GUILHERME BOTACINI
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A trajetória de Luis Antonio Tagle na Igreja Católica começou com uma piada, diz ele. Em entrevista à rede católica Shalom World, o hoje arcebispo de Manila, capital das Filipinas, contou que queria ser médico quando jovem, mas um padre da paróquia que ele frequentava disse que Tagle conseguiria uma bolsa de estudos se passasse nas provas de certa universidade.
A peça estava pregada: a tal universidade era um seminário, e ser aprovado no exame fez Tagle se questionar se queria de fato a medicina ou se Deus tinha outros planos para ele. “Quem diria que hoje eu seria cardeal? Graças às piadas de Deus e de outras pessoas”, disse, sorridente.
Tagle é um dos cardeais mais bem posicionados para suceder Francisco, caso os votantes no conclave busquem continuidade do pontificado do argentino e um novo papa do chamado Sul Global, de acordo com o site The College of Cardinals Report, criado pelo vaticanista Edward Pentin com uma equipe de jornalistas e especialistas católicos.
De forma semelhante a Francisco, que sempre buscou demonstrar informalidade, rejeição à ostentação do Vaticano e abertura progressista, o cardeal filipino prefere ser chamado pelo seu apelido, Chito.
Ele se opõe ao uso do que que chama de linguagem dura e severa da Igreja para condenar pecados, incluindo a homossexualidade, e em entrevistas cita declarações famosas do papa argentino sobre o assunto, como quando o pontífice questionou “quem sou eu para julgar?”, no início de seu pontificado.
Sua abordagem branda com relação a temas caros a conservadores na Igreja Católica é alvo de críticas dentro e fora das Filipinas, país de forte tradição católica.
Exemplo dessas críticas internas é a aprovação por Manila, em 2012, de uma legislação ampla sobre saúde reprodutiva. Embora apoiada pela maioria dos católicos e sem avanços em relação a temas mais espinhosos, como o aborto, que continua ilegal, a lei foi vista como resultado de uma postura menos combativa de parte da Igreja filipina após décadas de oposição do clero nacional a esse tipo de discussão.
Na ocasião, Tagle havia sido recém-nomeado arcebispo de Manila. Alguns anos depois, em 2016, ele fez críticas à política agressiva de guerra às drogas do ex-presidente Rodrigo Duterte -hoje preso pelo Tribunal Penal Internacional por crimes contra a humanidade-, e comparou os assassinatos resultantes ao aborto.
“Muitos estão preocupados com os assassinatos extrajudiciais e deveríamos mesmo estar. Mas eu espero que também nos preocupemos com o aborto. Por que apenas algumas pessoas estão se posicionando contra o aborto? Isso também é assassinato”, disse na ocasião.
Outro ponto relevante da biografia de Tagle para eventual pontificado é sua origem chinesa -seu avô materno nasceu na China e migrou para as Filipinas-, o que pode abrir espaço para o diálogo entre a Santa Sé e Pequim.
Em 2018, Francisco fechou acordos com a China que tratam do procedimento de escolha e nomeação de bispos católicos no país.
Os acordos foram renovados em 2024 por mais quatro anos, em medida que foi vista por analistas como sinal de avanço na confiança entre os dois Estados, embora o histórico esteja cheio de tensões e persistam limitações à liberdade de culto no país.
A China e o Vaticano não têm relações diplomáticas desde a década de 1950, e a Santa Sé é um dos poucos Estados no mundo que reconhecem Taiwan como país -Pequim vê a China continental e a ilha como partes de uma mesma China e tem aumentado a pressão sobre o território recentemente.
Embora não seja jesuíta como Francisco, Tagle foi influenciado pela ordem ao estudar em seminário jesuíta em Manila. O filipino foi ainda presidente da Cáritas, instituição humanitária filantrópica do Vaticano, e estudou nos Estados Unidos.
Ordenado em 1982 e elevado a bispo em 2001, o filipino foi nomeado cardeal por Bento 16, em 2012, aos 54 anos, um dos mais jovens na ocasião. Tagle é fluente em inglês e italiano, além de seu idioma nativo, o tagalo, e tem conhecimentos de francês, coreano, chinês e latim.