Governo planeja eliminar tributo que financia Incra, para desonerar salários
Extinção da contribuição está em gestação no Ministério da Economia e poderá ser apresentada ao Congresso por meio de projeto de lei
O governo planeja acabar com a cobrança de 0,2% aplicada à folha de salários das empresas existente para bancar o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
O tributo é responsável por gerar até R$ 2 bilhões anualmente para o órgão, dois terços do orçamento previsto para 2022.
A extinção da contribuição está em gestação no Ministério da Economia e, de acordo com relatos feitos à Folha, está dentro do plano de desonerar a folha de pagamentos das empresas de maneira ampla e baratear o custo da contratação.
A ideia é apresentar a medida ao Congresso por meio de um projeto de lei.
O ato representa uma sinalização ao empresariado no ano que o presidente Jair Bolsonaro (PL) busca a reeleição e também funciona como um aceno à base ruralista. Durante a campanha de 2018, Bolsonaro chegou a classificar o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) de grupo terrorista.
O governo ainda estuda o impacto orçamentário e financeiro da proposta e como compensar a medida -uma exigência feita pela legislação.
A ideia de extinguir a Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) Incra, como é chamado o tributo previsto em lei de 1955 e adaptado por decreto de 1970, segue o plano do ministro Paulo Guedes (Economia) de desonerar os salários pagos pelas empresas.
O chefe da equipe econômica chama os tributos sobre a folha de armas de destruição em massa de empregos.
Guedes tentava desde o começo do governo substituir ao menos parcialmente tais cobranças por uma taxação similar à antiga CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras), mas a ideia foi colocada na geladeira após ser atacada -inclusive por Bolsonaro.
A cobrança da Cide Incra é feita pela Receita Federal, que repassou ao Incra quase R$ 2 bilhões em 2021. Procurado, o Fisco não soube informar até a conclusão deste texto se o montante é totalmente referente ao tributo ou se há algum outro componente.
A sistemática na relação entre Receita e Incra é semelhante à aplicada ao Sistema S, que recebe um percentual das contribuições pagas ao Fisco sobre a folha de salários das empresas.
O movimento do governo para acabar com a Cide Incra é feito menos de um ano após o STF (Supremo Tribunal Federal) referendar a cobrança, dando ganho de causa à União e entendendo que o tributo é constitucional.
Em abril, por maioria dos votos, o colegiado seguiu o voto do relator, ministro Dias Toffoli, pelo desprovimento do recurso extraordinário interposto por uma metalúrgica.
A empresa contestava decisão do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), que considerou que o adicional de 0,2% estava de acordo com a Constituição de 1988.
“É constitucional a contribuição de intervenção no domínio econômico destinada ao Incra devida pelas empresas urbanas e rurais”, decidiram os ministros do STF.
Caso o resultado do julgamento fosse o oposto, a União poderia ter de devolver mais de R$ 30 bilhões pagos pelas empresas ao longo do tempo, considerando também os recursos direcionados ao Sebrae, que também estavam em discussão.
Luigi Nese, presidente da CNS (Confederação Nacional dos Serviços), afirma que a extinção da cobrança é positiva para o empresariado.
“O [tributo para o] Incra é uma aberração porque até uma empresa urbana acaba pagando, e um funcionário que trabalha na cidade não tem nada a ver com o campo. Acho que não tem de pagar ninguém, e isso [verba do órgão] tem de vir do Orçamento da União”, diz.
A CNS defende que a folha de salários seja livre de impostos para as empresas e que os recursos correspondentes sejam recolhidos por meio de um imposto sobre movimentação financeira, como defende Guedes.
Bianca Xavier, professora de Direito Tributário na FGV (Fundação Getulio Vargas), afirma que o percentual de 0,2% pode parecer pequeno, mas faz diferença para as empresas. “É um valor expressivo. A gente teve um contencioso enorme no STF sobre essa contribuição”, afirma.
Por outro lado, diz, a eliminação da cobrança significa menos recursos para políticas públicas ligadas à reforma agrária. “Sem dúvida nenhuma, isso é uma perda de receita importante e o governo vai ter de pensar em outros paliativos”, afirma ela.
O movimento ocorre menos de um ano após a cúpula do Incra admitir ao STF, por meio de dados, um ritmo lento na reforma agrária.
Conforme mostrou a Folha na época, nunca havia sido feito um orçamento tão baixo para aquisição de terras, levando em conta um dos gráficos apresentados, com dados referentes ao período de 2011 a 2020.
O Incra tem um orçamento de pouco mais de R$ 3 bilhões para 2022, mas menos de um terço será destinado a áreas centrais para o órgão, como monitoramento de conflitos agrários, promoção de educação no campo, reconhecimento e indenização de territórios quilombolas, consolidação de assentamentos rurais, aquisição de terras, reforma agrária e regularização fundiária.
A maior parte vai para um conjunto de outros itens, como sentenças judiciais, aposentadorias e pensões, além de benefícios, assistências e auxílios para servidores.
Segundo o MST, o governo não tem se dedicado à reforma agrária, e o número de famílias acampadas à espera de regularização de terra cresceu de 80 mil para 90 mil em um ano.
“Não estamos tendo assentamento ou desapropriação para a reforma. Estamos vendo um desmonte estrutural da reforma agrária”, afirma Alexandre Conceição, dirigente nacional do MST.
Para ele, o fim da Cide Incra é mais um movimento nesse sentido. “Ele [governo Bolsonaro] dá mais uma demonstração de que acabou com o orçamento da reforma agrária, que não quer a reforma agrária”, diz.
Procurado, o Incra afirmou que não iria se pronunciar por não ter sido incluído no debate dentro do governo. “A proposta de cancelamento da contribuição não foi discutida com o Incra e por isso o instituto não se manifestará”, escreveu a autarquia.
O Ministério da Economia preferiu não dar declarações.