Após sucesso nos Jogos Olímpicos, segurança pública no Rio vive crise
Índices contribuíram para uma queda de R$ 320 milhões nas receitas do turismo fluminense
Os índices de violência no Rio de Janeiro não provocam apenas a sensação de insegurança na população, mas demonstram por números que a cidadania está acuada.
“Não é sensação, estamos falando de uma escalada de indicadores de violência, alguns casos muito impactantes. Não é só uma questão de sensação, os números são crescentes. A gente pode definir uma data como o final dos Jogos Olímpicos, quando as coisas passaram a praticamente fugir do controle”, apontou a cientista social e integrante do Centro de Estudos da Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, Sílvia Ramos.
De acordo com dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), da Secretaria de Estado de Segurança do Rio de Janeiro (Seseg), foram 424 vítimas de homicídio doloso (quando há intenção de matar) no estado do Rio, em maio deste ano. Isso significa que houve mais 55 vítimas que o mesmo mês no ano anterior, ou seja, um aumento de 14,9%. Quando a comparação é com abril de 2017 foram menos seis vítimas. Mas se a relação fica no acumulado dos cinco primeiros meses do ano a elevação é de 10,9%, que correspondem a mais 230 casos. De janeiro a maio de 2017 foram 2.329 vítimas.
Os indicadores de letalidade violenta, incluindo homicídio doloso, latrocínio, lesão corporal seguida de morte e homicídio decorrente de oposição à intervenção policial, passaram de 2.528 em 2016 para 2.942 em 2017. Nestes crimes os indicadores não foram afetados pela paralisação dos policiais civis no início do ano, porque os registros desses delitos continuaram a ser feitos nas delegacias. Os dados do ISP são referentes aos registros de ocorrência lavrados mensalmente nas delegacias de Polícia Civil do Rio de Janeiro.
Turismo afetado
A sensação de insegurança não é apenas da população local. Um estudo da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) garante que a violência no Rio nos últimos meses contribuiu para uma queda de R$ 320 milhões nas receitas do turismo fluminense. De acordo com a instituição, na comparação com o período entre janeiro e abril de 2016, esse valor é equivalente a 42% do total da perda do faturamento do setor nos primeiros quatro meses deste ano, que ficou em R$ 768,5 milhões.
A CNC apontou ainda que, para cada aumento de 10% na criminalidade, a receita bruta das empresas que compõem a atividade turística do estado recua, em média, 1,8%. Na visão da entidade, embora o turista não seja frequentemente vítima direta da maior parte dos crimes registrados, o avanço da violência e a consequente queda na percepção de segurança contribuíram para a queda no nível de atividade do setor no Estado do Rio de Janeiro.
“Embora outros fatores diretamente relacionados à conjuntura econômica também ajudem a explicar a queda de atividade no turismo fluminense, inegavelmente, o aumento da criminalidade no Rio de Janeiro contribuiu sobremaneira para agravar a perda de dinamismo desse setor no Estado”, destacou o economista da CNC, Fábio Bentes.
Serviço de inteligência
O presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis do Rio de Janeiro (ABIH-RJ), Alfredo Lopes, disse não ter dúvida de que a violência e sua repercussão na mídia nacional e internacional são prejudiciais para qualquer destino turístico, mas preferiu não atribuir as quedas no faturamento do setor a este motivo. Para o dirigente, o cenário é muito mais amplo. Ele lembrou que o setor funciona, atualmente, com uma expansão que somou pelo menos 20 mil novos quartos ao parque hoteleiro desde a preparação para os Jogos Rio 2016.
O presidente acrescentou que o cenário de crise financeira somada à insegurança política, em um momento em que o mercado internacional está tímido e o nacional receoso, ajuda a desaquecer o setor de viagens. “Podem acontecer casos pontuais, que não chegam a impactar nas pesquisas, mas não podemos atribuir a queda dos índices do setor à violência. Isso seria uma maneira muito simplista de avaliar os fatos, apesar de não termos dúvidas do impacto negativo para a imagem da cidade”, completou.
De acordo com Alfredo Lopes, é preciso usar serviços de inteligência para enfrentar o cenário de crime organizado que voltou a invadir o estado, e não apenas colocar mais homens nas ruas. “O que estamos vivendo é uma vergonha! E a indústria turística, assim como cada um de nós, cidadãos que pagamos nossos impostos e lutamos para manter nossas empresas em operação, estamos todos fortemente ameaçados”, disse.
Estudo da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV/ DAPP) mostra que a segurança pública andou na direção contrária, com o desmonte do Sistema Integrado de Metas que funcionava como estímulo para controlar a violência e levava as polícias a trabalharem mais com as informações e colocava o Rio de Janeiro na tendência de policiamento com base em dados.
“A partir do momento em que se corta o pagamento desses bônus [aos policiais] e se para de acompanhar os indicadores pelo Sistema de Metas, há um retrocesso no sentido de que a gente vinha passando por mais eficiência. Frear este processo é ruim porque ele vinha dando resultados positivos, e significa um passo atrás. Voltar a um policiamento mais baseado em instinto”, afirma a pesquisadora da FGV/DAPP, Maria Isabel Couto.
Secretaria de Segurança
Para a Secretaria de Estado de Segurança (Seseg) do Rio de Janeiro, a crise financeira do estado tem provocado impacto significativo nos agentes e em materiais à disposição das forças policiais fluminenses. Segundo o órgão, isso demanda “um esforço enorme de gestão para fazer face a este cenário antagônico”.
De acordo com informações da Seseg à Agência Brasil, para tentar ultrapassar a barreira econômica, sem custos aos cofres públicos, foram definidas medidas estruturantes como o Grupo Integrado de Operações de Segurança Pública (Giosp), instalado no Centro Integrado de Segurança Pública (CICC), na Cidade Nova, região central do Rio, para fazer o monitoramento qualificado da criminalidade violenta. Além disso, passou a contar com a delegacia especializada para o combate ao tráfico de armas, a Desarme.
Conforme a Seseg, as suas principais diretrizes são “a preservação da vida e dignidade humana, o controle dos índices de criminalidade e a atuação qualificada e integrada das polícias”. Para isso, o secretário Roberto Sá “mantém interlocução permanente com os comandos das polícias Militar e Civil orientando-os na busca incessante de medidas que impactem na redução dos indicadores de violência, principalmente o de letalidade violenta