionamento político para fazer frente ao desafio de enfrentar essas forças políticas”, afirma.

O ex-prefeito ainda disse que era contra o impeachment de Dilma. Porém um dos filhos de Elias, Betinho Gomes, votou a favor do afastamento da petista em 2016 quando era deputado federal.

No dia do impeachment, Elias Gomes publicou em rede social que o afastamento não era “a saída desejável, mas longe de golpe, pois a prática de crime de responsabilidade foi atestada pelo TCU”. Os petistas costumam dizer que houve um golpe.

Dilma teve o mandato cassado em processo de impeachment que tramitou na Câmara e no Senado. Ambas as Casas consideraram que a então presidente cometeu crime de responsabilidade pelas chamadas “pedaladas fiscais”, com a abertura de crédito orçamentário sem aval do Congresso. A decisão, no processo e no mérito, foi acompanhada sem contestação pelo Supremo Tribunal Federal.

“Essa foi a avaliação daquela época, hoje vejo que houve uma grande conspiração. Na última eleição, votei em Lula nos dois turnos, e em 2018 votei em Haddad no segundo turno”, diz Elias Gomes.
Em agosto de 2017, Betinho Gomes, à época no PSDB, disse que Lula deveria pedir desculpas ao país.

O racha no campo bolsonarista em Jaboatão começou em 2022, quando o então prefeito Anderson Ferreira vetou a entrada da então deputada estadual Clarissa Tercio no PL.

Aliados de Anderson afirmam que a deputada poderia tomar parte do seu eleitorado, já que ambos têm origem no segmento evangélico, e se fortalecer internamente no próprio PL, presidido por Anderson em Pernambuco.

Clarissa, então, filiou-se ao PP e lançou candidatura a deputada federal, tendo sido a segunda mais votada do estado e da cidade, atrás apenas de um irmão de Anderson, André. O então prefeito renunciou ao cargo para ser candidato a governador e foi derrotado no primeiro turno.

No lugar de Anderson, o então vice-prefeito Mano Medeiros assumiu em abril de 2022. O clã Ferreira apoia a reeleição de Mano em 2024.

Em contraponto, o PP lançou a pré-candidatura da deputada federal Clarissa Tércio. O partido é comandado no estado pelo deputado federal Eduardo da Fonte, que faz parte da base aliada do presidente Lula na Câmara, mas também é aliado de bolsonaristas no campo local.

O sobrenome usado na política é alusivo ao pai, o pastor Francisco Tércio, presidente da Assembleia de Deus Novas de Paz.

Clarissa foi eleita pela primeira vez em 2018, quando tornou-se deputada estadual pelo PSC à época. A trajetória da parlamentar é marcada por outros momentos controversos. Na pandemia, defendeu o uso da cloroquina, medicamento comprovadamente ineficaz para a Covid.

Em 2020, participou de uma manifestação com o intuito de impedir a realização de um aborto legal em uma maternidade do Recife.

Neste ano, a Procuradoria-Geral da República abriu investigação sobre publicações da deputada durante os ataques de 8 de janeiro. A PGR entendeu, em maio, em parecer enviado ao STF, que não houve crime da deputada ao compartilhar um vídeo de um participante dos atos em Brasília.

A família de Clarissa tem uma rádio com programas voltados ao público evangélico.
Tanto Clarissa quanto o grupo do PT apostam num desgaste do grupo político do PL, que comanda a Prefeitura de Jaboatão. O principal argumento deles nos bastidores é que Anderson Ferreira, padrinho político do atual prefeito, teve em Jaboatão apenas 28% dos votos no primeiro turno da eleição para governador.
A avaliação no meio político local é que a própria cidade tirou o ex-prefeito do segundo turno da eleição estadual em

meio à disputa acirrada com a hoje governadora Raquel Lyra (PSDB).

Já Elias Gomes aposta no racha bolsonarista para ir a um eventual segundo turno. Ele articula a montagem de uma frente ampla com partidos de esquerda e centro e espera contar com os votos lulistas. No segundo turno da eleição presidencial, em Jaboatão, o petista venceu Bolsonaro por 55,75% a 44,25% nos votos válidos.

A reportagem também apurou com integrantes do PL que, se o cenário se mantiver, o prefeito Mano Medeiros pode inclusive evitar a defesa consistente do bolsonarismo a acenar a eleitores de centro, já que Clarissa Tercio tende a fazer uma defesa mais radical do ex-presidente.

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