Time de handebol formado por gays e lésbicas embala sonhos e organiza Copa

O coletivo faz parte de um movimento em expansão, diz entidade

Folhapress Folhapress -
Foto tirada dos integrantes do time. (Foto: Adriano Vizoni/Folhapress)

Como ponta ou central, Bruno Costa era titular de equipe juvenil de handebol em São José dos Campos (110 km de São Paulo). Com o sonho de chegar à seleção brasileira, o atleta viu a passagem para a categoria júnior, ao completar 18 anos, como mera formalidade.

Não houve problemas com seus colegas de time. Mas com ele, sim.

“Dentro de quadra, sempre fui profissional. Fora, levo a vida sem me preocupar com outras opiniões. Quando cheguei aos juniores, aconteceu uma barreira com a comissão técnica. Disseram que, se eu quisesse continuar, teria de disputar a minha vaga com cinco pessoas. Compreendi ser um modo de me deixar de canto”, afirma ele, hoje com 28 anos.

Bruno é homossexual e nunca quis esconder sua orientação. Para continuar no esporte, foi para Jacareí (80 km de São Paulo). Sofreu lesões no ombro e no tornozelo e desistiu. Mas a vontade de jogar handebol nunca passou.

Reencontrou-se com o esporte graças ao Fadas, a primeira equipe paulistana formada para a comunidade LGBTQIA+.

Uma vez por semana, eles treinam em quadra alugada na Vila Mariana, zona sul da capital paulista. Praticam para os amistosos que aparecem e os convites para jogar torneios em outros estados. O objetivo é a Queer Cup, competição a ser organizada por eles em São Paulo no próximo ano. Deveria ter sido em 2020 ou em 2021, mas a pandemia da Covid-19 não permitiu.

“A gente verificou a existência de uma demanda reprimida de pessoas fanáticas por handebol, querendo jogar. Assim como o futebol, o handebol tem um estigma de preconceito por ser esporte violento, de contato”, explica o advogado Rogério Dervanosk, 32, criador do Fadas.

O coletivo faz parte de um movimento em expansão: o de esportes com equipes voltadas para pessoas gays e lésbicas.

“São duas letras, o G [de gays] e o L [de lésbicas]. Faltam as outras. Temos torneios de futebol, de vôlei e de handebol”, completa. Ele mesmo era jogador do PampaCats, time do Rio Grande do Sul com atletas nessas três modalidades.

Dervanosk foi um dos organizadores da primeira Queer Cup, em 2018, competição de handebol feita para o público LGBTQIA+. No mesmo ano, mudou-se para São Paulo e resolveu criar equipe de handebol. Montou um banner e o espalhou pelo Instagram. Achou que poucos se apresentariam. Nas palavras dele mesmo, “choveram mensagens”.

O Fadas é composto de 28 jogadores que pagam mensalidade para manter o time em funcionamento. Isso significa pagar quadra, uniforme, bolas e ajuda de custo para a comissão técnica. Há grupo de espera com 40 pessoas. Quando algum “titular” avisa não poder ir, os reservas são avisados.

“Há muito a ideia da inclusão. São pessoas que em outros espaços foram deixadas de lado por ter uma orientação diferente. Aqui a gente se reconhece. O mais importante de tudo é se divertir”, analisa o médico Matheus Giannini, 30. Acostumado a atuar no handebol desde os 10 anos, ele era atleta do Legendários, coletivo LGBTQIA+ no Rio de Janeiro. Ao se mudar para São Paulo em 2019, encontrou o Fadas.

Eles se divertem de verdade nos treinos. As risadas são intercaladas pelos gritos de incentivo e a alegria quando um gol acontece ou uma das duas goleiras (as únicas mulheres do elenco) faz uma defesa difícil.

“Graças a Deus que [equipes LGBTQIA+] estão em expansão, porque é algo que ficou escondido por muito tempo. Antes era opressor. Ninguém falava abertamente sobre isso. Aqui é um lugar em que a gente pode ser quem é, sem medo de represálias ou de sofrer algum preconceito. É acolhedor estar em um esporte que a gente ama tanto”, comemora a engenheira de dados Luciana Bertolotto, 31, uma das goleiras.

A explicação para atuar nessa posição no handebol é a mesma dada tantas vezes no futebol. “É o lugar que ninguém quer. Goleiro ou goleira sempre joga”, completa.

O ninguém querê-los é algo que os jogadores do Fadas já viveram ou presenciaram. Às vezes não abertamente. Pode acontecer nas partidas, na marcação individual. Há quem já ouviu no pé de ouvido frases que em público, na frente de outras pessoas, o agressor não teria coragem de dizer.

“Já escutei, sim. Não me afeta. Acho que isso diz mais sobre a outra pessoa do que sobre mim mesmo”, diz Giannini.
O Fadas costuma fazer amistosos não só dentro da comunidade mas também contra rivais definidos pela expressão “time de héteros”. Nunca houve qualquer problema nesses confrontos. Mas Dervanosk se diverte ao constatar que, quando sua equipe está na frente no placar, o adversário se comporta em quadra como se fosse uma final de Copa do Mundo.

O nível técnico é outro aspecto que os atletas gostam de ressaltar. Eles se divertem, formam novos círculos de amizades, mas o Fadas existe também para competir e ganhar.

Dois jogadores fazem parte de departamento criado pela Confederação Brasileira de Handebol para incentivar a inclusão de minorias. A estimativa é que existam dez equipes formadas pela comunidade LGBTQIA+ no país. Menos do que as 60 de futebol, mas, como os responsáveis não se cansam de dizer, é um processo em expansão.

Quem está na organização de campeonatos e coletivos, como Dervanosk, já ouviu várias vezes a afirmação de que iniciativas assim, exclusivas para gays e lésbicas, criam bolhas em vez de desafiar o preconceito. Ele até pode concordar com o princípio, mas não com a realidade.

“É uma questão de autoestima. A gente quer furar essa bolha e ter héteros jogando aqui, mas nós precisamos desse ambiente. Tem gente que vê isso como preconceito. Estaríamos nos isolando e nos excluindo. Mas a sociedade nos excluiu por muito tempo. Nós precisamos mostrar para essa sociedade que jogamos e jogamos bem. Para isso, temos nosso espaço, nosso lugar de fala”, afirma.

“Eu sempre joguei futebol, minha vida inteira. Fui criado em um ambiente muito hostil. Esse movimento foi criado para nós sermos o que somos. Sem medo de gritar, de ter uma voz mais afeminada, de ser chamado de ‘viadinho’ ou ouvir termos que sempre foram usados contra os gays para nos menosprezar.”

Incorporar heterossexuais no time e ter jogadores do Fadas em outras equipes é um processo, eles acreditam. E é o objetivo final de Bruno Costa. Porque o tempo pode ter passado, e ele não é mais o juvenil de São José dos Campos. Mas o sonho não morreu.

“O que eu ainda quero é chegar à seleção brasileira de handebol.”

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