Após eleição, Índia busca se reaproximar da China, que responde com cautela

Maior interesse, desta vez, é indiano, como evidenciaram as respostas do chanceler Subrahmanyam Jaishankar em Tóquio

Folhapress Folhapress -
Após eleição, Índia busca se reaproximar da China, que responde com cautela
Joanesburgo, África do Sul, 22.08.2023 – Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva; Presidente da República Popular da China, Xi Jinping; Presidente da África do Sul, Matamela Cyril Ramaphosa; Primeiro-Ministro da Índia, Narendra Damodardas e Ministro das Relações Exteriores, Sergey Lavrov, posam para o retrato Oficial dos Líderes do BRICS, no hotel Summer Place. Joanesburgo – África do Sul. (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

NELSON DE SÁ – PEQUIM, CHINA (FOLHAPRESS) – Em dois encontros, no início e no fim de julho, os chanceleres da China e da Índia lançaram uma reaproximação entre os gigantes asiáticos, virando o mês com a 30ª reunião entre os representantes de ambos para tratar do conflito de fronteira. Falta anunciar passos concretos, mas as declarações apontam para uma volta aos trilhos na relação bilateral.

O maior interesse, desta vez, é indiano, como evidenciaram as respostas do chanceler Subrahmanyam Jaishankar em Tóquio, também na última semana. As declarações ocorreram em uma entrevista coletiva após se encontrar com americanos, japoneses e australianos no chamado Quad, um dos grupos que Washington montou para cercar e isolar a China.

“Nós temos um problema ou, devo dizer, uma questão entre Índia e China”, disse ele. “Nós é que devemos conversar e achar o caminho. Outros países teriam interesse no assunto, porque somos dois países grandes e a nossa relação tem impacto no resto do mundo. Mas não estamos atrás de outros para resolver uma questão que é, de fato, entre nós dois.”

O chanceler se referia aos Estados Unidos. Analistas ocidentais, como Derek Grossman, do think tank americano Rand Corporation, lamentam que mais uma vez a Índia impediu que o comunicado conjunto do Quad fizesse menção à China.

Já analistas chineses reagem com cautela, em mídia oficial e plataformas mais independentes, aos sinais positivos lançados pela Índia em direção à China. Lin Minwang, professor da Universidade Fudan, de Xangai, onde dirige o Centro de Estudos do Sul da Ásia, diz que as reuniões seguidas de Jaishankar com o colega Wang Yi indicam que a Índia está ajustando sua posição.

Mas é uma mudança gradual, que não permite pressa na conclusão de que a relação teria sido resgatada. Ele credita a mudança ao desempenho relativamente fraco do primeiro-ministro Narendra Modi na eleição de junho, resultado do crescimento econômico sem crescimento do emprego. Modi agora precisa do retorno das empresas chinesas, que havia sufocado.

O governo indiano também estaria atrás de alternativas, diante dos riscos para a parceria buscada até recentemente com os EUA de Joe Biden. Se Donald Trump for eleito, não haveria segurança sobre como ele vai agir com a Índia ou na Ásia de maneira geral. Com a China, diz Lin, o ajuste indiano por enquanto é tático.

Ajuste tático é também a expressão usada por Long Xingchun, da Universidade de Sichuan, para descrever o que a Índia vem indicando no trato com a China. Ele avalia que as relações pouco vão mudar, se não houver avanços nos conflitos de fronteira, razão de seu afastamento, quatro anos atrás.

Em 2020, soldados chineses e indianos se enfrentaram no Himalaia, com mortes de lado a lado. Desde então, o governo Modi baniu três centenas de aplicativos chineses dos celulares do país, a começar do TikTok, levantou obstáculos à contratação de engenheiros e outros profissionais da China e procurou atrair empresas americanas concorrentes.

O resultado não foi o esperado. O comércio bilateral seguiu crescendo, com superávit cada vez maior para a China, a ponto de a ministra das finanças, Nirmala Sitharaman, ter defendido há uma semana a reabertura para os investimentos diretos chineses. Seria uma maneira de ampliar exportações indianas para outros mercados e de conter o déficit indiano com a China.

Logo em seguida, porém, o ministro indiano do Comércio se colocou contra a reabertura, o que estimulou ainda mais cautela em Pequim. O chanceler Wang Yi, que é também do Politburo do Comitê Central do Partido Comunista Chinês, posição considerada superior, vem se mostrando menos otimista do que Jaishankar após seus encontros em 4 de julho, no Cazaquistão, e em 25 de julho, no Laos.

Como Long Xingchun, Qian Feng, da Universidade Tsinghua, de Pequim, sublinha que são necessários, antes de mais nada, progressos no impasse sino-indiano na fronteira. Aos poucos, seria reconstruída então a confiança política para as relações voltaram realmente aos trilhos.

Na 30ª reunião para tratar do assunto, na quarta (31), em Nova Déli, os representantes de Wang e Jaishankar concordaram em acelerar a negociação e acomodar seus interesses, novamente sem anúncio concreto.
Alternativas estão sendo buscadas também via Rússia. Em sua visita a Moscou em 10 de julho, quando abraçou Vladimir Putin, Modi teria pedido apoio do presidente russo para resolver o conflito de fronteira com a China, de acordo com o Asia Times, de Hong Kong.

Na imprensa em Pequim, fala-se abertamente que um dos caminhos para a reaproximação seria através da cooperação trilateral sino-russo-indiana no Ártico, também foco das conversas de Putin com Modi.

Em avanço simbólico paralelo, a Marinha e a Guarda Costeira indianas resgataram há uma semana um marinheiro chinês que enfrentou emergência médica num navio na costa de Mumbai, em mar revolto.

O porta-voz do Ministério do Exterior chinês, em Pequim, agradeceu “o corajoso esforço humanitário”. O embaixador em Nova Déli afirmou que “primeiro-a-vida é a filosofia em comum da China e da Índia”. E o cônsul em Mumbai visitou os indianos que realizaram o resgate, prontificando-se a trabalhar para a reaproximação dos dois povos.

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