A resposta que os EUA espera do presidente Jair Bolsonaro

Chefe do Executivo fará discurso na Cúpula de Líderes

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(Foto: Pedro Ladeira/Folhapress)

Marina Dias, dos EUA, e Ricardo Della Coletta, do DF – O governo dos EUA já traçou o roteiro que espera do discurso de Jair Bolsonaro durante a Cúpula de Líderes sobre o Clima, marcada por Joe Biden para os dias 22 e 23 de abril. Os americanos querem que Bolsonaro afirme que não vai mais tolerar o desmatamento ilegal no Brasil e apresente um plano concreto para diminuir os números de destruição das florestas no curto prazo, o que poderia incluir o aumento de verba para órgãos de fiscalização do meio ambiente.

Como mostrou a Folha, o presidente brasileiro avalia anunciar mais recursos para agências como Ibama e ICMBio durante a cúpula de Biden, mas enfrenta resistência do Ministério da Economia, que não quer ampliar despesas em meio à pandemia e à crise fiscal.

Interlocutores americanos dizem que querem ver no encontro mais do que apenas o compromisso de Bolsonaro de acabar com o desmatamento ilegal até 2030, como o brasileiro escreveu em carta para Biden na semana passada. Eles insistem que é preciso mostrar ações imediatas para que as promessas produzam o que chamam de resultados tangíveis e confirmam que mais recursos para o meio ambiente seria uma delas.

Com o avanço das conversas entre autoridades dos governos brasileiro e americano, os EUA dizem que não vão estabelecer um número específico que o Brasil tem que alcançar neste ano no combate ao desmatamento, mas exigem sinalizações políticas e uma mensagem clara sobre o assunto no discurso de Bolsonaro na cúpula -a previsão é que o presidente brasileiro fale por três minutos na quinta-feira (22).

Os americanos dizem estar cientes de que não haverá uma queda brusca no desmatamento do Brasil nos próximos meses, mas a condição é que os números não aumentem -os índices de destruição da Amazônia atingiram novos recordes em março.

O problema é que o governo brasileiro tem uma janela estreita para conseguir reverter a tendência de aumento da devastação da floresta ainda em 2021 e o mais recente programa anunciado pelo Planalto foi considerado fraco por ambientalistas.

Apresentado pelo vice-presidente Hamilton Mourão, o plano Amazônia se compromete a reduzir até o fim de 2022 as queimadas e o desmatamento ilegal aos níveis da média histórica entre 2016 e 2020 do Prodes (Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite), sistema do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

Apesar de ser uma redução objetiva, apontam especialistas, como houve muito aumento nos últimos anos, na prática o índice vai representar um desmatamento maior do que os do início da administração de Bolsonaro, em 2019, por exemplo.

Um eventual fracasso brasileiro ao não atingir ao menos uma curva de desmatamento descendente até o final do ano será interpretado por Washington como falta de comprometimento do Brasil com o tema, de acordo com interlocutores, o que poderia prejudicar as relações com a Casa Branca.

A ordem inicial de Biden é o diálogo para a construção de possíveis acordos no futuro, mas sanções contra o Brasil não estão descartadas caso as metas não sejam atingidas.

Por conta de projeções desanimadoras e da falta de estrutura de agências como o Ibama e o ICMBio, o Planalto voltou a discutir a prorrogação da GLO (Garantia da Lei e da Ordem) para o combate de ilícitos ambientais na Amazônia, em uma nova tentativa de reforçar ações de controle do desmatamento.

Zerar o desmatamento ilegal até 2030 foi o compromisso do Brasil assumido em 2015, no âmbito do Acordo de Paris, mas essa foi a primeira vez que Bolsonaro abraçou a meta, em alto nível diplomático, em carta direta a Biden.

Na sexta-feira (16), o enviado do clima de Biden, John Kerry, havia concretizado em mensagem pública o que integrantes do governo americano estavam dizendo nos bastidores sobre o texto: o compromisso de Bolsonaro de acabar com o desmatamento ilegal até 2030 é uma sinalização positiva e importante, mas é preciso “ações imediatas e engajamento com as populações indígenas e a sociedade civil para que esse anúncio produza resultados tangíveis”, escreveu Kerry em sua conta no Twitter.

Agora, interlocutores americanos tentam cristalizar o que seriam essas ações concretas a serem indicadas por Bolsonaro em seu discurso.

Durante a cúpula desta semana, o presidente americano quer recolocar os EUA como líderes de uma nova organização mundial, ditada pelo clima, com ambição de limitar o aquecimento global a 1,5 grau Celsius. Para isso, Biden vai anunciar novas metas para o país para diminuir até zerar a emissão de gases do efeito estufa e quer contar com mais engajamento de Bolsonaro.

Outra ação do governo americano é seguir pedindo que o Brasil estabeleça NDCs (contribuições nacionais determinadas, na sigla em inglês) mais ousadas. As NDCs são metas de redução da emissão de CO2 na atmosfera assumidas com o Acordo de Paris.

A meta brasileira é reduzir a emissão total de gases do efeito estufa em 37% até 2025 e em 43% até 2030. Os valores levam em conta o ano de 2005.

O governo Bolsonaro tem resistido a revisar seus objetivos por já considerá-los ambiciosos.

Sem conseguir o comprometimento com uma nova NDC do Brasil a tempo da Cúpula do Clima, os americanos pretendem continuar com a pressão até a COP-26 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática), a ser realizada em novembro no Reino Unido.

A Cúpula do Clima organizada por Biden nesta semana é considerada momento-chave da relação entre o Brasil e os EUA. Diplomatas brasileiros temem que resultados avaliados como frustrantes pelos americanos travem pontos importantes da parceria bilateral ou mesmo o apoio americano a pleitos estratégicos do Brasil, como a entrada na OCDE.

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