Entenda o porquê de tanta clandestinidade em centros de reabilitação em Goiás
Casos chocantes são revelados frequentemente no estado, com vítimas relatando crimes tenebrosos
No último mês, Goiás presenciou cenas de horror diante da revelação do que ocorreu dentro de uma clínica de reabilitação clandestina no Parque Residencial das Flores, em Anápolis. Cárcere privado e maus-tratos são apenas algumas das violências físicas e psicológicas sofridas pelas 15 vítimas encontradas. Nesta quinta-feira (1º), um líder religioso foi preso em Aparecida de Goiânia, após manter várias instituições no estado de Goiás
Diante de tantos casos repetidos, o Portal 6 buscou especialistas que explicaram o que causa a ocorrência desse tipo de instalação e as consequências da internação para os pacientes.
À reportagem, Caroline Santos – presidente da Comissão de Bioética e Biodireito do Conselho Federal da OAB e membro da Comissão de Direito Médico da OAB, seccional Goiás – apontou que uma série de fatores contribuem para o surgimento constante das clínicas ilegais. Entre elas, a própria demanda.
“Às vezes, essas clínicas são mais baratas. Também, podem oferecer ‘benefícios’ que as legais não oferecem, porque não passam por fiscalização”, disse. Saídas para o aniversário e visitas de familiares, contraindicadas a depender da fase da recuperação, são alguns dos “benefícios”.
Uma vez internados, muitas vezes contra a própria vontade, inicia-se o terror. “Estelionato, negligência médica, homicídio culposo, lesão corporal culposa, maus tratos ou abuso do paciente, violação da privacidade, invasão do dispositivo informático, tratamento inadequado de dados sensíveis dos pacientes, manipulação de medicamentos e prescrição ilegal”, exemplificou a advogada.
Agravos à recuperação
Devido ao “tratamento” oferecido, de forma inadequada e regada de violência, em muitos casos, o paciente pode vir a desenvolver uma aversão à reabilitação, pontuou a psiquiatra Amanda Castanheira.
À reportagem, a especialista destacou que devido à falta de fiscalização, as clínicas funcionam como casas de repouso, com profissionais que não possuem capacitação, majoritariamente. A prática adiciona mais um crime à lista: exercício ilegal da medicina.
“Alguns pacientes são colocados nessas clínicas clandestinas sem uma orientação profissional, seja do psiquiatra ou de algum outro médico, e às vezes até de forma involuntária, pela família, naquela ânsia do desespero de proteger. Isso se torna algo também muito traumático, onde além de o paciente não ser tratado da forma como deveria, ele acaba tomando uma aversão muito grande a essa possibilidade de tratamento”, explicou Amanda.
Com isso, é comum que a vítima saia, ainda com a necessidade de ajuda profissional, no entanto, muito mais resistente a qualquer intervenção. O atraso causado, segundo a psiquiatra, pode significar anos de perdas no ambiente familiar e no contexto financeiro e social.
O caminho correto
Amanda destaca que o tratamento deve ser feito com um psiquiatra, assim como uma equipe multidisciplinar, uma vez que a dependência química pode levar a uma série de comorbidades. “Existem diversos acompanhamentos ambulatoriais para esses pacientes, até mesmo os Centros de Atenção Psicossocial (Caps), que são especializados em acompanhamento de álcool e drogas, onde ele vai fazer acompanhamento com o profissional e com uma equipe multidisciplinar, onde tem consultas clínicas, psicólogos, terapias ocupacionais e grupos terapêuticos”.
De acordo com Caroline, para diminuir a ocorrência de clínicas clandestinas, é preciso não só uma maior fiscalização por parte das autoridades, como também compreensão da população de que é necessário buscar as formas legais de tratamento. Caso note atividades ilegais, como documentos falsificados ou ausentes, a advogada reforça que o indivíduo busque denunciar junto ao Ministério Público (MP), à Polícia Civil (PC) e à OAB.
Vale destacar que o Portal 6 buscou dados sobre denúncias de clínicas clandestinas em Goiás junto à PC, que afirmou não possuir levantamento.